A NOVA LEI DE LICITAÇÕES E A POSSIBLIDADE DE ALTERAÇÕES DOS PREÇOS REGISTRADOS

Ao tratar das modalidades licitatórias, o art. 28 da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) dispôs, em seu §1º, que, além das modalidades nela elencadas (pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo), a Administração Pública poderá servir-se de “procedimentos auxiliares”.

Destarte, dependendo da modalidade licitatória escolhida, o agente poderá munir-se de procedimentos que contribuirão para o sucesso dos trabalhos, que configuram institutos que servirão como ferramentas potencializadoras da dinâmica das licitações, pois trazem imensos benefícios aos certames, notadamente quanto à celeridade, à economicidade e à eficiência.[1]

Como anotaram Ronny Charles e Michelle Marry, esses procedimentos auxiliares não possuem vinculação direta com contratação específica, podendo ser utilizados para uma pluralidade de pretensões contratuais, fazendo com que sejam entendidos como ferramentas de otimização e facilitação dos procedimentos licitatórios.[2]

Como consta no art. 78, são cinco os procedimentos auxiliares:

• Credenciamento

• Pré-qualificação

• Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI)

• Sistema de Registro de Preços (SRP)

• Registro cadastral

Na verdade, esses “procedimentos auxiliares” já existiam no ordenamento jurídico, a maioria disciplinados em atos normativos esparsos. A reunião de todos na Nova Lei demonstra a intenção de dotá-los de cunho de norma geral, buscando afastar os regramentos diferenciados nos diversos entes federativos.

Pode-se apartar os procedimentos auxiliares entre os que efetivamente determinarão a contratação de um licitante, que são o credenciamento e o Sistema de Registro de Preços (SRP), e os que se enquadrariam numa espécie de procedimento prévio, preparatório para uma futura contratação, que seriam a pré-qualificação, o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e o registro cadastral.

Nos deteremos aqui na sistemática de registro de preços.

O inc. XLV do art. 6º diz que o Sistema de Registro de Preços (SRP) é o conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos à prestação de serviços, a obras e à aquisição e locação de bens para contratações futuras.

A Nova Lei inova já na definição, pois eleva o alcance do uso da sistemática, antes só possível para as compras, como previa o art. 15 da Lei nº 8.666/1993, depois alargada para os serviços, como dispunha o Decreto federal nº 7.892/2013, o que, não obstante o avanço e a significância da adoção do SRP, entendemos à época ser ilegal.[3]

Anote-se que o SRP – que a estimada profa. Eliana Goulart Leão classificou, em função de sua enorme importância, como “uma revolução nas licitações públicas”, defendido em verso e prosa pelo saudoso Hely Lopes Meirelles e pelos brilhantes administrativistas Benedicto de Tolosa Filho, João Carlos Mariense Escobar, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Flavia Daniel Vianna, entre outros – tomou corpo com o passar dos anos, sendo hoje largamente adotado pelas administrações públicas em todos os níveis federativos.

Como observa Ivan Barbosa Rigolin,

nunca é tarde para se falar do registro de preços: daqui a dez anos o tema por certo continuará palpitante, e deverá sê-lo enquanto o instituto existir. Por mais praticado que seja, e por mais que o utilizem dia após dia todos os entes públicos brasileiros, e por mais contratos que gere a todo tempo entre a Administração e fornecedores particulares, o seu intrínseco dinamismo, e as facetas operacionais que muitas vezes esconde engendram surpresas procedimentais de toda ordem a quem processe o sistema. Por mais pisado que seja o terreno, nem todos os seus caminhos já foram trilhados, e muitos efeitos do sistema parecem ainda desconhecidos.

Mas, o que viria a ser esse fantástico sistema? Já dissemos que o SRP deve ser encarado como uma ferramenta de auxílio que se consubstancia num procedimento especial a ser adotado pelo Poder Público, quando os objetos pretendidos forem materiais, produtos ou gêneros de consumo frequente e, em situações especiais, nas contratações de serviços.[4] E, nesse particular, foi bem o legislador da Nova Lei, porquanto emoldurou o SRP no rol de procedimentos auxiliares, lembrando que alargou o espectro, autorizando o uso da sistemática também para obras e locação de bens.

Trata-se de uma solução inteligente de planejamento e organização na logística do setor público, notadamente nas compras, pois, entre outros benefícios, reduz significativamente os custos de estoques, tendo-se, com o uso do sistema, um estoque virtual, sem a necessidade dos gastos com armazenagem.

