CONTRATAÇÃO DE VALE REFEIÇÃO E VEDAÇÃO DE TAXAS NEGATIVAS

Em vista das práticas de mercado, observa-se que certos objetos têm como forma de remuneração ao particular, além do valor pago a título de taxa de administração, outros valores complementares que geram lucro, como, por exemplo, as taxas de serviços cobradas de estabelecimentos conveniados, como ocorre em contratos relativos ao fornecimento de vale-refeição/alimentação. Por essa razão é que as empresas do ramo, ao disputarem entre si nas licitações públicas, costumam praticar taxas de administração zeradas ou até mesmo negativas, o que não é irregular.

Entretanto, no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, esse panorama foi alterado com a edição, pelo Ministério do Trabalho, da Portaria 1.287/2017[1], que vedou a adoção de taxas de serviço negativas.

E, em decorrência dessa Portaria adveio a Nota Técnica 45/2018, expedida para anunciar que “A entrada em vigor da Portaria nº 1.287/17 tem efeito imediato para seu cumprimento, independentemente se à data da publicação já estavam vigentes quaisquer contratos entre participantes do PAT, sejam estes por prazo determinado ou indeterminado.”

Não bastasse, assim, a polêmica gerada pela edição da referida Portaria – que inova na ordem jurídica por intermédio de ato inadequado, interfere na área econômica, prejudicando, ademais, a competitividade dos certames licitatórios – a Nota Técnica expedida posteriormente veio a estabelecer que os efeitos dessa alcançam até mesmo os contratos já firmados, o que causou ainda maior inquietude e perplexidade, uma vez que com isso restaram afetados atos jurídicos perfeitos, o que viola, consequentemente, o princípio da irretroatividade da lei e da segurança jurídica assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXVI).

A partir disso, foram impetrados diversos mandados de segurança contra essa Portaria, com pedido de liminar, requerendo, entre outros, a suspensão dos seus efeitos. Alguns deles[2] foram atendidos liminarmente apenas em parte, de modo a impedir que as impetrantes sofressem sanções em decorrência do descumprimento do referido ato normativo, especificamente no tocante a contratações já formalizadas.

O Tribunal de Contas da União, por sua vez, no Acórdão1.623/2018 – Plenário, acolhendo pedido do Ministério Público junto a Corte, determinou, cautelarmente, ao Ministério do Trabalho que se abstenha de exigir o cumprimento da Portaria 1.287/2017 em relação aos contratos da Administração e das entidades do Sistemas S já formalizados quando da sua entrada em vigor.

Atendendo a essa determinação o Ministério do Trabalho publicou o despacho que segue:

“DESPACHO DE 26 DE JULHO DE 2018
Processo: 46000.002689/2018-45
Interessado: Tribunal de Contas da União
Conforme todo exposto na Nota Técnica CGAT/AESAM nº128/2018, de lavra da Coordenação-Geral de Análise Técnica da Assessoria Especial de Apoio ao Ministro, bem como diante da decisão exarada pelo Tribunal de Contas da União nos autos do Processo TC 011.577/2018-5, que trata de Representação oferecida pelo Exmo. Sr. Procurador do Ministério Público junto ao TCU, DETERMINO à Secretaria de Inspeção do Trabalho que se abstenha de exigir a observância da Portaria nº 1.287/2017 em relação aos contratos firmados por entidades da administração pública federal e do Sistema S celebrados em data anterior ao início da vigência da citada portaria.”[3] (grifou-se)

Posteriormente, o TCU determinou a anulação da Portaria, através do Acórdão 2619/2018 – Plenário, nos seguintes termos:

“[ACÓRDÃO] VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação envolvendo a operacionalização do Programa de Alimentação do Trabalhador,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, com fulcro no art. 237, inciso VII e parágrafo único, do Regimento Interno, e diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da presente representação para, no mérito, considerá-la procedente;
9.2. determinar ao Ministério do Trabalho que, nos termos do art. 45 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, promova, no prazo de 15 (quinze) dias contado a partir da ciência desta deliberação, a anulação da Portaria MTb 1.287/2017;
9.3. dar ciência desta deliberação ao Ministério do Trabalho e ao representante;
9.4. autorizar o oportuno arquivamento dos autos.” (grifou-se)

Essa Corte de Contas, inclusive, tem determinado a rescisão de contratos e anulação de editais que tenham recepcionado os termos da malfadada Portaria:

