REPACTUAÇÃO DE CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA

José Anacleto Abduch Santos, Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Administrativo pela UFPR, Prof. do UNICURITIBA. Coordenador do curso de especialização em licitações e contratos administrativos do UNIBRASIL

Introdução

A Constituição Federal preceitua no art. 37, XXI que é assegurada aos contratantes a manutenção das condições efetivas das propostas apresentadas no processo licitatório. Este preceito constitucional contém o princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.

Quando da aceitação de uma proposta no processo da licitação forma-se a equação econômico-financeira do contrato futuro, que é a relação original entre os encargos do contratado e a remuneração a que fará jus para se desincumbir de tais encargos. Esta relação entre encargos e remuneração deve se manter equilibrada ao longo de toda a execução contratual.

Ocorre que, no curso da execução de um contrato administrativo, diversos fatores podem produzir desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato. A inflação, as alterações contratuais, fato do príncipe, fato da administração ou eventos da economia (superinflação, supervalorização cambial, caso fortuito, força maior) podem desequilibrar a equação econômico financeira do contrato, aumentando ou diminuindo encargos ou aumentando ou diminuindo a remuneração do contratado. O desequilíbrio igualmente pode ocorrer em favor ou desfavor da própria Administração Pública.

Sempre que a equação econômico-financeira do contrato for desequilibrada de modo significativo deve haver sua recomposição, pelos instrumentos do reajuste ou da revisão.

O texto objetiva analisar os aspectos elementares e fundamentais do reajuste pela via da repactuação dos contratos de prestação de serviços terceirizados que demandem a dedicação exclusiva de mão de obra para serem executados.

O desequilíbrio da equação econômico financeira do contrato em razão de evento relativo à álea econômica ordinária

A variação de preços e de custos de insumos ou de mão de obra é natural em uma economia de mercado. A variação normal, gradual e rotineira dos preços é denominada de inflação. Embora em situação de normalidade a variação inflacionária não produza aumento muito significativo de preços no curto prazo, a médio e longo prazo este aumento gradual pode impactar na economia interna dos contratos em geral e dos contratos administrativos em especial.
Esta variação de preços então, deve ser compensada na relação contratual. A via adequada para a recomposição da equação econômico-financeira do contrato violada pela inflação é o reajuste contratual.

A Lei nº 8.66/93 expressamente prevê no art. 40, XI que o edital deve prever o “critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela” e que, nos temos do disposto no art. 55, III é clausula necessária do contrato a que disponha sobre “os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços’.

Os contratos devem conter, nos termos da Lei, disposições versando sobre o reajuste de preços destinado a compensar a variação inflacionária.

O reajuste contratual em sentido estrito

Como dito, o reajuste é instrumento de recomposição da equação econômico-financeira do contrato violada por força da inflação. Pode ocorrer com base em um índice de medição da variação inflacionária, de caráter geral (INPC, IPCA, dentre outros) ou de caráter setorial (custo unitário básico CUB da construção civil divulgado periodicamente pelo SINDUSCON, por exemplo); ou, o reajuste pode ocorrer de acordo com a variação efetiva de custos de insumos e de mão de obra, geralmente no caso de contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra. Nesta hipótese se denomina o reajuste de repactuação.

O reajuste somente pode ocorrer com periodicidade mínima de doze meses, de acordo com o disposto na Lei nº 10.192/01.[1] O termo inicial da contagem do prazo de doze meses é a data limite para a apresentação da proposta no processo licitatório ou no processo de contratação direta ou do orçamento a que essa se referir.[2]

O Decreto Federal nº 9507/18 estabelece que:

Art. 13 O reajuste em sentido estrito, espécie de reajuste nos contratos de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, consiste na aplicação de índice de correção monetária estabelecido no contrato, que retratará a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais.
§ 1º É admitida a estipulação de reajuste em sentido estrito nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano, desde que não haja regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

O reajuste em sentido estrito é espécie de reajuste que se utiliza em caso de contratos de prestação de serviços em que não haja a dedicação exclusiva de mão de obra.

Contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra

Os contratos de prestação de serviços podem ser celebrados com ou sem dedicação exclusiva de mão de obra.

