Introdução
A sistemática de registro de preços já é (era) prevista na norma que rege o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei nº 12.462/2011), na Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/1993), na Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e na Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016). De forma tímida, claro, os principais aspectos ali se destacavam. Em demais situações que dizem respeito ao poder regulamentar dos entes, normativas esparsas tratam amplamente da matéria. A exemplo do Decreto Federal nº 7.892/2013, que regulamenta o sistema de registro de preços no âmbito da Administração Pública Federal.
Contudo, conforme art. 194 da Lei nº 14.133/2021 (NLLC), serão as citadas normas revogadas, a contar do prazo de dois anos após a sua vigência, a exceção das regras estabelecidas na Lei nº 13.303/2016 em razão de sua particularidade enquanto normatizadora das empresas públicas e sociedades de economia mista (não absorvidas essas pela Lei nº 14.133/2021).
A presente resenha objetiva comentar os artigos sobre o tema contidos na NLLC, bem como destacar as novidades e os enfrentamentos que ainda teremos.
- Da breve análise da norma no aspecto referente ao procedimento auxiliar de registro de preços
- Dos conceitos
A NLLC já em seu primeiro título, capítulo terceiro, aperfeiçoa-se em comparação as normas vigentes, vez que traz uma robusta conceituação dos principais institutos da Lei. Criticada por alguns e adorada por outros tantos, é que a nova lei aí está e devemos da melhor forma possível interpretá-la, aplica-la e fazer valer na busca do melhor resultado para as compras públicas no país.
Nesse sentido, o art. 6º conceitua o sistema de registro de preços como sendo o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras” (inc. XLV) e a ata de registro de preços como sendo o “documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas” (inc. XLVI).
Dos dois conceitos já podemos observar uma inovação no que se refere a vinculação do sistema de registro de preços às contratações diretas. Fato esse que desde as primeiras normas que regulavam as aquisições e contratações para enfrentamento e combate da Covid-19 já vinha sendo estabelecido. Ou seja, a NLLC prevê a possibilidade do procedimento auxiliar de registro de preços ser utilizado para dispensa e inexigibilidade de licitação.
Os conceitos seguem afirmando o que vem a ser a entidade gerenciadora, a entidade participante e a entidade não participante, assim como já previsto em normativos de determinados entes da federação, quando, mais uma vez, do poder de regulamentação da sistemática de registro de preços constante da Lei nº 8.666/93[1]. Portando sendo o órgão gerenciador aquele responsável pelo procedimento de registro de preços e pela gestão da ata; o órgão participante, aquele participa de intenção de registro de preços e é parte da ata de registro; e o órgão não participante (ou órgão aderente, ou conhecido como “carona”), sendo aquele que na vigência da ata solicita sua adesão nos termos nela previstos.
Conceitos bem definidos, que auxiliam na interpretação do instituto e de suas ferramentas.
1.2 Da pesquisa de preços
Atas de registro de preços vigentes também são consideradas “parâmetros de preços”, nos termos do art. 23, §1º, inc. II. Ou seja, no processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento a ser previsto pelos entes, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização de diversos parâmetros, adotados de forma combinada ou não, e entre eles, as contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente.
Ou seja, ata de registro de preços vigente e firmada, respeitado o prazo de “validade do preço” poderá ser utilizada como parâmetro de preços, assim como já utilizada nos dias de hoje para composição do que chamamos de “cesta de preços”.
A Instrução Normativa Seges/ME nº 65, de 7 de julho de 2021[2], que dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, já destaca essa regra, defendendo o uso do preço de atas de registro como parâmetro, assim como prevê a regra de que para aferição da vantagem econômica das adesões às atas de registro de preços e da contratação de item específico constante de grupo de itens em atas de registro de preços, deverá também ser observado o disposto na IN citada, para definição de valor estimado e, consequentemente, a vantagem econômica.
1.3 Do planejamento das compras
A utilização da sistemática de registro de preços também deve ser avaliada no planejamento das compras (art. 40, inc. II). É o que afirma a Nova Lei, no sentido de tornar referido procedimento auxiliar como um dos pilares do planejamento de compras, em especial as realizadas de forma centralizada, possibilitando uma gestão mais aperfeiçoada da demanda, onde verifica-se o real consumo, o respeito as expectativas de contratações frequentes, a diminuição de estoques e almoxarifados, a dinâmica de utilização por mais unidades/órgãos, a possibilidade de logística eficiente, a padronização e os desafios da manutenção de preços por prazo certo.
