PAGAMENTO ANTECIPADO: REQUISITOS

Consoante preceituam as leis federais que traçam regras gerais de contratações públicas (Lei nº 8.666/93[1]) e uso dos recursos públicos (Lei n° 4.320/64[2]), tem-se que uma vez formalizada a contratação, seja esta precedida por processo licitatório ou não, a rigor, o pagamento pela execução do objeto somente pode ocorrer após a regular liquidação da despesa, que por sua vez depende de documento que comprove a entrega do bem ou a prestação do serviço.

Ou seja, como regra, veda-se o pagamento antecipado, o qual é admitido apenas em situações excepcionais, em face de regras de mercado que exijam a antecipação de pagamento como condição para celebração do contrato, como ocorre, por exemplo, com a assinatura de periódicos, de consultorias, reserva de hotéis, dentre outros.

Hely Lopes Meirelles, ainda, traz o seguinte exemplo para esclarecer a questão:

“Mas tal adiantamento é justificável na execução de obras ou serviços que exigem equipamentos especiais de alto custo, a serem adquiridos pela empresa contratante para o início dos trabalhos, bem como naqueles empreendimentos ou fabricações que impõem grandes inversões financeiras iniciais. Esse sinal ou princípio de pagamento é corrente nos ajustes particulares e nada impede que seja adotado nos contratos administrativos, que, tanto quanto possível, devem aproximar-se das praxes do setor privado, para interessar as empresas nos negócios públicos. (…) O que a Administração pode exigir, por cautela, é fiança bancária, até o recebimento do objeto do contrato”.[3] (grifou-se)

Destarte, não é qualquer objeto que comporta a previsão de pagamento antecipado, já que tal medida, como visto, trata-se de exceção à regra, e, portanto, deve ser utilizada com cautela e apenas quando restar comprovado no caso concreto que o mercado em geral impõe esse requisito como condição para viabilizar a contratação.

Nesses casos, o próprio edital dalicitaçãoou o processo da contratação diretadeverá contemplar a possibilidade, estabelecendo, em contrapartida, garantias para o adimplemento da obrigação por parte do contratado.

Segundo o TCU “são requisitos para a realização de pagamentos antecipados: i) previsão no ato convocatório; ii) existência, no processo licitatório, de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida; e iii) estabelecimento de garantias específicas e suficientes que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação.” (Acórdão 2856/2019. Primeira Câmara)

A possibilidade de se prever o pagamento antecipado, portanto, se restringe a situações excepcionais, em que se exigem estudos que demonstrem a necessidade e economicidade da medida, que se impõe em face de práticas de mercado e desde que se estabeleçam, ainda no edital da licitação/termo da contratação direta e respectivo contrato, garantiaspara evitar eventuais prejuízos decorrentes de inadimplemento do contratoou, diante da impossibilidade, medidas acauteladoras que preservem os interesses da Entidade.

As garantias são aquelas previstas no art. 56 da Lei 8.666. Já as medidas acauteladoras são utilizadas quando restar comprovada a inviabilidade de se exigir garantia contratual, em face das regras de mercado. Nesse caso, deverá o ente contratante tomar outras cautelas, que visem lhe resguardar de possível inexecução contratual, a exemplo da inserção de cláusula contratual de devolução pagamento que foi feito de forma antecipada e aplicação de penalidades.

Nessa linha, cita-se também a Orientação Normativa nº. 37, da Advocacia Geral da União:

“A ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO SOMENTE DEVE SER ADMITIDA EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, DEVIDAMENTE JUSTIFICADA PELA ADMINISTRAÇÃO, DEMONSTRANDOSE A EXISTÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO, OBSERVADOS OS SEGUINTES CRITÉRIOS: 1) REPRESENTE CONDIÇÃO SEM A QUAL NÃO SEJA POSSÍVEL OBTER O BEM OU ASSEGURAR A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, OU PROPICIE SENSÍVEL ECONOMIA DE RECURSOS; 2) EXISTÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL DE LICITAÇÃO OU NOS INSTRUMENTOS FORMAIS DE CONTRATAÇÃO DIRETA; E 3) ADOÇÃO DE INDISPENSÁVEIS GARANTIAS, COMO AS DO ART. 56 DA LEI Nº 8.666/93, OU CAUTELAS, COMO POR EXEMPLO A PREVISÃO DE DEVOLUÇÃO DO VALOR ANTECIPADO CASO NÃO EXECUTADO O OBJETO, A COMPROVAÇÃO DE EXECUÇÃO DE PARTE OU ETAPA DO OBJETO E A EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO PELO CONTRATADO, ENTRE OUTRAS”.

Em suma, cabe à Administração, ainda durante o planejamento da contratação, verificar as condições do mercado específico e justificar se estão presentes os requisitos exigidos para que o pagamento antecipado seja autorizado no caso concreto.


[1] “Art. 40. O edital conterá no preâmbulo (…), e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(…)
XIV – condição de pagamento, prevendo:
a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela;
(…)
§ 3º. Para efeito do disposto nesta Lei, considera-se como adimplemento da obrigação contratual a prestação do serviço, a realização da obra, a entrega do bem ou de parcela destes, bem como qualquer outro evento contratual a cuja ocorrência esteja vinculada a emissão de documento de cobrança.”
[2] “Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1°. Essa verificação tem por fim apurar:
I – a origem e o objeto do que se deve pagar;
II – a importância exata a pagar;
III – a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º. A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I – o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II – a nota de empenho;
III – os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.”
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contratos Administrativos, inJUSTEN FILHO, Marçal. Comentários, p. 253, nota de rodapé nº 162.

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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