A Pesquisa de Preços na Renovação de Contratos de Natureza Contínua: Uma Análise Comparativa entre o Setor Público e as Entidades do Sistema S.

Resumo: Este artigo realiza uma análise comparativa dos processos de pesquisa de preços para a renovação de contratos de serviços de natureza contínua, contrastando a Administração Pública, regida estritamente pela Lei nº 14.133/2021, com as entidades dos Serviços Sociais Autônomos (Sistema S). Enquanto o setor público segue procedimentos formais e detalhados para comprovar a vantajosidade econômica, o Sistema S opera sob regulamentos próprios que, embora pautados por princípios de direito público, permitem maior flexibilidade gerencial. O estudo mapeia os regimes jurídicos, as metodologias aplicadas e os desafios enfrentados em ambas as esferas. A análise comparativa busca identificar as implicações dessa distinção regulatória em termos de agilidade, eficiência e segurança jurídica, culminando na proposição de diretrizes que possam contribuir para o aprimoramento das práticas em ambos os modelos.

Palavras-chave: Pesquisa de Preços, Renovação Contratual, Serviços Contínuos, Lei nº 14.133/2021, Sistema S, Vantajosidade Econômica, Regulamento Próprio.

1. Introdução

Os contratos de serviços de natureza contínua representam um pilar para a continuidade operacional de organizações públicas e privadas no Brasil. Atividades essenciais ao funcionamento ininterrupto de qualquer entidade, como limpeza, vigilância, manutenção predial e suporte de tecnologia da informação, são, em sua maioria, sustentadas por meio desses instrumentos contratuais. A gestão eficaz desses contratos é, portanto, um fator crítico de sucesso administrativo, garantindo não apenas a fluidez das rotinas diárias, mas também a otimização dos recursos despendidos.

Nesse contexto, o momento da renovação contratual emerge como uma etapa de alta relevância estratégica e decisória. Longe de ser um ato automático, a prorrogação de um contrato de serviço contínuo exige uma análise criteriosa de sua vantajosidade econômica para a contratante. O elemento central para essa aferição é uma robusta e bem fundamentada pesquisa de preços, procedimento que visa assegurar que os valores pactuados permanecem condizentes com a realidade do mercado, evitando sobrepreços e garantindo a alocação eficiente de verbas, sejam elas públicas ou paraestatais.

É no método de condução dessa pesquisa de preços que se revela uma interessante bifurcação no cenário brasileiro. De um lado, encontra-se a Administração Pública direta e indireta, vinculada a um regime de direito público estrito e submetida integralmente ao rigor formal da Lei nº 14.133/2021 e a normativos detalhados, como a Instrução Normativa SEGES/ME nº 65/2021. Este modelo prioriza a transparência, a isonomia e a padronização, muitas vezes ao custo de uma maior burocracia. De outro lado, figuram as entidades dos Serviços Sociais Autônomos, o chamado “Sistema S”. Embora manejem recursos de natureza pública, sua personalidade jurídica de direito privado lhes confere o direito de operar sob regulamentos próprios, que, apesar de vinculados aos princípios constitucionais da Administração Pública, permitem maior flexibilidade e gerencialismo.

Diante dessa distinção de regimes, emerge o problema central desta pesquisa: Quais são as semelhanças, diferenças e as respectivas implicações em termos de eficiência, agilidade e economicidade, entre os processos de pesquisa de preços para renovação de contratos contínuos adotados pela Administração Pública e pelas entidades do Sistema S?

Para responder a esta questão, o presente artigo estabelece os seguintes objetivos:

  1. Descrever o arcabouço normativo e as metodologias de pesquisa de preços aplicáveis à Administração Pública na renovação de contratos contínuos.
  2. Analisar os regulamentos de licitações e contratos das entidades do Sistema S e suas práticas correspondentes.
  3. Realizar uma análise comparativa dos procedimentos, metodologias e critérios de vantajosidade entre os dois modelos.
  4. Discutir as vantagens e desvantagens de cada abordagem em termos de segurança jurídica, agilidade processual e potencial de negociação.

