DIFERENÇA ENTRE OS MODOS DE DISPUTA ESTABELECIDOS NA NLLCA Nº 14.133/21

Resumo

A Lei de Licitações nº 14.133-2021 caracteriza-se por ser analítica e, por consequência, esquadrinhar procedimentos. Contudo, o novo normativo oferece ao gestor um cardápio de opções para o desenho da melhor estratégia para a seleção do licitante. Nesse diapasão, demonstra-se importante a opção acertada de um modo de disputa adequado. Cabendo-se ressaltar que a escolha do formato de apresentação da proposta caracteriza-se por ser metódica e não baseada apenas em experiências pretéritas.

Palavra-Chave: Modos de disputa, Pontos positivos e negativos, Utilização, Escolha, .

  1. INTRODUÇÃO

A Lei nº 14.133/21, mais conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA, empreendeu significativas mudanças no cenário das licitações. Uma das inovações ocasionadas por essa legislação é a diversidade dos modos de disputa combinados aos critérios de julgamento adotados pelo ente público, visando proporcionar maior flexibilidade e eficiência nos procedimentos de contratação pública. Essa possibilidade de escolha, pela administração, quanto ao modo de disputa de determinada licitação, objetiva a redução da assimetria de informação por intermédio de incentivos aos licitantes com a finalidade de obtenção dos melhores preços.

Portanto, não se trata de algo totalmente novo no regimento, pois havia a previsão nas seguintes leis revogadas: Leis nº 12.462, de 04 de agosto de 2011, (Lei do Regime Diferenciado de Contratações – RDC) em seu art. 17, inciso I e II, regulamentado pelo Decreto Federal nº 7.581/20211 nos art. 15 e 24, assim como no Decreto Federal nº 10.024/2019 (regulava o pregão eletrônico no âmbito Federal à luz da Lei 10.520/2002), que previa expressamente, mesmo que a Lei que ele regulamenta não trouxesse em seu arcabouço tal dispositivo, o que para alguns doutrinadores era um ponto de questionável legalidade, pois o Decreto teria abordado mais do que deveria.  Além dos art. 52 e 53 da Lei das Estatais nº 13.303/2016 (em vigor).

Contudo, cabe trazer à baila, para quem viveu os tempos de ouro da Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitação – LGL) e da Lei nº 10.520/02 (a revogada Lei do Pregão), que tais leis não expressavam esses modos de disputa expressamente. Todavia, na LGL, na qual o momento de apresentação das propostas dos envelopes fechados, em sessão pública, caracterizava, fazendo-se uma analogia, o modo de disputa fechado.

Já a revogada Lei do Pregão, possuía uma dinâmica similar, por analogia, ao modo de disputa fechado/aberto, porque havia um momento de apresentação da proposta fechada classificando licitantes para a disputa aberta caracterizada pelo envio de lances públicos e sucessivos.

 Neste contexto, este artigo tem como objetivo analisar e elucidar as diferenças entre os modos de disputa estabelecidos na NLLCA.

  • PREVISÃO LEGAL

De acordo com o art. 18, inciso VIII, da Lei 14.133/21:  a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa, bem como a adequação e eficiência da combinação desses parâmetros devem ser considerados, na fase de planejamento por seus responsáveis, para a construção da estratégia de  seleção da proposta que resulte na contratação apta a gerar o resultado mais vantajoso para a Administração Pública, levando em conta todo o ciclo de vida do objeto[5].

É fundamental avaliar a forma de combinação da modelagem escolhida para a disputa, com a finalidade de melhor adequação ao objeto licitado e a eficiência na descoberta da informação do licitante, com o propósito de alcançar os objetivos do processo licitatório previstos no artigo 11 da NLLCA.

A Lei nº 14.133/2021 prevê, explicitamente, os modos de disputa no art. 56[6], da NLLCA, conforme elencados:

(…)

Art. 56. O modo de disputa poderá ser, isolada ou conjuntamente:

I – aberto, hipótese em que os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes;

II – fechado, hipótese em que as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação.

§ 1º A utilização isolada do modo de disputa fechado será vedada quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto.

§ 2º A utilização do modo de disputa aberto será vedada quando adotado o critério de julgamento de técnica e preço.