Nos termos da Resolução nº 169/13 do Conselho Nacional de Justiça “considera-se dedicação exclusiva de mão de obra aquela em que o Edital de Licitação e anexos (Termo de Referência ou Projeto Básico e minuta de contrato) por via de regra estabelecem que a contratada deve alocar profissionais para trabalhar continuamente nas dependências do órgão, independentemente de o edital indicar perfil, requisitos técnicos e quantitativo de profissionais para a execução do contrato, sendo que a atuação simultânea devidamente comprovada de um mesmo empregado da contratada em diversos órgãos e/ou empresas descaracteriza a dedicação exclusiva de mão de obra”.[3]

Por seu turno, a Instrução Normativa nº 05/2017[4] preceitua que “os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra são aqueles em que o modelo de execução contratual exija, dentre outros requisitos, que: I – os empregados da contratada fiquem à disposição nas dependências da contratante para a prestação dos serviços; II – a contratada não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; e III – a contratada possibilite a fiscalização pela contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos”.[5]

Quando pactuados com dedicação exclusiva de mão de obra, o reajuste dos contratos deve ocorrer por intermédio da repactuação consoante já deliberou o Tribunal de Contas da União:

O instituto da repactuação de preços aplica-se apenas a contratos de serviços continuados prestados com dedicação exclusiva da mão de obra.[6]

A repactuação de preços aplica-se apenas às contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra e ocorre a partir da variação dos componentes dos custos do contrato, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto 2.271/97, devendo ser demonstrada analiticamente, de acordo com a Planilha de Custos e Formação de Preços.[7]

A este propósito, cabe destacar a norma contida no art. 7º do Decreto Federal nº 9.507/18, importante referência sobre o tema, mesmo para órgãos e entidades que não tem submissão a ele:

Art. 7º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos convocatórios que permitam:
I – a indexação de preços por índices gerais, nas hipóteses de alocação de mão de obra;

Aspectos relevantes do planejamento do contrato no que tange ao reajuste por intermédio da repactuação

A repactuação envolve a recomposição de custos de duas naturezas diversas: custo dos insumos necessários à execução contratual e custo da mão de obra que será alocada para a prestação dos serviços.

A configuração correta do planejamento da licitação destinada à contratação de  serviços que envolvam dedicação exclusiva de mão de obra não pode prescindir da correta elaboração do orçamento estimativo, que será a base para a oferta de propostas pelos licitantes, que, por seu turno, será a base para configuração da equação econômico-financeira do contrato.

A elaboração do orçamento estimativo da futura contratação, no caso de contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra deve ser elaborado em duas etapas ou fases distintas.

A primeira delas diz respeito ao orçamento estimativo dos insumos que serão necessários para a devida prestação de serviços. Os orçamentos estimativos de compras e serviços em geral, que não sejam de engenharia, devem ser realizados a partir de uma ampla pesquisa de mercado, ou, no dizer do Tribunal de Contas da União, considerando uma “cesta de preços”:

As estimativas de preços prévias às licitações devem estar baseadas em cesta de preços aceitáveis, tais como os oriundos de pesquisas diretas com fornecedores ou em seus catálogos, valores adjudicados em licitações de órgãos públicos, sistemas de compras (Comprasnet) , valores registrados em atas de SRP, avaliação de contratos recentes ou vigentes, compras e contratações realizadas por corporações privadas em condições idênticas ou semelhantes.[8]

Na “cesta de preços” de que trata o TCU devem integrar preços apurados junto a fornecedores, preços de produtos ou serviços similares já contratados antes pelo órgão ou entidade; preços de produtos ou serviços similares já contratados antes por outros órgão ou entidades públicas ou empresas do setor privado; preços constantes dos sistemas eletrônicos de compras; preços de produtos ou de serviços registrados em atas de registro de preços vigentes; outros meios de aferição de preços que o órgão ou entidade entenda pertinente. Os preços pesquisados devem ser objeto de tratativa técnica ou de cálculo estatístico, de modo a possibilitar o encontro do preço de referência, que se obtido da forma correta reflitirá o preço de mercado do bem ou do serviço.

