Introdução
A Lei nº 14.133/2021, nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, introduziu mudanças significativas nas contratações públicas, reforçando a necessidade de um planejamento cuidadoso e da adoção de práticas que garantam maior transparência e eficiência nos processos licitatórios. Um dos instrumentos principais introduzidos por essa legislação é o Estudo Técnico Preliminar (ETP), que visa fornecer uma análise criteriosa e fundamentada antes da realização de contratações. Essa análise garante que os recursos sejam utilizados de forma eficiente e que as necessidades da administração pública sejam efetivamente atendidas.
Conforme definido pelo artigo 6º, inciso XX, da Lei 14.133, o ETP é o “documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução, e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação”
Vale destacar que a obrigatoriedade do ETP não é uma novidade trazida pela Lei 14.133, uma vez que o Decreto nº 10.024/2019, em seu artigo 3º, inciso IV[1], já previa esse documento. Além disso, a Instrução Normativa 40/2020 do Ministério da Economia[2] também tratava da necessidade de um estudo preliminar em processos de contratação
A Lei 14.133 exige uma reestruturação da organização dos setores de compras das entidades da Administração Pública e a implementação de mecanismos de governança em compras públicas. Ela introduziu 14 novos princípios que devem ser observados pelos gestores durante os processos de contratação, com destaque para os princípios do planejamento e da segregação de funções. A elevação do planejamento ao nível de princípio reflete a preocupação do legislador com a fase preparatória das contratações, destacando a importância do ETP como um instrumento fundamental para garantir a eficácia e a efetividade dos processos.
No contexto das entidades do Sistema S, embora não sejam obrigadas a seguir os ditames da Lei 14.133, uma vez que possuem regulamentos próprios, essas entidades devem estar atentas às boas práticas que promovem transparência e eficiência. Este artigo discute a importância do ETP nas contratações das entidades do Sistema S, fundamentado no entendimento jurisprudencial do Tribunal de Contas da União (TCU), com ênfase no Acórdão 6192/2020 – 1ª Câmara.
O Estudo Técnico Preliminar e sua Relevância na Lei 14.133/2021
O ETP é um documento que precede a elaboração do Projeto Básico ou do Termo de Referência e tem como objetivo garantir que as necessidades da contratação sejam justificadas e fundamentadas de maneira adequada. De acordo com a Lei 14.133/2021, o ETP deve incluir uma descrição detalhada da demanda, análise de viabilidade técnica, estudo de mercado, definição de possíveis soluções e avaliação dos riscos envolvidos. Isso permite à administração identificar, desde o início, as melhores alternativas para atender suas necessidades, evitando desperdícios e falhas no processo de contratação.
O propósito do Estudo Técnico Preliminar (ETP) não é introduzir burocracia desnecessária, mas sim fomentar um planejamento eficaz e bem estruturado. A própria Lei 14.133/2021 enfatiza a importância do formalismo moderado em diversos de seus dispositivos, inclusive prevendo a possibilidade da elaboração de um ETP mais simplificado, quando justificado. No entanto, é inegável que a fase preparatória é o momento crucial para demonstrar o cumprimento do princípio do planejamento. Assim, a realização de um estudo minucioso sobre a necessidade da contratação, os riscos envolvidos, os custos e outros fatores pertinentes torna-se essencial para garantir a eficácia e a eficiência das contratações no âmbito das entidades do Sistema S.
Para as entidades do Sistema S, a implementação do ETP é crucial para assegurar a eficiência na aplicação dos recursos, considerando que, embora sejam entidades de direito privado, elas administram recursos públicos ou de natureza parafiscal. Dessa forma, a adoção de práticas de gestão e controle transparentes e eficientes é fundamental para garantir a integridade e economicidade nas suas contratações.
Jurisprudência do TCU
O Acórdão 6192/2020, proferido pela 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União[3], estabeleceu diretrizes específicas para o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de Pernambuco (Senac/PE) em relação à gestão de seus processos licitatórios e de contratação. Entre as determinações destacadas, o TCU enfatizou a necessidade de elaboração de um normativo interno que regulamente a realização dos procedimentos licitatórios, com especial foco na obrigatoriedade de elaboração do ETP para embasar a elaboração do Projeto Básico ou Termo de Referência.