De acordo com o art. 56 e 57 da Lei nº 14.133/21, os modos de disputa para o envio de lances são definidos da seguinte forma:

Aberto: Envolve a apresentação de lances públicos e sucessivos, que podem ser crescentes ou decrescentes. Os participantes têm conhecimento em tempo real dos lances durante a disputa, permitindo que apresentem lances melhores no decorrer da sessão pública.

Fechado: Nesse modo, não há lances. Cada licitante apresenta uma proposta única, que permanece sigilosa até a data e hora designadas para a divulgação de todas as propostas.

  • POSSIBILIDADE DE COMBINAÇÃO

O art. 56, da Lei 14.133/21, prevê para a fase de apresentação das propostas e disputa de lances, dois Modos de Disputa, o Modo Aberto e o Fechado.

Ainda, na normativa legal, há a possibilidade de combinação desses modos de disputas ou o uso isolado dos mesmos. Nesse contexto, este artigo realizará uma análise das disposições da Lei nº 14.133/21 sobre o tema em questão, comparando suas diretrizes com as regras existentes em outras normas de licitação.

Para Oliveira (2024, p. 02), os modos de disputa são procedimentos adotados na fase de apresentação das propostas e lances para selecionar a proposta mais vantajosa para a administração, podendo consistir em disputa fechada ou disputa aberta, que podem ser adotadas isolada ou conjuntamente[7].

Ainda para Oliveira (2024, p. 03) “Os dois modos podem ser utilizados de forma isolada ou conjunta (combinada). Havendo a utilização conjunta dos modos aberto e fechado, o edital deverá definir qual deles será primeiramente utilizado. Se a sequência for primeiro o modo fechado e depois o aberto, o edital deverá definir quantas propostas, dentre as melhores classificadas na disputa fechada, seguirão para a fase de lances sucessivos (disputa aberta).

Caso seja adotada antes a disputa aberta e depois a fechada, deverá o edital, do mesmo modo, estabelecer quantas propostas, dentre as melhores classificadas na fase de lances, poderão evoluir para uma proposta final, fechada.”[8]

Consoante o disposto no art. 22 da IN. Federal  nº73/2022[9], os modos de disputa para o envio de lances são definidos da seguinte forma:

(…)

I – aberto:  os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com prorrogações, conforme o critério de julgamento adotado no edital de licitação;

II – aberto e fechado:  os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com lance final fechado, conforme o critério de julgamento adotado no edital de licitação; ou

III – fechado e aberto: serão classificados para a etapa da disputa aberta, com a apresentação de lances públicos e sucessivos, o licitante que apresentou a proposta de menor preço ou maior percentual desconto e os das propostas até 10% (dez por cento) superiores ou inferiores àquela, conforme o critério de julgamento adotado.

A principal característica dos modos de disputa na NLLCA é a possibilidade de combinação entre eles. Isso significa que, a depender das peculiaridades e do critério de julgamento de cada licitação, é permitido adotar, ou não, mais de um modo de disputa.

A escolha da utilização modo de disputa isolado, ou da combinação deles, dependerá, portanto, das características da licitação e dos critérios de julgamento adotados, ou seja, o legislador possibilita ao gestor público, a partir de sua estratégia de seleção do fornecedor apto a atendê-lo, uma maior flexibilidade na escolha do formato de apresentação dos preços objetivando promover contratações mais eficientes, efetivas e eficazes para atingir os objetivos da contratação pública, conferindo ainda ao gestor a possibilidade de criar procedimentos específicos definidos em regulamento próprio do ente federado.

3.1. Modo de Disputa Aberto

Em modo aberto, o licitante apresentará sua proposta dinâmica caracterizada por lances que não estarão protegidos pelo sigilo, ou seja, os valores apresentados serão de conhecimento de todos.

 Com isso, os participantes podem ajustar suas propostas em resposta às ofertas dos concorrentes, o que poderá resultar em uma competição mais acirrada e em melhores condições para a administração pública. Importante mencionar ainda que, com valores públicos abertos, o licitante não terá incentivo desde o início para apresentar seus melhores preços e, além disso, não valoriza o licitante que se empenha na formação de seus preços, pois o licitante aventureiro acabará ancorado nos valores apresentados pelos demais concorrentes.