No que diz respeito ao orçamento estimativo dos custos de mão de obra, que terá dedicação exclusiva na execução do contrato,  base para a sua elaboração são a convenção coletiva de trabalho, o acordo coletivo de trabalho ou a sentença normativa deduzida em processo de dissídio coletivo de trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõe no art. 611 que convenção coletiva de trabalho é “o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho”. Em suma, a convenção coletiva de trabalho é um acordo entre sindicato ou sindicatos de empregados e sindicato ou sindicatos de empregadores.[9]

As disposições de convenção coletiva de trabalho operam efeitos em relação a todos em filiados dos sindicatos representativos de que trata a Lei,

Os acordos coletivos de trabalho são pactos negociais celebrados entre um sindicato de trabalhadores e uma ou mais empresas.[10]

 Acordos coletivos de trabalho produzem efeitos somente entre as partes que participaram das negociações que os produziram, não se aplicando a todas as categorias indistintamente – envolvem os trabalhadores da empresa que o celebrou e o sindicato a que estão filiados os respectivos trabalhadores.

Por fim, a sentença normativa é a decisão proferida em sede de processo de dissídio coletivo de trabalho de competência dos Tribunais Regionais do Trabalho ou do Tribunal Superior do Trabalho. A sentença normativa cria normas relativas a uma determinada e específica relação de trabalho e a uma específica categoria sindical.

Para a elaboração do orçamento estimativo dos custos de mão de obra com dedicação exclusiva em contratos de prestação de serviços é fundamental o levantamento das normas que regem as relações de trabalho que serão envolvidas na execução do contrato futuro. Para tanto, é preciso identificar a categoria profissional, ou categorias profissionais[11] dos empregados que serão alocados no trabalho contratado, de modo a balizar a formação dos preços de referência.

Como regra geral a categoria profissional do empregado deve corresponder à atividade preponderante da empresa. Assim, se a empresa tem como atividade econômica principal os serviços de limpeza, por exemplo, a categoria profissional dos seus empregados será vinculada a esta atividade, ao sindicato correspondente, e submetida a acordos ou convenções coletivas de trabalho a ela inerentes.

Contudo, há exceção a esta regra geral, que deve ser observada quando do planejamento da licitação e do contrato futuro. São as denominadas categorias profissionais diferenciadas nos termos do disposto no art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 511
§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.

À guisa de exemplo, tome-se uma empresa cuja atividade preponderante é a de prestação de serviços de limpeza. A categoria profissional dos empregados desta empresa será correspondente à atividade de limpeza. Esta empresa, porém, pode ter relações de trabalho com profissionais de áreas distintas, como motoristas ou secretárias dentre outras. Caso estes profissionais exerçam funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares integram categoria profissional diferenciada.

Estes profissionais que integram a denominada categoria profissional diferenciada se submetem, ou podem se submeter, a acordos ou convenções coletivas de trabalho próprias, independentes e autônomas em relação à categoria profissional genérica dos empregados da empresa.

Para a formação dos preços de referência de contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra é preciso então, identificar qual a categoria profissional dos empregados que serão alocados na prestação dos serviços, e, aferir acerca da existência de eventual categoria profissional diferenciada.

As disposições e direitos dos trabalhadores previstas em acordos ou convenções coletivas de trabalho ou em sentença normativa devem ser observadas para a composição dos preços de referência, de modo a possibilitar o correto julgamento das propostas quando da licitação.

Atente-se para o disposto na Súmula 374 do Tribunal Superior do Trabalho sobre a abrangência de norma coletiva de categoria profissional diferenciada:

Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.

Nos termos da referida súmula, o empregador somente está obrigado ao cumprimento de convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo de trabalho de categoria profissional diferenciada se o sindicato que a representa (a empregadora) participou da negociação coletiva que gerou a norma coletiva (CCT ou ACT). Se o órgão de classe da empresa não teve representatividade no processo de negociação coletiva que gerou a norma coletiva, não é ela obrigada a conceder vantagens previstas na convenção ou acordo coletivo da categoria profissional diferenciada.

Identificada a norma coletiva que rege a categoria profissional dos empregados que serão alocados na futura contratação, bem como eventual existência de categoria profissional diferenciada, a Administração Pública extrairá dela – da norma coletiva – as informações sobre direitos dos trabalhadores, de modo a orientar a elaboração do instrumento convocatório.