“[ACÓRDÃO] 9.2. determinar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) , com fundamento no art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, que promova a anulação do Pregão Eletrônico 40/2018, uma vez que o edital recepcionou os efeitos da Portaria-MTb 1.287/2017, e informe ao TCU, no prazo de trinta dias, os encaminhamentos realizados;
9.3. dar ciência desta deliberação à representante e ao BNDES; e
9.4. encerrar os presentes autos, nos termos do art. 169, inciso V, c/c o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU.”[4] (grifou-se)

1.6.1.1. rescindir unilateralmente o contrato 8000010519 firmado junto à Sodexo Pass do Brasil Serviços e Comércio S.A. nos termos da cláusula 18 do instrumento, face à anulação da Portaria 1.287/2017 do MTb em decorrência do Acórdão-TCU 2.619/2018-Plenário, relator Ministro Benjamin Zymler, e em conformidade com os princípios da economicidade e da competitividade dispostos no art. 31 da Lei 13.303/2016;
1.6.1.2. contratar emergencialmente, nos termos do art. 30, § 3°, da Lei 13.303/2016, a prestação de serviços de gestão do benefício alimentação (cartões refeição/alimentação) dos empregados de Furnas com cláusula resolutiva vinculada à conclusão de novo procedimento licitatório e admitindo-se propostas com ofertas de taxas negativas, conforme jurisprudência do TCU: Decisão 38/1996-Plenário do Ministro-relator Adhemar Paladin, Acórdãos-TCU 1.034/2012, 1.757/2010, 552/2008, todos do Plenário e relatadas pelo Ministro Raimundo Carreiro; e
1.6.1.3. realizar novo certame para prestação de serviços de gestão do benefício alimentação (cartões refeição/alimentação) dos empregados de Furnas com possibilidade de adoção de taxas negativas, em conformidade com a jurisprudência do TCU: Decisão 38/1996-Plenário do Ministro-relator Adhemar Paladin, Acórdãos-TCU 1.034/2012, 1.757/2010, 552/2008, todos do Plenário e relatadas pelo Ministro Raimundo Carreiro;
1.6.2. encaminhar cópia do Acórdão-TCU 2.619/2018-Plenário à Furnas Centrais Elétricas S.A para conhecimento da decisão do TCU que determinou a anulação da Portaria 1.287/2017, do Ministério do Trabalho;
1.6.3. informar à Furnas Centrais Elétricas S.A. e ao representante que o conteúdo desta deliberação poderá ser consultado no endereço www.tcu.gov.br/acordaos; e
1.6.4. arquivar os presentes autos, nos termos do art. 250, I, c/c art. 169, V, do Regimento Interno/TCU, sem prejuízo de que a Selog monitore as determinações supra.”[5] (grifou-se)

Em que pese isso, no portal eletrônico do Ministério do Trabalho[6] (que recorreu do Acórdão 2619/2018 – Plenário, mas cujo julgamento encontra-se pendente) a Portaria segue publicada sem qualquer menção de que sua aplicabilidade está suspensa ou que o ato foi anulado.[7]

 


[1] “Art. 1º. No âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador, é vedada à empresa prestadora a adoção de práticas comerciais de cobrança de taxas de serviço negativas às empresas beneficiárias, sobre os valores dos créditos vinculados aos documentos de legitimação.”
[2] Outros tantos foram denegados pelo STJ, em virtude dessa Corte entender não ser cabível o mandado de segurança contra lei em tese, citando-se, nesse sentido, a seguinte decisão: MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.394 – DF (2018/0142804-2) RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES IMPETRANTE : COMPANHIA DE ÁGUAS E ESGOTOS DO RIO GRANDE DO NORTE ADVOGADOS : PAULO ROBERTO DE SOUZA LEÃO JUNIOR – RN008968 ANAK TARGINO DE ALMEIDA – RN010823 PAULO VICTOR CASTELO BRANCO LEITE – PB016553 IMPETRADO : MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO INTERES. : UNIÃO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA 1.287/2017, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE. PRETENSÃO CONTRA LEI EM TESE. NÃO CABIMENTO DO WRIT. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 266/STF. PEDIDO LIMINARMENTE INDEFERIDO. (STJ – MS: 24394 DF 2018/0142804-2, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 24/08/2018).
[3] D.O.U de 30/07/2018, Edição: 145, Seção: 1, p. 15.
[4] TCU. Acórdão 692/2019. Plenário.
[5] TCU. Acórdão de relação 142/2019. Plenário.
[6] Atual Secretaria do Trabalho, integrante do Ministério da Economia.

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