O modo aberto passa a ser obrigatório para as modalidades de licitações em que o critério de julgamento é o menor preço ou maior desconto, sendo permitida a combinação desse modo aberto com o modo fechado, mas vedada a utilização do modo de disputa fechado de maneira exclusiva. Essa disposição é estabelecida conforme o art. 57 da Lei 14.133/2021. Adicionalmente, o edital deverá estipular um intervalo mínimo de diferença entre os lances, conforme previsto no artigo 56, § 3º da mesma lei.

No âmbito federal, conforme convencionado no Art. 23 da IN. SEGES nº 73/22, no modo aberto, descrito no inciso I do art. 22, a etapa de envio de lances terá a duração de dez minutos. Após esse período, a etapa será prorrogada automaticamente pelo sistema quando houver qualquer lance ofertado nos últimos dois minutos. Essa prorrogação automática será de dois minutos e ocorrerá sucessivamente sempre que houver lances enviados neste período, inclusive os lances intermediários.

Caso não ocorram novos lances dentro do período estabelecido, a etapa será encerrada automaticamente, e o sistema ordenará e divulgará os lances conforme disposto no § 2º do art. 22 da IN supramencionada.

Além disso, definida a melhor proposta e constatada uma diferença em relação à proposta classificada em segundo lugar for de pelo menos 5% (cinco por cento), o agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, poderá admitir o reinício da disputa aberta para a definição das demais colocações, conforme estabelecido no edital de licitação.

Após esse reinício, os licitantes serão convocados para apresentarem lances intermediários. Encerrada essa etapa, o sistema ordenará e divulgará os lances conforme disposto no § 2º do art. 22 do normativo supracitado.

3.2. Modo de Disputa fechado

Em relação ao modo fechado, as propostas são apresentadas de forma sigilosa e somente são reveladas após o encerramento do prazo para a entrega destas. Esse modo de disputa é indicado quando se busca maior confidencialidade e controle sobre as propostas, sendo especialmente útil em situações que demandem a proteção de informações sensíveis.

3.3. Modo de Disputa Aberto e Fechado

Os Modos de Disputas Aberto e Fechado consistem na combinação dos dois tipos aludidos anteriormente, nesta ordem. Nesse caso, a primeira parte da licitação, classificatória, ocorre de forma aberta, com a possibilidade de ajuste das propostas em resposta às ofertas dos concorrentes. Já a segunda parte do certame, que só participarão os licitantes classificados na fase inicial, ocorre de forma fechada, preservando a confidencialidade das propostas até o encerramento do processo licitatório.

Conforme estabelecido no Art. 24 da da IN. SEGES nº 73/22, no modo de disputa aberto e fechado, descrito no inciso II do art. 22, a etapa de envio de lances terá a duração de quinze minutos. Após o encerramento do prazo previsto no caput, o sistema enviará o aviso de fechamento iminente dos lances. Transcorrido o período de até dez minutos, aleatoriamente determinado, a recepção de lances será automaticamente encerrada.

Em seguida, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo ou de maior percentual de desconto, e os autores das ofertas subsequentes com valores ou percentuais até 10% (dez por cento) superiores ou inferiores àquela, possam ofertar um lance final e fechado em até 5 (cinco) minutos que será sigiloso até o encerramento deste prazo.

No procedimento descrito no § 2º do art. 22, o licitante poderá optar por manter seu último lance da etapa aberta ou ofertar um lance melhor. Na ausência de, no mínimo, três ofertas nas condições estabelecidas, os autores dos melhores lances subsequentes, na ordem de classificação, até o máximo de três, poderão oferecer um lance final e fechado em até cinco minutos. Esse lance também será sigiloso até o encerramento do prazo, observado o disposto no § 3º do art. 22 da  referida Instrução Normativa Federal.

Após o encerramento dos prazos estabelecidos nos §§ 2º e 4º da IN. SEGES nº 73/22, o sistema ordenará e divulgará os lances conforme disposto no § 2º do art. 22 do predito.

