LEI 13.303. EMPRESAS ESTATAIS. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS. ADESÃO/CARONA.

Podem as empresas estatais aderir a atas de registro de preços promovidas por outras entidades e órgãos públicos não submetidos à Lei 13.303?
 
 
A adesão ou “carona, no Sistema de Registro de Preços (SRP), consubstancia-se na situação em que uma entidade ou órgão que não participou da licitação inicial do SRP (seja como gerenciador, seja como participante), requer, posteriormente, sua adesão à Ata decorrente do procedimento para efetivar suas contratações.

Tal procedimento sempre foi alvo de muitas críticas tanto por parte dadoutrina[1]como pelos tribunais de contas[2], visto que o seu emprego indiscriminadopode conduzir à burla do dever constitucional de licitar, previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal, na medida em que a adesão a atas de registro de preços, em sua essência, acaba por afastar a licitação naquelas hipóteses em que um órgão ou entidade que estaria obrigada a instaurá-la, deixa de fazê-lo para adquirir de uma ata já formalizada por ente diverso.

Apesar disso, a adesão é um procedimento comumente utilizado pelos órgãos e entidades públicas que realizam licitação para SRP, tendo previsão em normas infralegais, que regulamentam a matéria nas diversas esferas da Administração Pública.[3] Porém, por ser uma medida considerada de exceção, deve ser utilizada com cautela e adequadamente justificada, seja pelo ente que a admite em instrumento convocatório, seja pelo ente que tem a intenção de realizá-la (aderente).
Especificamente no caso das empresas estatais, a Lei 13.303/2016 trata do SRP nos seguintes termos:

“Art. 63. São procedimentos auxiliares das licitações regidas por esta Lei:
I – pré-qualificação permanente;
II – cadastramento;
III – sistema de registro de preços;
IV – catálogo eletrônico de padronização.
Parágrafo único. Os procedimentos de que trata o caput deste artigo obedecerão a critérios claros e objetivos definidos em regulamento.
(…)
Art. 66. O Sistema de Registro de Preços especificamente destinado às licitações de que trata esta Lei reger-se-á pelo disposto em decreto do Poder Executivo e pelas seguintes disposições:
§ 1º Poderá aderir ao sistema referido no caput qualquer órgão ou entidade responsável pela execução das atividades contempladas no art. 1º desta Lei.
§ 2º O registro de preços observará, entre outras, as seguintes condições:
I – efetivação prévia de ampla pesquisa de mercado;
II – seleção de acordo com os procedimentos previstos em regulamento;
III – desenvolvimento obrigatório de rotina de controle e atualização periódicos dos preços registrados;
IV – definição da validade do registro;
V – inclusão, na respectiva ata, do registro dos licitantes que aceitarem cotar os bens ou serviços com preços iguais ao do licitante vencedor na sequência da classificação do certame, assim como dos licitantes que mantiverem suas propostas originais.
§ 3º A existência de preços registrados não obriga a administração pública a firmar os contratos que deles poderão advir, sendo facultada a realização de licitação específica, assegurada ao licitante registrado preferência em igualdade de condições.” (grifou-se)

Do texto legal extrai o seguinte: i) que a adoção do SRP pelas empresas estatais depende de Decreto regulamentador expedido pelo Poder Executivo de cada esfera federativa – sendo que a matéria também deve ser objeto de regulamentação interna por cada estatal, em face do que prevê o art. 40 da Lei 13.303; e ii) que aos processos de SRP desencadeados por estatais apenas podem aderir/participar outras empresas estatais referidas no art. 1º da Lei 13.303.[4]

Ou seja, em processos voltados ao SRP realizados por empresas estatais, apenas podem dele integrar como participantes iniciais ou como participantes tardios (“caronas”) outras empresas estatais. Essa limitação, a nosso ver, se faz necessária tendo em vista que, com a edição da Lei 13.303, criou-se um regime de licitações e contratos novo e específicopara as empresas públicas e sociedades de economia mista, apropriado à sua natureza jurídica e atuação empresarial, excluindo-se “o regime tradicional de licitações, direcionado para a Administração Pública em geral, baseado na Lei n. 8.666/1993, na Lei n. 10.520/2002 (modalidade pregão) e na Lei n. 12.462/2012 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC)”[5].

E justamente por isso é que também não se entende viável a adesão por empresas estatais a atas de registros de preços formalizadas por outros órgãos e entidades da Administração Pública submetidos a regimes jurídicos distintos ao estabelecido pela Lei 13.303.

Com linha de raciocínio similar, a Controladoria-Geral da Uniãojá se posicionou de modo desfavorável à adesão por entidades do Sistema “S” a atas de registro de preços realizadas por órgãos e entidades da Administração Pública (e vice-versa), em face da incompatibilidade jurídica dos normativos a que se submetem cada um dos entes envolvidos (entendimento plenamente aplicável ao caso das estatais, em nosso ponto de vista):

“52. Os órgãos da Administração Pública Federal podem solicitar adesão a uma ARP cuja licitação tenha sido promovida por entidades integrantes do Sistema ‘S’?
Não há viabilidade jurídica para a adesão, por órgãos da Administração Pública, a atas de registro de preços relativas a certames licitatórios realizados por entidades integrantes do Sistema ‘S’, uma vez que estas últimas se sujeitam a regulamentos próprios e não estão obrigadas a cumprirem os dispositivos da Lei nº 8.666/1993. Da mesma forma, as entidades do Sistema ‘S’ não poderão aderir a ARP de órgãos da administração pública federal, uma vez que o Decreto nº 7.892/2013 não incluiu as entidades paraestatais.”[6] (grifou-se)

 