A justificativa para este estudo reside na sua dupla relevância. Na prática, oferece um referencial analítico para gestores de ambos os setores, auxiliando na condução de processos de renovação mais seguros e eficientes. No campo teórico, a pesquisa contribui para preencher uma lacuna na literatura ao contrastar dois modelos de gestão de recursos públicos que coexistem no Brasil, fomentando o debate sobre o equilíbrio ideal entre o controle formal e a flexibilidade gerencial, tema recorrente nas deliberações do Tribunal de Contas da União (TCU).

Para alcançar os objetivos propostos, este artigo está estruturado em seções que abordam, primeiramente, o referencial teórico que fundamenta os contratos contínuos e os regimes jurídicos em análise. Posteriormente, desenvolve-se a análise comparativa, que constitui o cerne do trabalho, para, ao final, apresentar as conclusões e implicações dos achados.

2. Referencial Teórico

A análise comparativa da pesquisa de preços na renovação contratual exige, primeiramente, a compreensão dos regimes jurídicos e dos conceitos que norteiam as práticas da Administração Pública e do Sistema S. Esta seção detalha o arcabouço normativo e as interpretações doutrinárias que fundamentam o estudo.

2.1. A Natureza e a Renovação dos Contratos de Serviço Contínuo

Os contratos de serviços e fornecimentos contínuos são aqueles que visam a atender necessidades permanentes da Administração. Conforme a Lei nº 14.133 de 2021, a gestão desses contratos é pautada por uma visão plurianual. O Art. 106 da referida lei permite que a Administração celebre contratos com prazo de até 5 (cinco) anos, desde que a autoridade competente ateste a maior vantagem econômica dessa abordagem de longo prazo.

A prorrogação desses contratos é o mecanismo que garante a continuidade sem a necessidade de novos e custosos processos licitatórios anuais. O Art. 107 da mesma lei estabelece que as prorrogações podem ser sucessivas, respeitando uma vigência máxima de 10 (dez) anos. Contudo, essa prorrogação não é um direito absoluto, sendo condicionada a dois fatores essenciais: a previsão em edital e, crucialmente, a comprovação de que “as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração”. É neste ponto que a pesquisa de preços se torna o procedimento-chave, sendo o instrumento formal para atestar essa vantajosidade. A parte final do Art. 107 ainda abre a possibilidade de negociação com o contratado, o que, segundo a doutrina de Gustavo Ramos da Silva Quint[1], deve ser interpretado como um “poder-dever” do gestor de buscar ativamente condições mais favoráveis aos cofres públicos.

2.2. A Pesquisa de Preços na Administração Pública: O Rito da IN 65/2021

A Instrução Normativa (IN) SEGES/ME Nº 65, de 7 de julho de 2021, foi editada para regulamentar o procedimento de pesquisa de preços no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, em linha com o disposto no § 1º do art. 23 da Lei nº 14.133/20211. Ela estabelece um rito formal e detalhado para a determinação do preço estimado de uma contratação, visando a evitar o sobrepreço, definido como um valor contratado expressivamente superior aos referenciais de mercado2.

O processo deve ser materializado em um documento formal que contenha, no mínimo, a descrição do objeto, a identificação dos responsáveis pela pesquisa, as fontes consultadas, a memória de cálculo do valor estimado e as justificativas para a metodologia utilizada[2].

O Art. 5º da IN 65/2021 é o cerne da metodologia, ao listar os parâmetros a serem utilizados, de forma combinada ou não, para a pesquisa[3]:

  • I – Preços em sistemas oficiais de governo, como o Painel de Preços5;
  • II – Contratações similares feitas por outros órgãos públicos, no último ano6;
  • III – Dados de pesquisa publicada em mídia especializada ou de domínio amplo7;
  • IV – Pesquisa direta com, no mínimo, 3 (três) fornecedores88;
  • V – Pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas9.

A norma estabelece uma ordem de prioridade, indicando que os parâmetros dos incisos I e II (preços públicos) devem ser preferenciais. Para o cálculo do preço estimado, o Art. 6º admite o uso da média, da mediana ou do menor valor, desde que o cálculo incida sobre um conjunto de três ou mais preços, desconsiderando-se valores inexequíveis ou excessivamente elevados. A norma permite, excepcionalmente, a determinação de preço com base em menos de três cotações, desde que devidamente justificado nos autos.