3.4. Modo de Disputa Fechado e Aberto

Da mesma forma, o Modo de Disputa Fechado e Aberto também possibilita a combinação de ambos os modos. Essa forma de disputa é uma velha conhecida dos tempos de Pregões realizados na modalidade presencial. Essa forma de disputa é uma velha conhecida dos tempos de Pregões realizados na modalidade presencial. Aqui, a primeira parte da disputa, classificatória, ocorre de forma fechada, com as propostas sendo mantidas em sigilo até o momento definido pelo edital para a sua divulgação, enquanto a segunda parte da disputa se desenrolará de forma aberta, permitindo o ajuste das propostas em resposta às ofertas concorrentes. Então vejamos:

De acordo com o Artigo 25 da IN. SEGES nº73/22, no modo de disputa fechado e aberto, como mencionado no inciso III do art. 22, apenas serão automaticamente classificados pelo sistema para a etapa da disputa aberta, conforme especificado no Artigo 23, os licitantes que apresentaram a proposta de menor preço ou maior percentual de desconto e aqueles com propostas até 10% (dez por cento) superiores ou inferiores à melhor proposta, conforme o critério de julgamento adotado.[10]

Caso não haja pelo menos 3 (três) propostas dentro dessas condições, os licitantes que apresentaram as três melhores propostas, considerando as empatadas, poderão oferecer novos lances sucessivos, conforme disposto no Art. 23, da Instrução Normativa supracitada.

Definida a melhor proposta e constatada uma diferença em relação à proposta classificada em segundo lugar de pelo menos 5% (cinco por cento), o agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, poderá admitir o reinício da disputa aberta para a definição das demais colocações, conforme estabelecido no edital de licitação.

Após esse reinício, os licitantes serão convocados para apresentar lances intermediários, podendo optar por manter seu último lance. Encerrada essa etapa, o sistema ordenará e divulgará os lances conforme disposto no § 2º do art. 22, da Instrução Normativa da SEGES de 30 de setembro de 2022.

  • MELHOR MODO DE DISPUTA A SER UTILIZADO

            Inicialmente vale destacar que o metaprocesso de contratação é constituído pela fase do planejamento, fase de seleção do fornecedor e fase de acompanhamento e fiscalização da execução do contrato. Nesse contexto, a Lei nº 14.133/21 em seu art. 18, inciso VIII, menciona que a escolha do modo de disputa é inerente à fase preparatória da contratação, caracterizada pelo planejamento, logo a escolha do modo de disputa é atribuída pela equipe de planejamento da contratação, que é a responsável pela primeira fase do metaprocesso da compra pública .

            Não há um modo de disputa melhor do que o outro, contudo há pontos positivos e negativos na escolha de cada formato para o envio de lances. Vejamos:

Quadro: Pontos positivos e negativos dos modos de disputa.

MODO DE DISPUTA    PONTOS POSITIVOS    PONTOS NEGATIVOS
ABERTOPossibilita uma disputa franca entre os licitantes com envio de lances sucessivos.Acaba prestigiando os licitantes menos preparados, pois haverá uma facilidade quanto aos valores oferecidos em decorrência do efeito de ancoragem, ou seja, os lances acabam sendo ofertados próximos dos que foram oferecidos anteriormente.
FECHADOHá um estímulo ao licitante a apresentar seu melhor preço, pois há um sigilo quanto aos valores dos outros licitantes e há uma única possibilidade de apresentação da proposta.Proposta estática, ou seja, não há a possibilidade dos licitantes ofertarem lances sucessivos numa disputa franca.
ABERTO/FECHADOApós a fase classificatória, a etapa fechada faz com que o licitante dê um lance mais qualificado.Participação de um número seleto de licitantes para a etapa fechada, afastando-se assim, talvez, a melhor proposta em detrimento do menor preço dos classificados.
FECHADO/ABERTODesde o início da disputa o licitante chegará mais próximo ao seu preço de reserva, pois somente participará da disputa aberta caso ele esteja dentre os classificados e como ele não detém a informação dos demais licitantes, acabará dando seu melhor preço.Participarão da fase aberta de disputa apenas os licitantes classificados, ou seja, haverá um número limitado de concorrentes.  

Caberá à equipe de planejamento a escolha do modo de disputa que melhor se adeque à estratégia de ampliação da competitividade e redução da assimetria de informação entre a Administração e os licitantes.