“34. As entidades do Sistema ‘S’ podem aderir à ata de registro de preço relativa a certame licitatório realizado por órgão da administração pública?
Não. Não cabe às entidades do Sistema ‘S’ aderirem à ata de registro de preços de órgãos da administração pública, haja vista os pressupostos legais emitidos pela Advocacia-Geral da União – AGU (Orientação Normativa nº 21, de 07/04/2009 e Portaria AGU nº 572, de 15/12/2011) os quais definem que para utilização do Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/1993, as entidades paraestatais deverão expedir regulamentos próprios, visto que o Decreto nº 3.931/2001 se aplica somente à Administração Pública.
Da mesma forma, releva destacar que não é cabível a órgãos da administração pública aderirem à ata de registro de preços de entidades integrantes do Sistema ‘S’, por não estarem os serviços sociais autônomos obrigados a cumprirem os dispositivos da Lei 8.666/93.
Ressalta-se que a possibilidade da adesão à ata de registro de preços realizado por outra Entidade do Sistema ‘S’ (carona) é permitida, desde que prevista no regulamento de licitações da entidade”.[7] (grifou-se)

Sabe-se, entretanto, que a questão comporta controvérsia. O TCU, por exemplo, em decisão mais recente, admitiu existir viabilidade de adesão pelas Entidades do Sistema “S” a atas de registro de preços da Administração Pública, quando existir previsão em seus regulamentos próprios.[8] Assim sendo, adotando-se tal posicionamento, pode ser defensável a adesão das estatais a atas de registro de preços formalizadas por outros órgãos e entidades da Administração Pública, no caso de haver previsão/permissão específica sobre o tema em seus regulamentos próprios (entendimento com o qual não corroboramos).

Mas mesmo nesses casos, a situação exige cautela, no sentindo de verificar a compatibilidade dos termos fixados no edital/ata a que se pretende aderir com o regime jurídico da Lei das Estatais, pois em muitos aspectos essa lei promoveu alterações significativas, a exemplo das cláusulas exorbitantes, que não são mais aplicáveis aos contratos celebrados por estas entidades.[9] Assim, se houver no edital do certame a que a estatal pretende aderir disposições não compatíveis com seu novo regime jurídico, a adesão, em nosso entender, se torna inviável, ainda que exista permissão no regulamento da empresa.


[1]Joel de Menezes Niebuhr assim assevera: “A figura do carona é ilegítima, porquanto por meio dela procede-se à contratação direta, sem licitação, fora das hipóteses legais e sem qualquer justificativa, vulnerando o princípio da isonomia, que é o fundamento da exigência constitucional que faz obrigatória a licitação pública.” (“Carona” em ata de registro de preços: atentado veemente aos princípios de direito administrativo. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC 143, jan. 2006)
[2]Nesse sentido, confira o Informativo de Licitações e Contratos nº 244/2015/TCU, Acórdão 1297/2015-Plenário: “3. O órgão gerenciador do registro de preços deve justificar eventual previsão editalícia de adesão à ata por órgãos ou entidades não participantes (‘caronas’) dos procedimentos iniciais. A adesão prevista no art. 22 do Decreto 7.892/13 é uma possibilidade anômala e excepcional, e não uma obrigatoriedade a constar necessariamente em todos os editais e contratos regidos pelo Sistema de Registro de Preços.”
[3]No âmbito federal, por exemplo, o SRP é regulamentado pelo Decreto nº 7892/2013.
[4]É como interpreta a doutrina:“O parágrafo primeiro indica que todos aqueles que contratam na sistemática da Lei n° 13.303/2016 têm a faculdade de utilizar o SRP. Nada obstante falar-se em órgão, fato é que empresas não têm órgãos na acepção administrativa do tema, e ainda que tivessem não são eles dotados de autonomia para escolher as regras a si aplicáveis.Deste modo, o que se infere do referido preceito é a possibilidade de as estatais se valerem de um sistema de registro de preços, que deve ser organizado pela Administração direta, sendo organizado pela via do Decreto. Note-se que as estatais não têm autonomia para, por si sós,  utilizarem desta sistemática, pois a Lei indica que isso deve ser feito pela Administração direta, a quem compete organizar as regras para a implementação dessas medidas.”GUIMARÃES, Bernardo Strobel (et. al). Comentários à Lei das Estatais (leu nº 13.303/2016). Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 371.
[5]NIEBUHR, Joel de Menezes. Aspectos Destacados do Novo Regime de Licitações e Contratações das Estatais. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/joel-de-menezes-niebuhr/aspectos-destacados-do-novo-regime-de-licitacoes-e-contratacoes-das-estatais>. Acesso em 12.07.2019.
[6]BRASIL. Controladoria-Geral da União – CGU. Sistema de Registro de Preços. Perguntas e Respostas. Ed. Revisada. Brasília, 2014, p. 46.
[7]BRASIL. Controladoria-Geral da União – CGU. Entendimentos do Controle Interno Federal sobre a Gestão dos Recursos das Entidades do Sistema “S”. Perguntas e Respostas. Ed. Revisada. Brasília, 2013, p. 22.
[8]“É irregular a adesão de entidades do Sistema S a atas de registro de preços de órgãos e entidades da Administração Pública, caso seus regulamentos próprios de licitações não prevejam tal possibilidade.” TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 324/2017.
[9]“Pela regra do artigo 68, os contratos das estatais não se subordinam ao regime jurídico de direito público, passando a sofrer o influxo do direito privado, com as prescrições da Lei n° 13.303/16 e das respectivas com as cláusulas contratuais.
Com o afastamento do regime jurídico de direito público e a incidência de regras de direito privado, a consequência imediata disto é a inaplicabilidade nas relações contratuais das estatais das denominadas cláusulas exorbitantes.” GUIMARÃES , Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Leis das estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 241.

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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