2.3. O Regime de Contratos do Sistema S: O Princípio da Vantajosidade

Diferentemente da Administração Pública, as entidades do Sistema S operam sob um regime jurídico de direito privado, embora gerenciem recursos de natureza pública e devam obediência aos princípios constitucionais do Art. 37. Essa natureza híbrida lhes permite adotar Regulamentos de Licitações e Contratos próprios.

Conforme o exemplo de regulamento apresentado, o Art. 33 estabelece que os contratos podem ter prazo máximo de 10 (dez) anos, incluindo prorrogações, com uma condição central: “que as condições permaneçam vantajosas”. A principal distinção reside na ausência de uma norma infralegal, como a IN 65/2021, que detalhe o procedimento para a aferição dessa vantagem. A norma do Sistema S é principiológica; ela define o objetivo (“condições vantajosas”), mas confere ao gestor a discricionariedade para definir o método de comprovação, abrindo maior espaço para a negociação e para uma análise de valor que pode transcender a simples comparação de preços.

2.4. A Vantajosidade em Debate: Doutrina e Jurisprudência

A necessidade e a forma da pesquisa de preços para renovação não são um tema pacífico. Gabriela Verona Pércio[4], por exemplo, defende que, se um contrato plurianual se mostra eficiente e eficaz, a economicidade estaria “presumida”, não sendo razoável comparar os preços de um contrato de longo prazo com cotações de contratações de prazo menor.

Essa tensão é refletida na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU). O Acórdão 1214/2013-Plenário sugeriu que a demonstração de vantajosidade poderia ocorrer sem pesquisa de mercado, caso o contrato já previsse cláusulas de reajuste e limites de preço bem definidos. Em uma linha oposta e mais recente, o Acórdão 1464/2019-Plenário firmou o entendimento de que a demonstração de vantagem “deve ser realizada mediante ampla pesquisa de preços”, priorizando fontes públicas e utilizando a pesquisa com fornecedores apenas de forma subsidiária, uma visão que se alinha perfeitamente ao que viria a ser normatizado pela IN 65/2021.

3. Análise e Discussão Comparativa

A análise dos referenciais teóricos expõe dois modelos fundamentalmente distintos para assegurar a vantajosidade na renovação de contratos contínuos: um modelo procedural na Administração Pública e um modelo gerencial no Sistema S.

3.1. O Processo na Administração Pública: O Modelo Procedural

Na Administração Pública, a comprovação da vantagem econômica é um processo altamente estruturado e formal. A IN 65/2021 não deixa margem para subjetividade, exigindo que o gestor siga um roteiro claro: priorizar fontes de dados públicos, coletar um número mínimo de cotações, documentar cada passo e justificar formalmente qualquer desvio da rota padrão.

Este modelo oferece alta segurança jurídica e transparência. O gestor possui um caminho claro a seguir, e o processo de verificação é facilmente auditável pelo controle externo. A pesquisa de preços, aqui, é um ato de verificação: o objetivo é constatar se o preço do contrato vigente ainda é compatível com o preço de mercado, conforme apurado pelas fontes elencadas na norma. A negociação, embora prevista como um “poder-dever”, torna-se um ato secundário, realizado após a constatação da vantajosidade ou como forma de adequar o preço a um novo patamar de mercado já pesquisado.

3.2. O Processo no Sistema S: O Modelo Gerencial

No Sistema S, o regulamento impõe o objetivo final – “condições vantajosas” – mas não prescreve o caminho. Essa ausência de um rito formal empodera o gestor, mas também lhe confere maior responsabilidade. O foco se desloca da verificação de preços para a obtenção de valor. A pesquisa de preços pode ser apenas o ponto de partida para um processo de negociação mais robusto e central.