4.1 COMO REALIZAR UMA ESCOLHA ACERTADA DO MODO DE DISPUTA

A primeira premissa que a equipe de planejamento da contratação pública deve levar em consideração é de que a escolha do modo de disputa não é isolada. Dentro dessa perspectiva, cabe uma análise integrada das diversas tomadas de decisões realizadas para instrução processual, elaboração do Edital e envio da licitação para fase de seleção do fornecedor.

A combinação dessas decisões é que irá propiciar a segurança de uma boa escolha para o modo de disputa. Destacamos neste artigo, no quadro acima, os pontos positivos e negativos dos tipos de modos de disputa que podem ser utilizados nas licitações.

Cientes desses pontos fortes e fracos, precisamos pensar em como potencializar os pontos positivos do modo de disputa escolhido. Para tanto, é preciso refletir quanto aos impactos dessa escolha em associação com outras decisões fundamentais do processo, quais sejam: a modalidade da licitação, que é definida em conformidade com o objeto que será licitado, o critério de julgamento da proposta, a opção de sigilo do orçamento estimado (valor máximo que administração poderá dispender para aquela aquisição), a opção pela exigência de garantia de proposta e a opção do percentual ou do valor monetário mínimo de redução de lances do certame.

São, portanto, essas cinco variáveis que devem ser avaliadas em conjunto com a definição do modo de disputa da licitação. Vejamos, a seguir, como cada variável impacta no processo e, principalmente, na definição do modo de disputa.

4.1.1 A MODALIDADE DA LICITAÇÃO E O MODO DE DISPUTA

A NLLCA trouxe uma novidade quanto a definição da modalidade de licitação. Na normativa de licitações e contratos anterior, a Lei nº 8.666/93, a definição da modalidade de licitação ocorria em virtude do valor estimado do objeto que seria licitado, tal regra, propiciava, em alguns casos, mais precisamente naqueles em que o valor estimado permitia a possibilidade de escolha da modalidade para realização do certame licitatório, um relativo grau de discricionariedade para definição da modalidade que seria utilizada.

Agora, na Lei nº 14.133/21, a modalidade de licitação, em regra, é definida em função da especificidade do objeto que será licitado. Não se trata, portanto, de uma escolha da equipe de planejamento da contratação, mas sim, de uma definição explícita a partir do objeto pretendido. Definido o objeto no Termo de Referência temos automaticamente definida a modalidade de licitação.

Após a definição da modalidade licitatória temos um segundo passo: definir, dentro daquela modalidade, qual o melhor critério de julgamento das propostas que serão ofertadas para o objeto que será licitado.

Nessa etapa, a equipe de planejamento possui, em determinados casos, um relativo grau de discricionariedade na escolha do critério de julgamento. De toda sorte, o fato é que, a partir deste ponto, temos que pensar de maneira integrada as decisões que serão tomadas no processo, pois elas são correlatas e de impacto, muitas vezes, interdependentes.

A primeira consideração, para definição do critério de julgamento, deve ser feita em observação ao objeto que será alvo da disputa de propostas, objetivando que o critério de julgamento tenha coerência com o que se deseja contratar. Após assegurar essa coerência, o critério de julgamento escolhido deverá, também, propiciar e assegurar a justa competição prevista no inciso II do Art. 11 da Lei nº 14.133/21.

Por fim, após essas duas considerações fundamentais, é preciso ter a clareza de  que, em virtude das vedações legais, o critério de julgamento irá impactar diretamente nas possibilidades de modos de disputa que poderão, ou não, ser utilizados no certame em questão.

4.1.2 VEDAÇÕES DE UTILIZAÇÃO DE MODOS DE DISPUTA EM FUNÇÃO DO CRITÉRIO DE JULGAMENTO DA PROPOSTA

Inicialmente cabe destacar que qualquer engessamento determinado pelo Legislador, quanto a melhor estratégia a ser utilizada no certame, poderá ser prejudicial à solução de alguns dilemas que geralmente o gestor encontra na prática, pois os desafios na Administração são dinâmicos e os problemas sempre se atualizam. Nesse sentido, quanto mais ferramentas, endógenas na Lei, disponíveis,  melhor será para o agente desenhar a melhor solução no Estudo Técnico Preliminar.

Contudo, a  NLLCA estabelece algumas vedações quanto à utilização dos modos de disputa. Dentre elas, destacam-se a proibição de utilizar o modo fechado nas licitações cujo critério de julgamento seja o menor preço ou maior desconto, e ainda é vedada a utilização do modo de disputa aberto para as licitações cujo critério de julgamento seja técnica e preço.