Os pisos salariais das categorias profissionais definidos em acordo ou convenção coletiva de trabalho devem ser respeitados quando da elaboração do orçamento estimativo da contratação. Caso não haja definição de piso salarial em norma coletiva, acordo ou convenção coletiva de trabalho, o valor dos salários dos trabalhadores para fins de elaboração de orçamento estimativo deve ser apurado no mercado específico em que se insere a atividade econômica, a partir de ampla pesquisa de mercado.

Importante destacar que, seja para fins de elaboração de orçamento estimativo, seja para fins de posterior repactuação do contrato, já está consolidado o entendimento no sentido de que a “administração pública não se vincula às disposições estabelecidas em acordos, dissídios ou convenções coletivas de trabalho que tratem de: I – pagamento de participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados da empresa contratada; II – matéria não trabalhista, ou que estabeleçam direitos não previstos em lei, tais como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários; e III – preços para os insumos relacionados ao exercício da atividade”.[12]

O orçamento estimativo correto da contratação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra é fundamental instrumento para (i) orientar a elaboração e apresentação de propostas de preço na licitação que sejam ajustadas ao mercado, aceitáveis e exequíveis; (ii) estabelecer os fundamentos para que a proposta de preço aceita na licitação constitua um referencial adequado para as repactuações no curso da execução do contrato.

Questão que se posta, é se a Administração Pública poderia estabelecer, no orçamento estimativo, um valor de salário acima do piso estabelecido em convenção ou acordo coletivo de trabalho para os empregados que executarão os serviços a serem contratados. O Tribunal de Contas da União, ao enfrentar o tema dispôs que é possível exigir piso salarial mínimo acima daquele estabelecido em convenção coletiva de trabalho desde que o gestor público comprove que os valores fixados no instrumento convocatório da licitação são compatíveis com os preços pagos pelo mercado para serviços com tarefas de complexidade similar. [13]

Com relação às propostas de preços a serem apresentadas pelos licitantes, o Tribunal de Contas da União já deliberou que devem indicar expressamente, de forma clara e precisa o sindicato, acordo ou sentença normativa que rege a categoria do profissional que executará o serviço, com base na classificação brasileira de ocupações (CBO).[14] O instrumento convocatório deve conter esta exigência.

A periodicidade da repactuação

A repactuação é espécie de reajuste que somente pode ocorrer com periodicidade mínima de um ano. A Lei nº 10.192/01 estatui que os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. A periodicidade anual nos contratos de que será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.

O termo inicial da contagem do prazo de 12 meses será, então, (i) a data limite para a apresentação da proposta no processo da licitação; ou (ii) a data dos orçamentos que foram utilizados pelos licitantes para elaborar sua proposta no processo licitatório.

No caso de contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União o Decreto nº 9705/18 indica, no art. 12, que o termo inicial da contagem do prazo de 12 meses para fins de repactuação será a data dos orçamentos para os quais a proposta dos licitantes se referir.[15]

Os órgãos e entidades públicas que não se submetam às normas do referido decreto, ou que não contem com normas gerais próprias, deverão desde logo indicar no instrumento convocatório expressamente qual data será considerada para fins de contagem do prazo de doze meses para fins de repactuação.

A repactuação de contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, em razão de suas particularidades, deve ocorrer em relação ao custo dos insumos, e em relação ao custo da mão de obra, de modo autônomo e independente.

A contratação de serviços pode envolver diversas categorias profissionais, com datas base de convenção ou acordo coletivo de trabalho diversas. A Instrução Normativa nº 05/17[16] indica que a “repactuação poderá ser dividida em tantas parcelas quanto forem necessárias, em respeito ao princípio da anualidade do reajuste dos preços da contratação, podendo ser realizada em momentos distintos para discutir a variação de custos que tenham sua anualidade resultante em datas diferenciadas, tais como os custos decorrentes da mão de obra e os custos decorrentes dos insumos necessários à execução do serviço”, e que “quando a contratação envolver mais de uma categoria profissional, com datas-bases diferenciadas, a repactuação deverá ser dividida em tantos quanto forem os Acordos, Convenções ou Dissídios Coletivos de Trabalho das categorias envolvidas na contratação”.[17]

Tem-se então, que haverá uma repactuação destinada a reajustar o custo dos insumos envolvidos na execução do contrato, e, poderá haver múltiplas repactuações, cada uma em relação a uma das categorias profissionais envolvidas na execução do contrato.