O SRP baseia-se no conceito do sistema de administração da logística de produção adotado no âmbito privado e denominado Just in Time, que se orienta apoiado na ideia de que nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes do momento exato da necessidade.[5] Assim, os bens ou serviços necessários ao processo de produção somente são adquiridos no momento de sua necessidade para a aplicação.

Nesse passo, diversamente do procedimento adotado nas licitações convencionais, onde os licitantes apresentam propostas específicas visando a um objeto unitário e perfeitamente definido, no SRP ocorrem proposições de preços unitários que vigorarão por um certo lapso de tempo, período em que a Administração, baseada em conveniência e oportunidade, poderá realizar as contratações necessárias.

A adoção do SRP determina flagrante economia, além de ganho em agilidade e segurança, com pleno atendimento ao princípio da eficiência, elevado a princípio constitucional da Administração Pública.

É importante ressaltar que a adoção do SRP está intimamente atrelada a contratações frequentes, isto é, contratações constantes do mesmo objeto.

Outra inovação importante constante na definição diz respeito aos meios de utilização do SRP. Antes restrito às modalidades concorrência e pregão, agora lhe é permitido o uso mediante contratação direta. E é mais do que justificável essa permissão, pois não seria, por se tratar de uma dispensa ou de uma inexigibilidade, que a Administração necessitaria realizar a contratação de uma única vez.

Vide que esse mecanismo já foi testado, com êxito, nas contratações voltadas para o enfretamento à pandemia da COVID-19, por intermédio da Lei nº 13.979, de 6.02.2020, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, de importância internacional, decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019. Como assentou Ivan Barbosa Rigolin, o rebuliço, a confusão planetária, e o quase pânico mundial provocado por essa pandêmica peste não poderia deixar de se espraiar no âmbito do direito, ensejando consequências jurídicas interessantes. Considerando que a grave situação pandêmica exigia rápidas medidas do Poder Público, era evidente que a feitura de licitações para contratações urgentes de objetos que visavam ao enfrentamento do vírus dificilmente seria o meio adequado. Nesse passo, a supracitada Lei nº 13.979/2020 instituiu uma nova modalidade de contratação direta: a dispensa de licitação para aquisição de bens, insumos e serviços, inclusive de engenharia, destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública. Assim, os entes do Poder Público restaram autorizados a dispensar a elaboração do procedimento licitatório quando, em função da emergência de saúde pública, estivessem buscando contratar o tipo de objeto explicitado. E mais: inovando no ordenamento jurídico, a MP nº 926/2020 inseriu na Lei nº 13.979 a possibilidade do uso do Sistema de Registro de Preços (SRP) via dispensa licitatória. Como a MP teve expirada a sua vigência sem apreciação pelo Congresso Nacional, o governo federal editou a MP nº 961/2020, que versava sobre a possibilidade de pagamento antecipado (depois convertida na Lei nº 14.065/2020), trazendo em seu corpo regras sobre o uso do registro de preços na mesma linha da medida provisória anterior.

Anotamos em artigo:

Como o emprego do SRP determina flagrante economia, além de ganho em agilidade e segurança, com pleno atendimento ao princípio da eficiência, e buscando trazer essa versatilidade para as contratações emergenciais voltadas para o enfrentamento da pandemia, o legislador federal criou a “Dispensa de licitação por intermédio do Sistema de Registro de Preços” ou, como a denominou Ronny Charles, de forma inversa, “Dispensa de licitação para fins de registro de preços”.[6]

Diversamente da Lei nº 8.666/1993, que tratava do SRP em apenas um dispositivo, deixando o detalhamento a critério dos regulamentos dos entes federativos, a Nova Lei se espraia por cinco artigos, com diversos parágrafos e incisos, não deixando muita margem para as regulamentações, assumindo a função de norma nacional, e tomando ares de norma geral.

Cabe assentar que os dispositivos sobre registro de preços da Nova Lei configuram uma espécie de virada de chave, contemplando regras mais voltadas para o ambiente prático, acatando sugestões doutrinárias e ponderações de pregoeiros, além de atender às sinalizações do TCU.

O art. 6º da Nova Lei oferece, nos incs. XLVI a XLIX, outras definições para operacionalização do SRP:

Ata de registro de preços: documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas;

Órgão ou entidade gerenciadora: órgão ou entidade da Administração Pública responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e pelo gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente;

Órgão ou entidade participante: órgão ou entidade da Administração Pública que participa dos procedimentos iniciais da contratação para registro de preços e integra a ata de registro de preços; e

Órgão ou entidade não participante: órgão ou entidade da Administração Pública que não participa dos procedimentos iniciais da licitação para registro de preços e não integra a ata de registro de preços.