Nesse sentido, Oliveira (2021, p. 03), “o art. 56, § 1º, da nova Lei de Licitações veda a utilização isolada do modo de disputa fechado quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto.

Nesses casos, ou se adota a disputa exclusivamente aberta, ou a combinação dos modos fechado e aberto. A ideia é aumentar a oportunidade de os licitantes melhorarem suas propostas, por meio dos lances, permitindo à Administração conseguir um menor preço ou maior desconto do que conseguiria com o uso apenas da disputa fechada”[11].

Ainda para Oliveira, a lei não autoriza o emprego do modo de disputa aberto quando utilizado o critério de julgamento de técnica e preço (art. 56, § 2º). Tal critério considera a maior pontuação obtida a partir da ponderação, segundo fatores objetivos do edital, das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta, devendo ser avaliadas e ponderadas, inicialmente, as propostas técnicas e, em seguida, as propostas de preço, na proporção máxima de 70% de valoração para a proposta técnica (art. 36).[12]

Como o critério de técnica e preço envolve o emprego de fórmula predeterminada, com valoração da proposta técnica e conversão das propostas de preços em notas, o legislador achou por bem, neste caso, não permitir a oferta de lances sobre as propostas de preços, o que poderia gerar dúvidas na aplicação final da fórmula. Por isso, embora não esteja claro na lei, parece-nos que a disputa aberta está vedada para esse critério de julgamento tanto de forma isolada, como de forma combinada com a disputa fechada, restando apenas a possibilidade do modo de disputa exclusivamente fechado. A propósito, pela mesma razão, embora não proibido expressamente pela lei, visualizamos como de difícil aplicação o emprego da disputa aberta com o critério de melhor técnica ou conteúdo artístico, o qual considera exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes (art. 35), cuja natureza não parece se coadunar com o oferecimento de lances.[13]

Ousamos reiterar que as vedações supracitadas podem limitar o gestor na solução de problemas inéditos e além disso, mitiga um dos objetivos do processo licitatório que é a inovação, conforme inciso IV do art. 11 da Lei 14.133/2021. nesse sentido, cabe mencionar a Lei nº 14.770 de 22 de dezembro de 2023 que tinha por objetivo prever a utilização do modo de disputa fechado nas licitações de obras e serviços, porém tal possibilidade foi objeto de veto pelo Presidente.

Em suma, os modos de disputa estabelecidos na NLLCA representam uma importante evolução no processo de contratação pública, proporcionando flexibilização e adaptabilidade às necessidades do órgão. A possibilidade de combinação entre os diferentes modos permite que a administração pública escolha a abordagem mais adequada para cada caso, buscando sempre a eficiência e a transparência nos processos licitatórios.

Todavia, a própria legislação limitou a opção do modo de disputa em virtude de uma escolha primária: o critério de julgamento. Assim, reforçamos que as opções devem ser pensadas em sua integralidade pois são, neste caso, interdependentes.

Após a definição do critério de julgamento, a equipe de planejamento da contratação deverá tomar mais duas decisões que impactarão diretamente na potencialização, ou não, dos pontos positivos do modo de disputa que será utilizado. São elas: o sigilo ou não do valor estimado da contratação e o intervalo mínimo do valor dos lances durante a disputa.

4.1.3 O SIGILO DO VALOR ESTIMADO E O VALOR DA REDUÇÃO DE LANCES, ALIADOS A ESCOLHA DO MODO DE DISPUTA, COMO INSTRUMENTOS DE POTENCIALIZAÇÃO DA COMPETITIVIDADE

Na NLLCA a publicidade e a transparência são princípios positivados no art. 5 da normativa legal. Dessa forma, eles nortearão a aplicação e a interpretação dos dispositivos constantes no normativo supramencionado. Com isso, ao tratarmos do sigilo do valor estimado da contratação devemos aplicá-lo de forma excepcional.  Não restam dúvidas de que o sigilo é a exceção e ao tratar-se do valor estimado da contratação não é diferente.

Todavia, em alguns casos, o sigilo permitirá potencializar a competitividade e, aliado ao modo de disputa adequado, poderá propiciar maior economicidade para a Administração.

