NA HIPÓTESE DE REMANESCENTE DE OBRA, EM DECORRÊNCIA DE RESCISÃO CONTRATUAL, É POSSÍVEL PARCELAR O OBJETO RESIDUAL EM CONTRATAÇÕES DISTINTAS?

É sabido que todas as contratações dos Serviços Sociais Autônomos devem ser devidamente planejadas em sua fase preparatória, de forma a atender ao princípio da eficiência, que impõe o uso racional e adequado dos recursos que administra, ocasião em que estudos e pesquisas devem ser feitos para a identificação da solução mais adequada ao atendimento do interesse a ser satisfeito, para após, pautadas nesses, se elaborar o competente termo de referência ou projeto básico detalhando o objeto pretendido (características e especificações mínimas, quantitativos, condições de execução e de pagamento, obrigações das partes, prazos etc.) e o seus custo estimado para todo o período da contratação, dentre outros.

Nesse sentido a determinação do Tribunal de Contas da União:

“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. com base no art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, determinar ao Sebrae/Nacional que:

(…)

9.3.1. estabeleçam, em seus normativos, procedimentos mínimos para o adequado planejamento das contratações, documentados nos autos dos respectivos processos, prevendo:

2.3.1.1. estudos técnicos preliminares que estabeleçam o diagnóstico situacional, a necessidade, os parâmetros para estabelecimento dos quantitativos e a análise das alternativas da contratação;

9.3.1.2. termo de referência ou projeto básico capaz de propiciar a definição, de forma precisa, suficiente e clara, do objeto a ser contratado, a definição dos métodos executivos, a estimativa dos prazos de execução e as obrigações do contratado, de forma a permitir a comparabilidade das propostas e a fiscalização da execução contratual;” [1]

E é na fase preparatória das contratações que compete à entidade, diante de objetos divisíveis, distintos, complexos ou compostos de parcelas de natureza diversas avaliar, frente a aspectos técnicos, econômicos e mercadológicos e pautada em estudo técnico prévio, a pertinência do parcelamento deles, com a finalidade de realizar um único procedimento licitatório contemplado todos os itens ou lotes[2] derivados da divisão feita – onde, em prol da economia processual, há a concentração de várias licitações num único procedimento, cada qual independente e autônomo[3] –, ou então um certame específico para cada item ou lote.

Essa a previsão do art. 7° do Regulamento:

Art. 7º. O parcelamento de obras, serviços e compras não ensejará a dispensa de licitação por valor, exceto quando o somatório das parcelas não ultrapassar o limite estabelecido nos incisos I, alínea “a”, e II, alínea “a” do artigo 6°, nem descaracterizará a modalidade de licitação pertinente.”

Dessa forma, embora as obras e serviços de engenharia devam ser planejados em sua totalidade[4] e usualmente sejam contratados de forma global para evitar descontinuidade, é crível, se técnica e economicamente vantajoso,[5] que determinadas parcelas desses, que guardem autonomia e possam ser executadas separadamente sem prejudicar ou obstar a realização do todo, sejam contratadas de forma independente. Mas, como regra, deve ser preservado em relação a essas parcelas o procedimento e a modalidade de licitação – quando utilizadas aquelas que levam em conta o valor (concorrência e convite) – pertinente ao total da despesa, a fim de não se recair no fracionamento indevido.

Bem por isso é que o art. 7° do Regulamento antes reproduzido estabelece que o parcelamento não pode ensejar a dispensa de licitação pelo valor ou descaracterizar a modalidade de licitação adequada e que o § § 2° e 5° do art. 23 da Lei 8.666/93 determinam que deve ser preservada, em caso de divisão do objeto, a modalidade cabível ao total do objeto, exceção sendo feita pela parte final do referido 5° do art. 23 da Lei 8.666/93, porém, para parcela de natureza específica que demande execução por especialista de área de atuação diversa. Ou seja, parcela de natureza específica, que exija execução por especialista de outra área, não precisa ser englobada, podendo ser contratada de forma isolada, até porque exigem a atividade de um profissional diferenciado.

Todavia, vencida a fase preparatória, com a tomada das decisões consideradas adequadas para o caso concreto, realizada a licitação na modalidade apropriada e formalizada a contratação dela decorrente, não cabe mais a rediscussão de tais aspectos.

Assim, seguindo a lógica traçada, se na fase preliminar o parcelamento do objeto não foi considerado adequado, descabe nessa ocasião dividi-lo, principalmente se o intuito for fugir da modalidade cabível para o total do empreendimento.

 

 

 


[1] TCU. Acórdão 3217/2014. Plenário.

[2] Assim prevendo a nova Lei 14.133/2021: “Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos: I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido; II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso; (…) § 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: (…) VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação;”.

[3] Consoante bem explana a doutrina: “A licitação por itens consiste na concentração, em um único procedimento licitatório, de uma pluralidade de certames, de que resultam diferentes contratos. A licitação por itens corresponde, na verdade, a uma multiplicidade de licitações, cada qual com existência própria e dotada de autonomia jurídica, mas todas desenvolvidas conjugadamente em um único procedimento, documentado nos mesmos autos. Poderia aludir-se a uma hipótese de ‘cumulação de licitações’ ou ‘licitações cumuladas’, fazendo-se paralelo com a figura da cumulação de ações conhecida no âmbito de Direito Processual”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 443-445) “A divisão da licitação em itens ou lotes/grupos por meio da publicação de um único edital atende à regra do parcelamento do objeto. Cada item ou lote/ grupo é considerado uma licitação separada, isolada das demais, com julgamento e adjudicação próprios, nada obstante integrem um só edital. A divisão da licitação em itens ou lotes/grupos, por meio de um único edital, cumpre o princípio da economicidade em razão da redução de despesas com publicações e da otimização das atividades administrativas que proporciona”. (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira, Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 1007)

[4] Dispondo a Lei 8.666/93: “Art. 8°. A execução das obras e dos serviços deve programar-se, sempre, em sua totalidade, previstos seus custos atual e final e considerados os prazos de sua execução”.

[5] O que deve ser avaliado em face do projeto básico e das soluções nele apontadas, bem como ser robustamente justificado.

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