Ou seja, em aspecto prático, a contratação através do sistema de registro de preços deve ser avaliada já no momento da realização do estudo técnico preliminar, quando os requisitos acima serão estudados diante das necessidades e do mercado de fornecedores.
1.4 Das exceções quanto ao fornecimento de bens e análise de amostras
A NLLC, quando trata de licitação que envolva o fornecimento de bens, destaca que a Administração poderá, excepcionalmente, exigir amostra ou prova de conceito do bem no período de vigência da ata de registro de preços, desde que previsto no edital da licitação e justificada a necessidade de sua apresentação, conforme preceitua o art. 41, inc. II. Lembrando que, conforme o professor Ronny Charles[3], a “exigência de amostra não deve ser utilizada como elemento de restrição da competitividade, mas apenas como instrumento de aferição da qualidade necessária ao objeto contratual pretendido.”
Esse ponto pede reflexão quanto ao melhor momento de exigência de amostra na contratação de fornecimento de bens pela sistemática de registro de preços, a razão de que diversos órgãos sejam participantes do procedimento. A sistemática de registro de preços em si, já exige um órgão gerenciador que será o “promotor” do procedimento. Aquele que vai abrir a intenção de registro, vai conduzir a fase interna e externa do procedimento. Nesse sentido, pensando na melhor condução do procedimento de análise de amostras e aprovação do bem a ser adquirido, na economia processual e de tempo, e da necessidade de manutenção de padronização em relação aos procedimentos, a análise da amostra pelo órgão gerenciador parece ser a mais adequada.
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- Da análise pela assessoria jurídica
Conforme o art. 53, ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para análise do órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. E aqui reforço o termo “da contratação” utilizado pelo legislador (diferente do que previsto no atual art. 38 da lei nº 8.666/93). Percebe-se que é bem mais amplo, exigindo uma avaliação sobre os atos relacionados ao processo de contratação em geral, sob uma ótica de conferir segurança jurídica ao gestor.
E não deixando de fora as contratações sobre o sistema de registro de preços, o §4º do mesmo artigo, destaca que o órgão de assessoramento também realizará controle prévio das adesões a atas de registro de preços.
1.6 Dos procedimentos auxiliares
Na mesma linha da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), que conforme já destacado segue vigente, independente da vigência da NLLC e da “vacatio legis” prevista, a nova norma dá status de “procedimento auxiliar” ao sistema de registro de preços. Ou seja, conforme art. 78, inc. IV, o sistema de registro de preços é procedimento auxiliar das licitações e das contratações.
Os procedimentos auxiliares como um todo “não representam uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que já eram experimentados na prática administrativa ou expressamente citados em algumas legislações anteriores…”.[4] Contudo, conforme §1º do art. 78 da NLLC, o sistema de registro de preços é procedimento auxiliar que dependerá de observância a critérios claros e objetivos definidos em regulamento.
1.7 Do Portal Nacional de Contratações Públicas
Não menos importante é a referência ao art. 174, que fala da criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sítio eletrônico oficial destinado a diversas situações de publicidade de atos e procedimentos em geral, em especial de editais e contratos. E nesse caminho, destaca o inc. IV do §2º que o PNCP será destinado a ser repositório das atas de registro de preços.
1.8 Do Sistema de Registro de Preços em específico
Entrando nas regras da matéria em si, a norma traz diversos artigos com normas sobre a sistemática de registro de preços. Do art. 82 ao artigo 86 podemos avaliar os principais requisitos desse procedimento auxiliar[5].