O art. 82 da Nova Lei preceitua que o edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais do diploma e ainda deverá dispor sobre vários fatores, a saber: as especificidades da licitação e de seu objeto, inclusive a quantidade máxima de cada item que poderá ser adquirida;  a quantidade mínima a ser cotada de unidades de bens ou, no caso de serviços, de unidades de medida; a possibilidade de prever preços diferentes nas situações especificadas; a possibilidade de o licitante oferecer ou não proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, obrigando-se nos limites dela;  o critério de julgamento da licitação, que será o de menor preço ou o de maior desconto sobre tabela de preços praticada no mercado; as condições para alteração de preços registrados; o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;– a vedação à participação do órgão ou entidade em mais de uma ata de registro de preços com o mesmo objeto no prazo de validade daquela de que já tiver participado, salvo na ocorrência de ata que tenha registrado quantitativo inferior ao máximo previsto no edital; e as hipóteses de cancelamento da ata de registro de preços e suas consequências.

Analisaremos o possiblidade de alterações dos preços registrados, conforme previsto no inc. VI.

Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: […] VI – as condições para alteração de preços registrados;

Muito embora o texto deste inciso seja bastante econômico, podendo dar margem a dúvidas, a indicação nele contida é alvissareira, porquanto anuncia a indicação das possíveis alterações dos preços registrados no edital.

A revisão do preço registrado sempre causou polêmica.

O art. 17 do Decreto nº Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o registro de preços em face do art. 15 da Lei nº 8.666/1993, semeava incertezas.

Prescreve o dispositivo:

Art. 17. Os preços registrados poderão ser revistos em decorrência de eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão gerenciador promover as negociações junto aos fornecedores, observadas as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

Assim, este preceptivo informava que, no caso de fato superveniente e imprevisível que reduzisse os preços praticados no mercado ou de situação que elevasse o custo dos serviços ou bens registrados, os preços da Ata de Registro de Preços (ARP)[7] poderiam ser revistos, remetendo a matéria ao disposto na alínea “d”, inc. II, do art. 65 da Lei nº 8.666/93.

Reza o preceptivo remetido:

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (…)

II – por acordo das partes: (…)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual.

Vê-se, portanto, que o decreto determina que a Administração dê à Ata de Registro de Preços o mesmo tratamento que a Lei nº 8.666/1993 oferece aos contratos administrativos em situações que sobrevierem fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, retardadoras ou impeditivas da execução do acordado, ou, ainda, na hipótese de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

A análise do preceptivo conjugada com os artigos subsequentes (18 e 19) denotava que o elaborador do decreto se perdeu na adoção da técnica legislativa.

O art. 18 indica, quando o preço registrado se tornar superior ao preço praticado no mercado por motivo superveniente, que o Órgão Gerenciador convoque os fornecedores para negociarem a redução dos preços aos novos valores mercadológicos. Já o art. 19 informa, quando o preço de mercado se tornar superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, que o Órgão Gerenciador poderá liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados, e convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.

Logo, o art. 18 dá a linha de ação para o caso de o preço registrado na ARP tornar-se superior ao do mercado, enquanto que o art. 19 dispõe sobre os procedimentos para a hipótese do preço de mercado tornar-se superior ao registrado na ARP.

Ocorre, todavia, que as soluções do art. 19 – repisa-se, para o caso de o preço de mercado tornar-se superior ao preço registrado – não explicitam, a rigor, o reequilíbrio:

Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá:

I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e

II – convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.

Ou seja, segundo o dispositivo, se o preço de mercado superar o registrado na ARP, o Órgão Gerenciador poderá liberar o fornecedor do compromisso assumido e convocar os demais fornecedores para também a eles oportunizar uma negociação.

Evidencia-se, apesar da frágil construção do texto do dispositivo, que, antes “de liberar o fornecedor do compromisso assumido”, o Órgão Gerenciador deverá convocar o fornecedor registrado para negociar a adequação de seu preço aos patamares praticados pelo mercado, ou seja, reequilibrá-lo. Tal se deduz não só pela lógica, mas pelos próprios termos do inc. II (“convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação”), que permitem inferir que, ao oferecer igual oportunidade de negociação aos demais fornecedores, a Administração já a teria oferecido ao fornecedor registrado.