Este modelo gerencial permite maior agilidade e flexibilidade. O gestor pode, por exemplo, dar mais peso à performance histórica do fornecedor, à sua confiabilidade e à estabilidade da operação, fatores que a simples comparação de preços da IN 65/2021 não captura. A negociação não é um apêndice do processo, mas seu elemento central. O desafio, contudo, é a necessidade de criar um dossiê robusto que justifique a decisão, tornando o processo defensável perante os órgãos de controle, que ainda exigirão a comprovação da economicidade.

A tensão ilustrada pelos acórdãos conflitantes do TCU (1214/2013 vs. 1464/2019) demonstra que a própria noção de “vantajosidade” está em disputa. O modelo da Administração Pública, alinhado ao acórdão mais recente, privilegia a segurança da pesquisa de mercado ampla. O modelo do Sistema S, por sua vez, opera em uma lógica mais próxima à visão de Gabriela Pércio e do acórdão mais antigo, onde a análise da vantajosidade pode ser mais ampla e contextual.

5. Conclusão

A análise comparativa revela que a pesquisa de preços para a renovação de contratos contínuos transita entre dois paradigmas no Brasil: o paradigma procedural da Administração Pública e o paradigma gerencial do Sistema S. O primeiro busca a segurança jurídica através de um rito estrito e padronizado de verificação de preços, enquanto o segundo busca a eficiência através da flexibilidade e da negociação para obtenção de valor.

Nenhum modelo é inerentemente superior; ambos apresentam virtudes e desafios. A rigidez do setor público, ao mesmo tempo que protege o gestor e garante transparência, pode engessar a administração e impedir negociações mais vantajosas. A flexibilidade do Sistema S, por outro lado, embora promova agilidade e uma gestão focada em resultados, aumenta a responsabilidade do gestor e exige um grau de maturidade e documentação contratual elevado para mitigar riscos perante os órgãos de controle.

Como contribuição, este artigo sugere que ambos os sistemas podem aprender um com o outro. A Administração Pública poderia incorporar mecanismos de negociação mais estruturados e valorizar a análise de performance do contratado como parte da aferição de “vantajosidade”, para além da simples checagem de preços. Já o Sistema S poderia se beneficiar da adoção de diretrizes mínimas para a pesquisa de mercado, como a consulta obrigatória a painéis de preços oficiais, garantindo um patamar mínimo de transparência e objetividade em suas decisões.

Para futuras pesquisas, sugere-se a realização de estudos empíricos que comparem os resultados financeiros de renovações para serviços idênticos em ambos os sistemas, bem como uma análise aprofundada da jurisprudência do TCU para mapear como as decisões de gestores do Sistema S têm sido avaliadas na prática.

Referências

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União: seção 1,1 Brasília, DF, 1 abr. 2021.

BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria de Gestão. Instrução Normativa SEGES/ME nº 65, de 7 de julho de 2021. Dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 8 jul. 2021.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1214/2013 – Plenário. Processo TC nº 006.156/2011-8. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Sessão de 22 de maio de 2013. Informativo de Licitações e Contratos, n. 153, 2013.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1464/2019 – Plenário. Auditoria. Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues. Boletim de Jurisprudência, n. 271, 2019.

PÉRCIO, Gabriela Verona. Contratos Administrativos: Manual para Gestores e Fiscais de Acordo com a Lei nº. 14.133/21, 4ª ed. Fórum:2024.

QUINT, Gustavo Ramos da Silva. Duração dos Contratos. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (Org.). Nova Lei de Licitações e Contratos. Curitiba: Zenite, 2021. p. 180-188 E-book. Disponível em: https://zenite.com.br/livros/nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-administrativos/Acesso em: 15 jun 2025.

REGULAMENTOS DE CONTRATAÇÕES DO SISTEMA S. Pinhais: JML, 2024. 


[1] QUINT, 2021, p. 185.

[2] BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria de Gestão. Instrução Normativa SEGES/ME nº 65, de 7 de julho de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-me-no-65-de-7-de-julho-de-2021. Acesso em 15 jun 25

[3] Idem

[4] PÉRCIO, Gabriela Verona. Contratos Administrativos: Manual para Gestores e Fiscais de Acordo com a Lei nº. 14.133/21, 4ª ed. Fórum:2024, p. 117 e 123.

Roberta Luanda Ambrósio

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