Já no art. 82 podemos verificar as regras que devem estar presentes no edital para registro de preços, são elas:
- o destaque sobre as especificidades da licitação e de seu objeto, inclusive a quantidade máxima de cada item que poderá ser adquirida, trazendo as regras claras sobre o objeto e seu quantitativo de previsão;
- a previsão sobre a quantidade mínima a ser cotada de unidades de bens ou, no caso de serviços, de unidades de medida, refletindo a necessidade de se prever qual a menor unidade de previsão e de cotação de preços. Ou seja, se será em unidade, em caixa, em embalagem, entre outros;
- a possibilidade de prever preços diferentes para o mesmo objeto, em sendo o caso, restringida para: quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes; em razão da forma e do local de acondicionamento; quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote; e/ou por outros motivos justificados no processo[6];
- a possibilidade de o licitante oferecer ou não proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, obrigando-se nos limites dela;
- o critério de julgamento da licitação, que será o de menor preço ou o de maior desconto sobre tabela de preços praticada no mercado, conforme o caso;
- as condições para alteração de preços registrados;
- o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;
- a vedação à participação do órgão ou entidade em mais de uma ata de registro de preços com o mesmo objeto no prazo de validade daquela de que já tiver participado, salvo na ocorrência de ata que tenha registrado quantitativo inferior ao máximo previsto no edital; e,
- as hipóteses de cancelamento da ata de registro de preços e suas consequências.
Seguindo a jurisprudência sobre o tema[7], o §1º do art. 82 trata do critério de julgamento de menor preço por grupo de itens, normatizando que somente poderá ser adotado quando for demonstrada a inviabilidade de se promover a adjudicação por item e for evidenciada a sua vantagem técnica e econômica, sendo que o critério de aceitabilidade de preços unitários máximos deverá ser indicado no edital.
Já o §3º do mesmo artigo permite o registro de preços com indicação limitada a unidades de contratação, sem indicação do total a ser adquirido. Mas essa situação apenas poderá ser prevista nos casos de ser a primeira licitação para o objeto e o órgão ou entidade não tiver registro de demandas anteriores, no caso de alimento perecível e no caso em que o serviço estiver integrado ao fornecimento de bens, caso em que será obrigatória a indicação do valor máximo da despesa e é vedada a participação de outro órgão ou entidade na ata (§4º).
A Nova Lei ainda destaca em quais situações o sistema de registro de preços poderá ser usado: para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia (§5º), devendo, no caso, realizar ampla pesquisa de mercado, seleção de acordo com os procedimentos previstos em regulamento, desenvolvimento obrigatório de rotina de controle, atualização periódica dos preços registrados, definição do período de validade do registro de preços, e inclusão, em ata de registro de preços, do licitante que aceitar cotar os bens ou serviços em preços iguais aos do licitante vencedor na sequência de classificação da licitação e inclusão do licitante que mantiver sua proposta original.
Em sentido contrário, e ainda que defensável por parte da doutrina, o Tribunal de Contas da União orienta que o sistema de registro de preços não seria aplicável à contratação de obras, pelo fato de não haver demanda por itens isolados, uma vez que os serviços não poderiam ser dissociados uns dos outros (Acórdão 1238/2019-Plenário). E nesse mesmo caminho, o art. 4º do Decreto nº 10.024/2019 veda a realização de pregão, na forma eletrônica, para contratação de obras públicas.
No caso de contratação da execução de obras e serviços de engenharia por registro de preços, a Administração deverá, ainda, atender a requisito específico de padronização do objeto (que deverá ser sem complexidade técnica e operacional) e a necessidade permanente ou frequente da obra ou serviço a ser contratado. (art. 85).
Novidade fica por conta da previsão quanto a utilização do sistema de registro de preços nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade, desde que seja regulamentado (§6º).
A legislação que dispunha/dispõe sobre as medidas excepcionais para a aquisição de bens e a contratação de serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia da Covid já previa a possibilidade de utilização do sistema de registro de preços na hipótese de dispensa de licitação (a exemplo da Medida Provisória nº 1.047, de 3 de maio de 2021[8], art. 4º).
Mantém-se a regra de que a existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar. Na mesma linha, TCU já se manifestava, no sentido de que a formalização da ata gera apenas uma expectativa de direito ao signatário, não lhe conferindo nenhum direito subjetivo à contratação (Acórdão TCU nº 1285/2015 – Plenário). Entretanto, destaca a NLLC ser facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada (art. 83).
Sobre a vigência da ata de registro de preços, o art. 84 da Lei, destaca o mesmo prazo previsto na Lei nº 8.666/93, ou seja, de 1 ano. Acontece que a legislação atual regulamenta que o prazo máximo da ata, com prorrogações, é de 1 ano, ao passo que a Lei nº 14.133/21, além de prever o prazo de 1 ano para a ata de registro de preços, permite a prorrogação, por igual período, desde que comprovada a vantajosidade do preço.