Apesar da ausência de indicação legal, pois a Lei nº 8.666 não indica qualquer tipo de reequilíbrio de preços que não seja durante a vigência contratual, essa regulamentação atende à lógica, de vez que seria impensável a manutenção de um preço pelo período de um ano sem a sua devida atualização, notadamente de certos objetos cujos preços são influenciados por fatores de toda ordem.

Nesse curso, considerando a instabilidade do mercado, o art. 17 converge para o reequilíbrio econômico-financeiro dos preços registrados na ARP, fazendo um paralelo com a famosa equação econômico-financeira constituída na relação que as partes estabelecem quando da celebração de contratos, objetivando a justa remuneração de seu objeto.[8]

Em resumo, reza o art. 17 que os preços registrados na ARP são passíveis de revisão quando de fato resultem num desequilíbrio econômico-financeiro devidamente comprovado, advindos de situações imprevisíveis ou, mesmo que previsíveis, de consequências incalculáveis.

Gilberto de Oliveira Filho, apoiado em lições de Diogenes Gasparini e Marçal Justen – e sustentando que a Ata de Registro de Preços se caracteriza como um pré-contrato ou contrato preliminar –, considerava que, “em tese, seria efetivamente possível a incidência de revisão de valores”:

A revisão não será automática, devendo restar demonstrado eventual desequilíbrio econômico-financeiro, para mais ou para menos, tornando inviável a contratação pelos preços registrados. O pedido revisional, a nosso ver, pode ser invocado a qualquer tempo, desde que após a celebração da ata de registro de preços, independentemente de previsão expressa, encontrando-se condicionado à demonstração de situação de desequilíbrio econômico-financeiro. Trata-se do cumprimento do art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal de 1988, que determina que contratos devem primar pela manutenção das condições efetivas das propostas. A revisão de preços nada mais é do que a realização de um ajuste para que se retomem as condições iniciais da respectiva proposta, atingidas por um desequilíbrio na relação inicialmente pactuada, por fatores supervenientes e imprevisíveis ou, se previsíveis, de consequências incalculáveis. A revisão somente pode prosperar se comprovado que certo fator incidente no ajuste, de fato, ocasionou o seu desequilíbrio econômico-financeiro, de forma insustentável, não sendo qualquer alteração que pode sustentar o pedido. Assim sendo, cremos que tanto a ata de registro de preços quanto o contrato dela oriundo podem ser objeto de revisão de preços, desde que demonstrado o desequilíbrio econômico-financeiro.[9]

No mesmo mote, Victor Amorim e Fabrício Motta, ao se debruçarem sobre indeterminação existente quanto à viabilidade da revisão dos preços registrados em face de comprovada elevação dos valores praticados no mercado em decorrência da crise humanitária, social e econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus:

a) os atos normativos primários que dispõem sobre o SRP, em especial as Leis nº 8.666/1993 e nº 10.520/2002, não veiculam o impedimento, a priori, de revisão da ata de registro de preços no sentido de promover a elevação dos preços registrados em razão de fatos supervenientes e circunstâncias excepcionais que, comprovadamente, alterem profundamente os valores praticados em mercado; (…) c) a partir de uma análise sistêmica do Decreto Federal nº 7.892/2013 e à luz dos princípios da eficiência e economicidade, é juridicamente viável a revisão de ARP para aumento dos preços registrados em razão de fatos supervenientes e circunstâncias excepcionais que, comprovadamente, alterem os valores praticados em mercado, como o caso da crise decorrente do coronavírus.[10]

Registre-se, também, conforme trabalho de pesquisa efetuado pela profa. Brenia dos Santos, que

embora não se possa afirmar que se trata do entendimento do TCU, pode-se verificar, pelo menos, uma tendência em permitir a revisão dos preços registrados desde que seja demonstrada, por estudo técnico, a superveniência de fato excepcional ou imprevisível que justificasse a alteração dos preços inicialmente propostos.[11]

Acórdão nº 7122/2019 – 2ª Câmara: (…) Assim como em relação ao item anterior, deixa-se de propor qualquer medida em relação a este ponto considerando a informação de que o novo edital conterá os critérios de possível revisão adequadamente estabelecidos, eliminando-se a contradição inicialmente identificada.

