PREGÃO. LC 123/2006. EMPATE FICTO: QUANDO HÁ A EXCLUSÃO DE LICITANTES DO CERTAME, HÁ A NECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE SOBRE A SITUAÇÃO DE EMPATE FICTO?

Como se sabe, para facilitar o acesso dos pequenos empresários ao grande mercado público, a Lei Complementar nº 123/2006 estabeleceu uma série de normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às ME e EPP, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que devem, independente de normativa própria, aplicar as regras constantes nesse Estatuto em suas contratações.
Esse tratamento diferenciado e favorecido incide tanto na fase de habilitação dos certames como na fase de julgamento das propostas.
Um dos mecanismos de preferência criados pela LC 123 se trata do empate ficto, que tem o intuito de oportunizar às micro e pequenas empresas, que estejam classificadas dentro de uma certa margem, o oferecimento de nova proposta de preço inferior ao da melhor classificada, quando esta tenha sido apresentada por uma média ou grande empresa. “Para efetivar esta preferência, a lei cria uma ficção jurídica adotando um conceito legal de empate, diverso do seu conceito jurídico”.[1] Vejamos os termos da LC 123/2006 a respeito:

Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.
§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.
Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma:
I – a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado;
II – não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito;
III – no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.
§ 1º Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame.
§ 2º O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte.
§ 3º No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.” (grifou-se)

No pregão, o empate ficto deve ser verificado após a conclusão da fase de lances, momento em que o pregoeiro deve promover a classificação dos proponentes, verificando se a melhor colocada se enquadra ou não como ME ou EPP e se é o caso de aplicação do empate ficto, o qual se configura naquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 5% superiores à proposta mais bem classificada (e apresentada por uma média ou grande empresa). Nesse caso, a ME ou EPP mais bem classificada terá o direito de apresentar, dentro do prazo de cinco minutos, nova proposta de preço inferior à primeira colocada. Nas palavras de Marçal Justen Filho, “será facultado à microempresa ou empresa de pequeno porte formular lance de desempate”.[2]
No pregão eletrônico essa verificação é feita, como regra, automaticamente pelo próprio sistema, citando-se, a título ilustrativo, as orientações constantes no Portal Licitações-e, do Banco do Brasil:

“Os entes públicos precisam cumprir o previsto na Lei Complementar 123/2006 e, para tanto, nos casos em que o processo for identificado para aplicação de tratamento diferenciado para MPE/EPP/COOP, após o encerramento do tempo randômico, se o vencedor não atender a esses requisitos, o sistema verificará automaticamente a existência de situação de empate, e habilitará para o pregoeiro a possibilidade e convocação do fornecedor para oferecimento de novo lance, sempre inferior ao lance vencedor durante a disputa, no tempo decadencial de 5 minutos.”[3] (grifou-se)

Porém, havendo a desclassificação do primeiro proponente, uma nova ordem de classificação deve ser promovida, para que o pregoeiro analise as propostas subsequentes, conforme dispõe a Lei 10.520:

“Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
(…)
XVI – se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subsequentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor”.

Nesse caso, em que há uma nova classificação, em face da exclusão da proposta melhor classificada, entende-se que deve o pregoeiro reanalisar a questão do direito de preferência a ser concedido às demais ME e EPP que possam estar, agora, em situação de empate ficto.
Nesse sentido, a opinião de Joel de Menezes Niebuhr e Pedro de Menezes Niebuhr:

“De acordo com a consulta, a microempresa ou empresa de pequeno porte ofereceu proposta superior a 5% do valor da proposta do primeiro colocado, por efeito do que não se desenhou, em princípio, o aludido direito de preferência.
Entretanto, com a desistência do primeiro colocado, desenha-se o direito de preferência da microempresa ou empresa de pequeno porte em relação à proposta do segundo colocado.
A pergunta é se nesse caso a microempresa ou empresa de pequeno porte faz jus ao direito de preferência.
Parece-nos que sim.
A Lei Complementar nº 123/06 não é clara. Ela não trata diretamente desta questão.
Entretanto, se o primeiro colocado desistiu da licitação, a proposta do então segundo colocado passa a ser a mais bem classificada, a teor do que preceitua o § 1º do artigo 44 da Lei Complementar nº 123/06.
Se a proposta da microempresa ou empresa de pequeno porte, no caso do pregão, não supera em 5% a proposta do então segundo colocado, que é atualmente a mais bem classificada, desenha-se o chamado empate ficto e, pois, a microempresa e empresa de pequeno porte faz jus ao direito de preferência.
Se o sistema do Banco do Brasil não dispõe desse recurso, o consulente deve entrar em contato com os operadores responsáveis por ele e sugerir que ele seja adaptado. Enquanto isso não ocorrer, ele poderá conceder o direito de preferência por meio do chat.”[4] (grifou-se)

Exprime o mesmo raciocínio, o seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

“1) DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO MODALIDADE PREGÃO. MICROEMPRESA LICITANTE.EMPATE FICTO (ART. 44 E 45 LC 123/06) ENTRE DUAS CONCORRENTES HABILITADAS. DIREITO SUBJETIVO À OFERTA DE LANCE VERBAL. a) Ocorrendo o empate ficto nos termos dos art. 44 e 45 da LC 123/06 (proposta apresentada até 5% superior à melhor oferta), é direito subjetivo da microempresa apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora e assim, ter adjudicado em seu favor o objeto licitado. b) A verificação da ocorrência de empate ficto deve considerar as propostas ‘regulares’, isto é, de licitantes que podem, efetivamente, ter o objeto do contrato adjudicado para si, conhecíveis, portanto, somente após o julgamento dos recursos eventualmente interpostos contra seus credenciamentos ou habilitações. c) A exclusão definitiva de 7 das 9 licitantes por força de acolhimento de recurso implica na desconsideração, para quaisquer fins, dos lances por elas ofertados, não havendo que se falar em preclusão da fase de lances verbais para superação de empate ficto só porque, antes da exclusão dos ‘irregulares’, não se configurara tal hipótese. 2) AGRAVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.”[5] (grifou-se)

Portanto, após a fase de lances, sempre que houver a exclusão de licitante do certame, seja por desclassificação da proposta ou por inabilitação, deve a Entidade promover nova classificação das proponentes restantes e verificar em face da proposta provisoriamente melhor classificada se não há micro ou pequenas empresas em situação de empate ficto para que elas sejam convocadas a exercer seu direito de preferência.


[1] SANTOS, José Anacleto Abduch. Licitações e o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2015, p. 96.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão. Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 6. ed. rev. atual. São Paulo: Dialética, 2013, p. 114.
[3] Disponível em <http://www.licitacoes-e.com.br/aop/documentos/CartilhaComprador.pdf>. Acesso em 27.06.2019.
[5] TJ-PR – AI: 12109825 PR 1210982-5 (Acórdão), Relator: Leonel Cunha, Data de Julgamento: 21/10/2014, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1452 11/11/2014.

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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