Já os contratos administrativos originários de ata de registro de preços, ou seja, firmados a partir de participação ou adesão a ata de registro de preços, terão os seus prazos definidos em edital ou na própria ata, a depender do planejamento da licitação e dos critérios estabelecidos em termo de referência[9].
Na linha do que já resta estabelecido no Decreto nº 7.892/2013 e já utilizado pelo executivo federal, o órgão ou entidade gerenciadora do registro de preços deverá, na fase preparatória do processo licitatório, realizar procedimento público de intenção de registro de preços para, nos termos de regulamento, possibilitar, pelo prazo mínimo de 8 (oito) dias úteis, a participação de outros órgãos ou entidades na respectiva ata e determinar a estimativa total de quantidades da contratação. Ou seja, publicizar a abertura de registro de preços de preços para que órgãos e entidades possam “participar” do processo licitatório com a informação sobre as quantidades que pretende adquirir ao longo do prazo de vigência da ata, por exemplo (art. 86).
Claro que referido procedimento pode ser dispensado, no caso de o registro ser feito exclusivamente para atender ao órgão gerenciador.
Subsequente, desde que exista justificativa, poderá o órgão gerenciador prever em sua ata de registro de preços a possibilidade de que “não participantes” da intenção de registro de preços, façam adesão a ata (peguem “carona”). E, nesse caso, devem observar: a necessidade de apresentação de justificativa da vantagem da adesão, inclusive em situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público, a demonstração de que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado na forma do art. 23 da Lei e as prévias consulta e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e do fornecedor.
Sobre esse ponto, importante se faz a leitura do artigo escrito pelo professor Dawison Barcelos, em que faz referência ao termo “barriga de aluguel” ao tratar da previsão de adesão em ata de registro de preços, merecendo atenção especial a quantidade de previsão mais próxima da realidade de consumo possível, vez que a quantidade de adesões é calculada sobre a previsão dos participantes:
“Por outro lado, a favor do fornecedor registrado, o SRP disponibiliza a figura da utilização da Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes – adesão, ou, simplesmente, “carona” – que possibilita contratações adicionais até o limite global de duas vezes o quantitativo de cada item registrado.
É justamente nessa dinâmica que se enquadra o uso da expressão “barriga de aluguel” nos acórdãos mais recentes da jurisprudência do TCU.
No julgamento que ensejou o acórdão 80/2022, o Plenário do Tribunal definiu a referida conduta irregular como a prática “por meio da qual as quantidades licitadas são majoradas artificialmente, de forma que a ata de registro de preços decorrente possibilite maior número de adesões e permita que a empresa vencedora comercialize seus produtos com diversos órgãos da Administração Pública sem licitar”.
Dessa forma, “barriga de aluguel” pode ser precisado como a situação em que se geram atas de registro de preços com quantitativos desnecessários ou superestimados, com o intuito de favorecer determinado fornecedor, que tentará posteriormente “comercializar” os itens registrados em outros órgãos e entidades da administração pública para fins de adesões.” [10]
Ainda sobre a adesão, importa destacar que a norma traz a previsão de que ela estará limitada a órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital. Ou seja, não traz a possibilidade de que a adesão seja feita a uma ata de registro de preços municipal.
E, por conseguinte, destaca a NLLC no §4º do art. 84, que as aquisições ou as contratações adicionais (adesão) não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes.
Ademais, o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem (por isso a necessidade de que as previsões de quantidades dos órgãos participantes sejam legítimas e não superestimadas, se vinculando a prática condenada pelo TCU, conforme exposto no citado artigo do professor Dawison Barcelos).
No caso de se tratar de uso de recursos financeiros de transferência voluntária, poderá o Poder Executivo federal exigir a adesão as suas atas de registro de preços, não ficando esta adesão sujeita ao limite tratado acima, caso destinada à execução descentralizada de programa ou projeto federal e comprovada a compatibilidade dos preços registrados com os valores praticados no mercado na forma do art. 23 da NLLC.
Também não estarão sujeitas aos limites destacados no §5º do art. 84 a aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico-hospitalar por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, por adesão à ata de registro de preços gerenciada pelo Ministério da Saúde.
Por fim, a Nova Lei veda aos órgãos e entidades da Administração Pública federal a adesão à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal, mantendo previsão do Decreto nº 7.892/2013 e trazendo para norma regra de exclusivo cumprimento pelo executivo federal.