É certo que a repactuação relativa à mão de obra será feita com base na variação efetiva do custo dela expressada nas convenções ou acordos coletivos de trabalho, sendo vedada por disposição normativa expressa a repactuação deste custo com base em índices gerais ou específicos previstos no contrato.

No que diz respeito à variação de custos dos insumos necessários à execução do contrato, é possível defender que a repactuação pode operar pela aplicação de índice pré-estabelecido no contrato ou no instrumento convocatório. Esta solução já vem sendo adotada por inúmeros órgãos ou entidades públicas.

Este critério híbrido foi adotado por algumas empresas estatais quando da elaboração de seus regulamentos internos.[18] Por este modo híbrido tem-se que (i) os componentes de custos envolvendo mão de obra serão repactuados com base na variação analítica desses componentes determinada pelo Acordo, Convenção ou Dissídio Coletivo de Trabalho superveniente; e (ii) os componentes de custos envolvendo insumos e materiais serão reajustados com base em índices oficiais, previamente definidos no instrumento convocatório e no contrato.

Efetivada a primeira repactuação, os novos valores contratuais dela decorrente terão suas vigências iniciadas (i) a partir da ocorrência do fato gerador que deu causa à repactuação, como regra geral; (ii) em data futura, desde que acordada entre as partes, sem prejuízo da contagem de periodicidade e para concessão das próximas repactuações futuras; ou (iii) em data anterior à ocorrência do fato gerador, exclusivamente quando a repactuação envolver revisão do custo de mão de obra em que o próprio fato gerador, na forma de Acordo, Convenção ou Dissídio Coletivo de Trabalho, contemplar data de vigência retroativa, podendo esta ser considerada para efeito de compensação do pagamento devido, assim como para a contagem da anualidade em repactuações futuras. Os efeitos financeiros da repactuação deverão ocorrer exclusivamente para os itens que a motivaram e apenas em relação à diferença porventura existente.[19]

A formalização da repactuação

A Lei nº 8.666/93 consigna que “a variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento”.[20] A repactuação, como espécie de reajuste, não demanda formalização pela via do termo aditivo. Formaliza-se por mera apostila ou registro formal no processo da contratação.

Diversamente do que ocorre no caso do reajuste em sentido estrito, que ocorre pela aplicação de índice de medição da variação inflacionária já previsto no contrato, a repactuação demanda prova efetiva da variação dos custos. Esta prova deve ser feita pelo contratado, em requerimento especificamente destinado à repactuação.

Em breve roteiro (i) o contratado requer a repactuação para o contratante público; (ii) com o requerimento junta os documentos probatórios da variação dos custos dos insumos ou dos produtos utilizados para a prestação dos serviços, bem como da variação do custo da mão de obra; (iii) a Administração contratante afere os documentos e comprova e efetiva variação de custos.

A repactuação somente deve ser concedida mediante a comprovação pelo contratado do aumento dos custos, considerando-se (i) os preços praticados no mercado ou em outros contratos da Administração; (ii) as particularidades do contrato em vigência; (iii) a nova planilha com variação dos custos apresentada; e (iv) indicadores setoriais, tabelas de fabricantes, valores oficiais de referência, tarifas públicas ou outros equivalentes.[21]

Provada a variação efetiva dos custos dos insumos e produtos e da mão de obra, será concedida a repactuação e modificado o valor do contrato.