Quanto ao valor mínimo de redução de lances, podemos aferir que é a definição desse valor que determinará a quantidade de lances que poderemos ter no certame. Portanto, quanto menor o valor mínimo de redução, maior será a quantidade de lances possíveis para a disputa. Observa-se que é de atribuição da equipe de planejamento da contratação ponderar qual o Ótimo de Pareto neste caso.

Em um caso concreto, podemos pensar que uma licitação na modalidade pregão, com critério de julgamento menor preço, valor estimado sigiloso, com valor de redução de lances mínimos baixo e que contenha de maneira combinada o modo de disputa aberto e fechado poderá potencializar a competitividade e levar os licitantes ao limite do seu preço, otimizando a economicidade. Entretanto, essa combinação poderá levar a uma proposta inexequível.

A fim de evitar essa externalidade negativa, proposta inexequível, propiciada pela combinação acima descrita, temos que pensar em outra decisão fundamental da equipe de planejamento da contratação em questão, qual seja: exigir ou não garantia de proposta.

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4.1.4 A GARANTIA DA PROPOSTA ASSOCIADA AO MODO DE DISPUTA COMO INSTRUMENTO DE EFICIÊNCIA

Sabe-se que com as licitações no formato eletrônico, como ponto positivo, há um aumento da competitividade, pois há considerável diminuição dos custos transacionais. Contudo, como ponto negativo cresce o número de aventureiros em decorrência da facilidade de acesso ao certame.

 Observa-se que esses licitantes irresponsáveis podem destruir qualquer planejamento que, a partir da escolha de uma estratégia para a seleção do fornecedor acertada, não pode controlar a apresentação dos valores pelos licitantes. Nesse ambiente, de forma excepcional e desde que haja vantajosidade para a Administração, pode-se optar pela exigência da garantia da proposta à luz do art.58 da Lei nº 14.133/2021.

 Vale destacar ainda que o instituto supramencionado tem por objetivo dar segurança a Administração quanto a não desistência do licitante frente aos valores oferecidos por ele no certame. Tal garantia poderá ter como desdobramentos licitações que não sejam fracassadas e propostas válidas mais vantajosas à Administração.

Observa-se que o valor da garantia da proposta não poderá ser maior de 1% ( um por cento ) do valor estimado para a contratação e que sua utilização deverá ser balizada em situações excepcionais, evidenciadas, na maioria das vezes, pela complexidade do objeto e para que haja vantajosidade à Administração, pois esse instituto do art. 58 da NLLC poderá, como externalidade negativa, restringir a competitividade, uma vez que se aumenta o custo de participação no certame, a partir do momento em que o licitante deverá, em virtude da previsão em edital e justificativa construída no estudo técnico preliminar daquela contratação, apresentar a garantia da proposta como condição de pré-qualificação.

Assim, a utilização da garantia da proposta associada às demais decisões da equipe de planejamento, dentre elas a escolha do modo de disputa mais adequado a pretensão contratual envolvida, servirá, em alguns casos, como um importante artifício a Administração Pública na redução da assimetria de informação, tirando da obscuridade o preço de reserva do licitante e ampliando a justa competição com propostas, de fato, exequíveis.

  • CONCLUSÃO

No contexto das licitações públicas, a análise da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA) deve transcender a mera análise fragmentada de seus dispositivos. É imperativo compreendê-la como um corpo normativo coeso, cuja integralidade confere maior robustez argumentativa e embasamento para decisões concernentes à sua aplicação. Nesse sentido, propõe-se, neste artigo, uma abordagem que considere a NLLCA como um todo, destacando a relevância dessa premissa na escolha dos modos de disputa das licitações públicas.

A análise integral da NLLCA implica, portanto, em examinar não apenas seus dispositivos específicos, mas também suas inter-relações e complementaridades. Por conseguinte, é possível identificar as diretrizes que orientam a escolha dos modos de disputa mais adequados a cada situação concreta.

Dito isso, como vimos neste artigo, a escolha dos modos de disputa das licitações públicas caracteriza-se como um procedimento metódico e consiste numa etapa crucial do processo, pois essa escolha impacta diretamente na eficiência, na transparência, na isonomia e na economicidade da contratação administrativa.