- Do resumo das principais novidades na norma geral
Pois bem. Como já observado, muita coisa se repete em relação ao que já vínhamos praticando sobre a sistemática de registro de preços. Seja por regulamentos de entes da federação, seja a partir de orientações jurisprudenciais. Entretanto, muita coisa nova apareceu normatizada.
A Nova Lei traz as seguintes, resumidas, inovações:
- quanto a não obrigatoriedade de contratar através da ata de registro de preços e a faculdade de realização de licitação específica para a aquisição, quando o art. 83 destaca que “a existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada”, em detrimento do direito de preferência que vem previsto no art. no artigo 15, §4º, da Lei 8.666/1993, assim como no artigo 32, §3º, da Lei 12.462/2011;
- sobre a possibilidade expressa de uso do sistema de registro de preços para obras e serviços de engenharia, seguindo o que parte da jurisprudência já destacava (que também não era pacífica em relação a matéria);
- a possibilidade de uso do sistema de registro de preços para contratação direta, seja por dispensa, seja por inexigibilidade de licitação, a depender de regulamento para tanto;
- sobre o prazo de vigência da ata em 1 ano, com possibilidade de prorrogação por mais um ano, em detrimento do prazo máximo de 1 ano, contadas as prorrogações, da então legislação vigente.
Mecanismos que vem para facilitar o desenvolvimento do procedimento auxiliar de registro de preços.
- Dos enfrentamentos a serem feitos
Ainda que tenhamos uma Nova Lei, com novidades, algumas situações de enfrentamento “assombram” ou podem vir “assombrar” entes e gestores públicos. Ou melhor, dependerão de debates e definições para a integralidade do cumprimento da sistemática de registro de preços, não gerando dúvidas quanto à sua aplicação.
Uma delas, e não menos importante, é a necessidade de regulamentação de determinados pontos, vez que a própria lei diz “mediante regulamento” ou “conforme regulamento”. Isso já vem previsto lá no art. 78 da NLLC, quando ela fala do sistema registro de preços como procedimento auxiliar e no § 1º destaca que esses procedimentos auxiliares obedecerão a critérios claros e objetivos definidos em regulamento.
Do mesmo modo exige que seja regulamentada a forma de como o sistema de registro de preços será usado nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação para mais de um órgão ou entidade (art. 82, § 6º) e como será o procedimento de intenção de registro de preços.
Sobre o tema, a professora Cristina Fortini[11] enfrenta a matéria no sentido de destacar que a União, na competência para editar normas gerais, “pretende se fazer presente na vida dos entes subnacionais por meio de regras relativas a licitações e contratos.” Ou seja, frisa que o legislador desceu a detalhes até então previstos em decretos.
E segue a professora Fortini destacando outro tema de enfrentamento pela frente: o de que o legislador não detalhou as hipóteses de cabimento do SRP, a exemplo do que faz o art. 3º do Decreto Federal nº 7.892/13, havendo necessidade de ser regulamentado o ponto.
Não tratou a norma de regras de sancionamento para com o compromitente da ata de registro e para situações que comprometem os compromissos alí firmados, deixando em aberto tanto na parte que regula o sistema de registro de preços, quanto na parte que trata do processo de aplicação de penalidades de licitantes e contratados.
Deixou de tratar sobre possível aquisição individual de itens registrados nas licitações por lote mediante adjudicação por menor preço global do lote, para os quais a licitante vencedora não apresentou o menor preço, a exemplo do que temos recomendado como vedação a referida prática pelo TCU – Acórdão 3081/2016 do Plenário.
Também permanece a polêmica quanto ao cabimento de reajuste, repactuação ou reequilíbrio econômico em ata de registro de preços. Discussão já firmada, a exemplo do Parecer nº 00001/2016/CPLCA/CGU/AGU[12] que destaca não caber reajuste, repactuação ou reequilíbrio econômico em relação à Ata de Registro de Preços, uma vez que esses institutos estão relacionados à contratação (contrato administrativo em sentido amplo) e do excelente artigo publicado pela professora Michelle Mary.[13]
Contudo, da leitura do artigo “Sistema de Registro de Preços e a Volatividade de Determinados Mercados: uma provocação sobre novas soluções”[14], os professores autores se manifestam no sentido de que, por existir a nova previsão legal de vigência da ata de registro por até 2 anos (art. 84), “o reajuste por índice, estrito sensu, utilizado para recompor a perda do poder aquisitivo da moeda (remediar efeitos da inflação) por meio de índices prefixados no contrato administrativo também passa a ser possível na ata de registro de preços, assim considerada como pré-contrato”. Mais um ponto a ser enfrentado e regulamentado.