Acórdão nº 6917/2018 – 2ª Câmara: (…) 2. A irregularidade das contas do ex-Secretário se deu em decorrência de revisões procedidas nas Atas de Registro de Preços dos Pregões Eletrônicos nºs 421/2007 e 545/2008, realizados pelo Governo do Estado de Sergipe, tendo como objeto a aquisição de produtos para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), sem que houvesse demonstração da superveniência de fato excepcional ou imprevisível que justificasse a alteração dos preços inicialmente propostos (…).

Acórdão nº 2.907/2017 – Plenário: (…) 66. Ante o exposto, vislumbra-se duas irregularidades no âmbito do processo 2131: i) aumento dos valores da Ata de Registro de Preços nº 20/2010 para reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato sem a ocorrência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis com consequências incalculáveis, inexistindo álea econômica extraordinária ou extracontratual.

Diante de tudo o que foi exposto, sempre sustentamos com fulcro no bom Direito, na regra positivada na lei vigente, nos dispositivos regulamentares e na realidade (não se pode aplicar o Direito sem considerar a realidade)[12] – que, na existência de razão superveniente, devidamente comprovada, imprevisível ou até mesmo previsível, mas de consequências incalculáveis, que demonstre a impraticabilidade do preço registrado, seria possível a revisão do preço registrado tanto para cima quanto para baixo, ou seja, quando os preços se tornarem maiores ou menores no mercado.

Pois, a nosso ver, não há mais dúvidas: ao indicar que o edital de licitações de registro de preço deverá indicar as condições para alteração de preços registrados, o inc. VI do art. 82 da Nova Lei autoriza que a Administração reveja o preço registrado, levando em consideração regras nele definidas.

 

 


[1] BITTENCOURT. A Nova Lei das Estatais.

[2] CHARLES; MARRY. RDC. Regime Diferenciado de Contratação.

[3] BITTENCOURT. Licitação de registro de preços. 5. ed.

[4] BITTENCOURT. Licitação de registro de preços. 5. ed.

[5] O Just in Time surgiu no Japão, no princípio dos anos 1950, sendo o seu desenvolvimento creditado à Toyota Motor Company, a qual procurava um sistema de gestão que pudesse coordenar a produção com a procura específica de diferentes modelos de veículos com o mínimo atraso. Quando a Toyota decidiu entrar em pleno fabrico de carros, depois da Segunda Guerra Mundial, com pouca variedade de modelos de veículos, era necessária bastante flexibilidade para fabricar pequenos lotes com níveis de qualidade comparáveis aos conseguidos pelos fabricantes norte-americanos. Esta filosofia de produzir apenas o que o mercado solicitava passou a ser adaptada pelos restantes fabricantes japoneses e, a partir dos anos 1970, os veículos por eles produzidos assumiram uma posição bastante competitiva. Desta forma, o Just in Time tornou-se muito mais que uma técnica de gestão da produção, sendo considerado como uma completa filosofia, a qual inclui aspectos de gestão de materiais, gestão da qualidade, organização física dos meios produtivos, engenharia de produto, organização do trabalho e gestão de recursos humanos. O sistema característico do Just in Time de “puxar” a produção a partir da procura, produzindo em cada momento somente os produtos necessários, nas quantidades necessárias e no momento necessário, ficou conhecido como o método Kanban. Este nome é dado aos “cartões” utilizados para autorizar a produção e a movimentação de materiais, ao longo do processo produtivo. (LIMA. O que é Just in Time? Modelo de gestão adotado pelo Japão faz sucesso em todo o mundo).

[6] BITTENCOURT. Dispensa de licitação para registro de preços (Lei nº 13.979, de 6.02.2020).

[7] Como antes exposto, o inc. XLVI do art. 6º informa que Ata de Registro de Preços (ARP) é documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas.

[8] Porquanto, para um bom andamento da contratação, faz-se necessário que essa correlação encargo/remuneração seja mantida, independentemente de qualquer fator, durante toda execução contratual.

Sobre a matéria, cabe anotar que a referida equação econômico-financeira tem expressa previsão constitucional. Confira-se o texto do inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal: “Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XXI Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

[9] Arquivo pessoal.

[10] AMORIM; MOTTA. Revisão de preços registrados em caso de elevação dos valores praticados em mercado no contexto da crise do coronavírus.

[11] Arquivo pessoal.

[12] Luiz Roberto Barroso ensina que na dogmática contemporânea não há cisão entre interpretação e aplicação, pois a atribuição de sentidos se faz em conexão com os fatos relevantes e a realidade subjacente, de modo que a norma jurídica não é o objeto da interpretação, mas seu produto final (BARROSO. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 9. ed.).

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