O acórdão ressaltou a importância de incluir o ETP no processo licitatório para assegurar que as contratações sejam fundamentadas em estudos técnicos robustos, respeitando os princípios de eficiência e economicidade. Essas medidas não visam apenas o cumprimento das normas legais e regulatórias, mas também a promoção de um ambiente de maior controle e transparência na gestão dos recursos.
Impactos e Benefícios da Implementação do ETP nas Entidades do Sistema S
A adoção do ETP nas contratações das entidades do Sistema S, conforme orientado pela nova Lei de Licitações e pelo TCU, oferece uma série de benefícios, tais como:
– Melhoria na Qualidade das Contratações: O ETP proporciona uma análise detalhada das necessidades e possibilidades de atendimento, resultando em contratações mais adequadas e alinhadas com os objetivos institucionais das entidades do Sistema S.
– Redução de Riscos: A avaliação prévia de riscos e a análise de viabilidade técnica permitem identificar e mitigar possíveis problemas antes que eles ocorram, reduzindo assim a probabilidade de fracasso na contratação.
– Maior Transparência e Controle: A documentação e a publicidade dos estudos técnicos preliminares aumentam a transparência dos processos, facilitando o controle e a fiscalização por parte dos órgãos competentes e da sociedade.
– Eficiência na Utilização dos Recursos: Ao assegurar que as contratações sejam fundamentadas em estudos estruturados, o ETP contribui para uma gestão mais eficiente dos recursos, evitando desperdícios e garantindo o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis.
– Mecanismos de Gestão e Fiscalização dos Contratos: A adoção do ETP proporciona uma visão mais ampla e estratégica dos contratos, facilitando a implementação de mecanismos de gestão e fiscalização mais eficazes. Com isso, é possível monitorar e avaliar continuamente o desempenho contratual, identificar possíveis desvios ou problemas, e adotar medidas corretivas de maneira proativa, garantindo assim a conformidade e a eficiência dos processos de contratação.
Conclusão
A introdução do Estudo Técnico Preliminar como requisito nas contratações das entidades do Sistema S, ainda que não obrigatório pela legislação específica dessas entidades, mas recomendável pelos órgãos de controle, representa um avanço significativo para o aprimoramento da gestão e controle de recursos. A adoção de práticas que promovam maior transparência, eficiência e responsabilidade é essencial para que as entidades do Sistema S continuem desempenhando seu papel estratégico e institucional no desenvolvimento educacional e profissional do país.
Assim, a implementação efetiva do ETP, conforme indicado pelo Acórdão 6192/2020 do TCU, deve ser vista não apenas como uma recomendação normativa, mas como uma oportunidade para fortalecer os mecanismos de governança e gestão nas entidades do Sistema S, promovendo um ambiente de maior confiança e credibilidade em suas operações.
Bibliografia:
Nohara, Irene Patrícia Diom. Nova Lei de Licitações e Contratos Comparada. RT. 2021.
Brasil. Lei 14.133, de 1º de abril de 2021 . Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em :agosto 2024.
Brasil. Decreto 10.024, de 20 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm. Acesso em: agosto 2024.
Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 6192/2020 – 1ª Câmara. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A6192%2520ANOACORDAO%253A2020%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/1
Brasil. Ministério da Economia. Instrução Normativa nº. 40, de 22 de maio de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-40-de-22-de-maio-de-2020. Acesso em: agosto 2024.
[1] Art. 3, IV – estudo técnico preliminar – documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que caracteriza o interesse público envolvido e a melhor solução ao problema a ser resolvido e que, na hipótese de conclusão pela viabilidade da contratação, fundamenta o termo de referência. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm. Acesso em 27 Ago 24.
[2] Art. 1º, Parágrafo único. Para os efeitos desta Instrução Normativa, considera-se ETP o documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza determinada necessidade, descreve as análises realizadas em termos de requisitos, alternativas, escolhas, resultados pretendidos e demais características, dando base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico, caso se conclua pela viabilidade da contratação. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-40-de-22-de-maio-de-2020. Acesso em 27 Ago 24.
[3] TCU. Acórdão n. 6192/2020. Primeira Câmara. Relator Benjamin Zymler. Data de Julgamento: 02/06/2020. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A6192%2520ANOACORDAO%253A2020%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/1. Acesso em 27 Ago 24.