Ainda, outra situação que merece destaque e que também irá depender de regulamentação é a possibilidade de substituição de marca de um produto registrado em ata de registro de preços, pois segundo o TCU, há possibilidade de substituição de marca, desde que haja “comprovação robusta da equivalência operacional do modelo eleito com aquele informado pela contratada ainda na fase de licitação e também de equivalência de preço”, dentre outros requisitos (Acórdão nº 558/2010 – Plenário).
Conclusão
A razão deste artigo é no sentido de sintetizar as previsões sobre o sistema de registro de preços na Nova Lei de Licitações e Contratos e alertar quanto aos debates que ainda devem ser feitos para a melhor eficiência do procedimento, sem a intenção de esgotar o tema, mas de resumir a matéria para aqueles que buscam informações sobre a NLLC e de trazer referências bibliográficas para aperfeiçoamento das discussões.
[1]Art. 6º, caput, incisos, da Lei nº 14.133/2021:
XLVII – órgão ou entidade gerenciadora: órgão ou entidade da Administração Pública responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e pelo gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente;
XLVIII – órgão ou entidade participante: órgão ou entidade da Administração Pública que participa dos procedimentos iniciais da contratação para registro de preços e integra a ata de registro de preços;
XLIX – órgão ou entidade não participante: órgão ou entidade da Administração Pública que não participa dos procedimentos iniciais da licitação para registro de preços e não integra a ata de registro de preços;
[2] Instrução Normativa disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-seges-/me-n-65-de-7-de-julho-de-2021-330673635
[3] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Pág. 236.
[4] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Pág. 450.
[5] “Utilizando esse procedimento, pode-se abrir um certame licitatório em que o vencedor terá seus preços registrados, para que posteriores necessidades de contratação sejam dirigidas diretamente a ele, de acordo com os preços aferidos.” TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Pág. 480.
[6] O último caso “parece ser uma opção para admitir que a Ata de registro de preços possa se aproximar um pouco mais dos acordos quadro, com registro de preços e condições diferentes, mas a evolução dessa abertura ao procedimento auxiliar dependerá de uma regulamentação que supere eventual lacuna ou incerteza sobre a aplicação.” TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Pág. 482.
[7] “Nesse dispositivo, o legislador foi claramente influenciado pela Jurisprudência do TCU, segundo a qual, em licitações para registro de preços, a adjudicação por item deve ser percebida como regra geral, admitindo-se a aglutinação (em grupos) como medida excepcional, incompatível com a aquisição futura por itens.” TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Pág. 485.
[8] Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.047-de-3-de-maio-de-2021-317620354
[9] “Uma ata de registro de preços pode originar um contrato de fornecimento com vigência de 05 anos. A vigência da ata não se confunde com a vigência do contrato oriundo do certame estabelecido. Uma vez registrados preços relacionados a contratações caracterizáveis como fornecimentos contínuos, para os quais a Lei permite uma vigência diferenciada, não existe motivo para que tal duração seja tolhida, por ter a seleção se realizado através de SRP. A vigência limitada da ata não vincula a vigência da contratação realizada através dela. Para os contratos, a Lei estabeleceu regras próprias de vigência.” TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Pág. 495.
[10] BARCELOS, Dawison. A “barriga de aluguel” e as contratações públicas. 2022. Disponível em <http://www.olicitante.com.br/barriga-de-aluguel-contratacoes-publicas-tcu>
[11] No artigo O sistema de Registro de Preços: a União impõe suas regras., disponível na obra Nova Lei de Licitações: destaques importantes – Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021. 66 p. E-book. ISBN 978-65-5518-226-2.
[12] Disponível em https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/46299/8/Parecer_00211_2020_CONJUR_CGU_CGU_AGU.pdf
[13] MARRY, Michelle. A impossibilidade de Revisão e Reajuste na Ata de Registro de Preços: Um Mantra a ser superado. Disponível em: https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2021/12/Artigo-A-Impossibilidade-de-Revisao-e-Reajuste-na-Ata-de-Registro-de-Precos-Um-Mantra-a-Ser-Superado.pdf.
[14] Idem.