JAMIL MANASFI[1]

JORGE CRISPIM[2]

QUEILA ISRAEL[3]

RAFAEL BISCARO[4]

  • REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei de nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF, 1º abr. 2021. Divulgado em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acessado no dia 06/04/2024.

OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. Modos de Disputa na Nova Lei de Licitações. Publicado em 21 de julho de 2021. https://www.migalhas.com.br/depeso/348828/modos-de-disputa-na-nova-lei-de-licitacoes.

BRASIL. Instrução Normativa Seges/Me Nº 73, De 30 De Setembro De 2022 (Comentada) Dispõe Sobre A Licitação Pelo Critério De Julgamento Por Menor Preço Ou Maior Desconto, Na Forma Eletrônica, Para A Contratação De Bens, Serviços E Obras, No Âmbito Da Administração Pública Federal Direta, Autárquica E Fundacional. Divulgada em https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-73-de-30-de-setembro-de-2022. Acessada em 06 de abril de 2024.

CORRÊA, Rogério. et al. Licitações, Contratos Administrativos, Lei 14.133/21 – Licitações – Normas Correlatas. 27. ed. Curitiba: Editora Negócios Públicos do Brasil. 2022.

Acesso em 06 de abril de 2024.


[1] JAMIL MANASFI DA CRUZ, Bacharel em Direito e Administração Pública; MBA em Licitações e Contratos; MBA em Gestão Pública; Especialista em Metodologia do Ensino Superior; Pós-Graduação Faculdade Baiana de Direito; Pós-Graduação Gran Cursos; Pós-Graduação NAVIGARI-MA; Pós-Graduação UNYPÚBLICA e Centro Universitário São Lucas-RO; Autor do Livro “Regulamentação Municipal Lei nº 14.133/21”, artigos e e-books jurídicos sobre licitações, contratos administrativos; Professor Grupo Negócios Públicos – NP, Pregoeiro Oficial do CRA-RO; Palestrante e instrutor na área de licitações e contratos, planejamento das contratações e formação de pregoeiros.

[2] JORGE CRISPIM PIMENTA Graduado em Direito. Especialista em Licitações e Contratos. Especialista em Direito Público. Agente de Contratação e Pregoeiro em Órgão Público Federal. Conteudista e Articulista. Administrador do perfil @licitabrasill no Instagram.

[3] QUEILA ISRAEL DA SILVA Administradora. Pregoeira e Gestora de Atos e Normas Licitatórias do IPAM. Graduanda em Direito pela Faculdade Metropolitana. Pós-Graduando em MBA Licitações e Contratos: Governança e Gestão em Contratações e Aquisições Públicas. Atuando como Palestrante e Consultora na área licitatória e contratos administrativos.

[4] RAFAEL HENRIQUE BISCARO Gestor de Políticas Públicas.Especialista em Licitações e Contratos. Especialista em Gestão da Administração Pública. Agente de Contratação e Pregoeiro na Universidade de São Paulo. Professor e Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos.

[5] JACOBY FERNANDES. et, al. Tratado de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14133-21. Arts. 1º ao 52º. Belo Horizonte: Fórum, 2024.

[6] BRASIL. Lei de nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF, 1º abr. 2021. Divulgado em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acessado no dia 06/04/2024.

[7]Oliveira, Luciano Henrique da Silva. Modos de Disputa na Nova Lei de Licitações. Publicado em link:https://www.migalhas.com.br/depeso/348828/modos-de-disputa-na-nova-lei-de-licitacoes. Acesso em 06 de abril de 2024.

[8] Ibidem.

[9] CORRÊA, Rogério. et al. Licitações, Contratos Administrativos, Lei 14.133/21 – Licitações – Normas Correlatas. 27. ed. Curitiba: Editora Negócios Públicos do Brasil. 2022.

[10] BRASIL. Lei de nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF, 1º abr. 2021. Divulgado em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acessado no dia 06/04/2024.

[11] Oliveira, Luciano Henrique da Silva. Modos de Disputa na Nova Lei de Licitações. Publicado em link:https://www.migalhas.com.br/depeso/348828/modos-de-disputa-na-nova-lei-de-licitacoes. Acesso em 06 de abril de 2024.

[12] Ibidem.

[13] Ibidem.

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