O que não pode ser medido também importa: além dos dashboards

Desde a Revolução Industrial, números e indicadores se tornaram o idioma oficial da gestão. De produtividade fabril a margens de lucro, tudo parecia traduzível em métricas. Mas, se olharmos mais de perto, surge um dilema: é possível, de fato, gerir apenas aquilo que se mede?

Essa pergunta acompanha líderes há mais de um século. Lord Kelvin, no final do século XIX, já afirmava que medir era o caminho para compreender e dominar um fenômeno. Por seu turno, W. Edwards Deming, um dos pais da qualidade total, fez o contraponto no século XX: é equivocado supor que tudo que não é mensurável não possa ser gerido — lembrando que os elementos mais críticos da gestão são, muitas vezes, incognoscíveis (cultura, confiança, motivação, liderança).

Vivemos hoje um paradoxo ainda mais agudo: organizações cercadas por dashboards reluzentes parecem possuir controle absoluto sobre seu destino. Mas basta um choque externo — uma mudança regulatória, uma crise de reputação, um movimento inesperado da concorrência — para revelar a fragilidade dessa visão. Afinal, até que ponto números traduzem a realidade?

A sedução das métricas é inegável. Elas transmitem clareza, objetividade e sensação de controle. Mas esse fascínio esconde dois riscos importantes:

Dashboards criam a impressão de que tudo que importa está ali, quantificado e sob vigilância. Na prática, questões como engajamento dos colaboradores, confiança entre líderes e equipes, ou mesmo a criatividade para inovar, dificilmente aparecem em relatórios. Gary Hamel, em What Matters Now (2012), alerta que reduzir a gestão apenas ao que é mensurável é comprometer justamente o que mais sustenta organizações no longo prazo: a adaptabilidade, a resiliência e o engajamento humano.

Eric Ries, em The Lean Startup (2011), cunhou o termo “métricas de vaidade” para designar indicadores que parecem positivos, mas pouco dizem sobre a realidade do negócio. Número de downloads de um app, seguidores em redes sociais ou acessos a um site podem inflar o ego da liderança, mas não garantem sustentabilidade. Como Ries aponta, a verdadeira métrica deve indicar um caminho claro para a ação e para o aprendizado.

Em contraste com as métricas de vaidade, estão as métricas acionáveis. A principal diferença é que uma métrica acionável demonstra uma clara relação de causa e efeito, permitindo que as equipes tomem decisões informadas. Como define Ash Maurya, em Running Lean (2012), uma métrica acionável “conecta ações específicas e repetíveis a resultados observados”.

Exemplo prático: não basta acompanhar o volume total de clientes atendidos (que pode ser apenas uma métrica de vaidade). Mais relevante é medir a taxa de resolução no primeiro contato. Esse indicador tem impacto direto na satisfação do cliente, na eficiência operacional e na reputação do serviço — e, portanto, orienta ações concretas.

Caminhos práticos para líderes

  1. Questione seus dashboards: todo indicador deveria responder à pergunta “e o que faço com essa informação amanhã?”. Se não gera ação, pode ser apenas vaidade.
  2. Equilibre quantitativo e qualitativo: combine métricas duras (financeiras, operacionais) com análises qualitativas (pesquisas em profundidade, entrevistas, feedbacks de clientes e colaboradores).
  3. Adote frameworks de avaliação integrada: modelos como o Balanced Scorecard (Kaplan e Norton, 1992) foram criados justamente para equilibrar perspectivas financeiras, de clientes, processos internos e aprendizado organizacional.
  4. Reforce a cultura da interpretação crítica: números são ferramentas, não respostas. O papel da liderança é contextualizar dados e conectá-los a decisões que respeitem valores, cultura e propósito.

Métricas são indispensáveis, mas insuficientes. Sem elas, navegamos no escuro; apenas com elas, navegamos com uma lanterna que ilumina parte do caminho e deixa zonas críticas em sombra. A maturidade da liderança está em reconhecer os limites do que se mede e valorizar também o que não cabe em planilhas.

Em última análise, como lembrava Deming, gerir é lidar com incerteza — e isso exige tanto dashboards robustos quanto sensibilidade para o que escapa às métricas.


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O conteúdo deste artigo reflete a posição do autor e não, necessariamente, a do Grupo JML.

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