Temos visto em muitos regulamentos de licitações e contratos de empresas públicas e sociedades de economia mista a repetição de requisitos de habilitação segundo o rol previsto nos artigos 27 e seguintes da Lei nº 8.666/93, exigindo-se, por exemplo, nas licitações de entidades estatais documentos comprobatórios de regularidade fiscal e trabalhista.
Ocorre que, conforme já destacamos em posts anteriores aqui no Blog JML, a Lei 13.303/2016 estipulou um regime jurídico próprio e bem diferenciado em relação ao da Lei 8.666, não prevendo os mesmos requisitos de habilitação exigidos pela Lei Geral de Licitações. E isso não decorre de omissão legislativa, mas sim demonstra o claro intuito da lei de “não utilizar as licitações das estatais como instrumento de política fiscal e trabalhista, em detrimento da busca de propostas mais vantajosas economicamente para as empresas”.[1]
Não cabe mais, assim, às entidades estatais exigirem requisitos de habilitação previstos na Lei 8.666, posto não ser mais essa a lei de regência de seus processos de contratações, sendo possível apenas exigir o que consta em seus próprios regulamentos, os quais, por sua vez, devem respeitar os limites traçados na Lei 13.303, o que significa que nada além do permitido nesta Lei deve ser exigido pelas estatais, por força do princípio da legalidade.
Observe-se que o caput do art. 58 da Lei prescreve que “a habilitação será apreciada exclusivamente a partir dos seguintes parâmetros…”. Inviável, portanto, que os regulamentos editados pelas estatais ampliem o rol de documentos de habilitação fixados pela Lei, exigindo, por exemplo, regularidade fiscal e trabalhista.
O que pode ser exigido, apesar do silêncio da Lei, é a regularidade perante a Seguridade Social e o FGTS, em razão do que prevê a Constituição Federal e a Lei nº 9.012/1995, respectivamente:
CF/88: “Art. 195. (…) § 3º A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Lei nº 9.012/1995
“Proíbe as instituições oficiais de crédito de conceder empréstimos, financiamentos e outros benefícios a pessoas jurídicas em débito com o FGTS.
(…) Art. 2º As pessoas jurídicas em débito com o FGTS não poderão celebrar contratos de prestação de serviços ou realizar transação comercial de compra e venda com qualquer órgão da administração direta, indireta, autárquica e fundacional, bem como participar de concorrência pública.”
Nesse sentido, corrobora o apontamento de Marçal Justen Filho:
“4.10) Alteração da disciplina da habilitação (art. 58): foi eliminada a previsão de requisitos de regularidade fiscal (ressalvada a regularidade com a seguridade social, exigida constitucionalmente), trabalhista e contratação de menores. O art. 58 alude basicamente à qualificação técnica e à capacidade econômico-financeira. Todas as complexas regras sobre habilitação previstas na Lei 8.666 foram eliminadas, remetendo-se a disciplina da questão ao Regulamento de Contratações e ao edital.”[2] (grifou-se)
Logo, dentro deste regime menos rigoroso para a habilitação dos licitantes estipulado na Lei 13.303, podem as estatais exigir comprovante de regularidade perante a Seguridade Social e FGTS, bem como outros requisitos previstos em seus regulamentos próprios, desde que pertinentes e compatíveis com o objeto da licitação[3] e sempre com respeito ao próprio limite traçado no art. 58 da Lei.