A preclusão lógica do direito de repactuação

O Tribunal de Contas da União concebeu uma tese no sentido de que, se o contratado formaliza a prorrogação de um contrato de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, sem requerer a sua repactuação, opera a preclusão e com ela desaparece a possibilidade de repactuar:

A partir da data em que passou a viger as majorações salariais da categoria profissional que deu ensejo à revisão, a contratada passou deter o direito à repactuação de preços. Todavia, ao firmar o termo aditivo de prorrogação contratual sem suscitar os novos valores pactuados no acordo coletivo, ratificando os preços até então acordados, a contratada deixou de exercer o seu direito à repactuação pretérita, dando azo à ocorrência de preclusão lógica.[22]

Ocorre preclusão lógica do direito à repactuação de preços decorrente de majorações salariais da categoria profissional quando a contratada firma termo aditivo de prorrogação contratual sem suscitar os novos valores pactuados no acordo coletivo, ratificando os preços até então acordados.[23]

Percebe-se  que no entender do Tribunal de Contas da União, a repactuação é espécie de direito disponível, que se não exercido em determinado prazo, implica forma de renúncia tácita por parte de seu titular.

A IN nº 05/17 contém norma expressa, no art. 57, §7º, determinando que “as repactuações a que o contratado fizer jus e que não forem solicitadas durante a vigência do contrato serão objeto de preclusão com a assinatura da prorrogação contratual ou com o encerramento do contrato”.

Conclusões
1. Os contratos administrativos tem uma equação econômico-financeira – relação entre os encargos do contratado e a contraprestação pecuniária a que faz jus para se desincumbir das obrigações contratuais;
2. Esta relação entre os encargos contratuais e a remuneração do contratado deve se manter equilibrada durante a execução do contrato;
3. A variação inflacionária é um fator que desequilibra a equação econômico financeira do contrato, que deve ser recomposta e reequilibrada;
4. O instrumento para a recomposição da equação econômico-financeira do contrato, violada pela inflação, é o reajuste contratual;
5. O reajuste contratual pode se dar por aplicação de índice de variação inflacionária previsto no instrumento convocatório e no contrato (reajuste em sentido estrito), ou por compensação de variação efetiva de custos de insumos, produtos e de mão de obra (repactuação);
6. A repactuação é instrumento para promover o reajuste de contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra;
7. Na etapa do planejamento de um contrato de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração Pública deve identificar as categorias profissionais a que pertencem os trabalhadores que serão alocados na prestação dos serviços;
8. Devem ser identificadas as normas coletivas (convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, ou sentença normativa) a que estão ou estarão sujeitos os empregados da empresa que prestará os serviços a serem contratados;
9. O instrumento convocatório deve conter exigência de que os licitantes indiquem as categorias profissionais dos trabalhadores que serão alocados na prestação dos serviços, bem como a quais convenção ou acordo coletivo de trabalho estão ou estarão vinculados;
10. A periodicidade mínima para a repactuação é de doze meses, contados da data limite para a apresentação das propostas no processo licitatório, ou da data dos orçamentos utilizados para a elaboração das propostas;
11. A repactuação deve ser requerida pelo contratado e a Administração Pública deve aferir a efetiva variação do custo dos insumos e da mão de obra para conceder o reajuste pleiteado. Para tanto pode realizar diligências, quando necessário;
12. A repactuação não precisa ser formalizada por termo aditivo, podendo ser objeto de mera apostila no processo de gestão contratual;
13. De acordo com o entendimento do Tribunal de Contas da União, caso o contratado não formalize o requerimento de repactuação e firme termo aditivo sem suscitar os novos valores pactuados em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, ratificando os preços até então acordados, opera a preclusão lógica e desaparece o direito de reajuste. 


[1]  Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.
§ 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.
§ 2o Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido.
§ 3o Ressalvado o disposto no § 7o do art. 28 da Lei no 9.069, de 29 de junho de 1995, e no parágrafo seguinte, são nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual.
[2] Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
§ 1o A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.
 
[3] Art. 1º, § 1º.
[4] Editada pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
[5] Art. 17.
[6] Acórdão 1488/2016 Plenário, Monitoramento, Relator Ministro Vital do Rêgo.
[7] Acórdão 1574/2015-Plenário, TC 033.286/2014-0, relator Ministro Benjamin Zymler, 24.6.2015.
[8] Acórdão 2637/2015-Plenário, TC 013.754/2015-7, relator Ministro Bruno Dantas, 21.10.2015.
[9] Nos termos da Recomendação 91 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, convenção coletiva é “todo acordo escrito relativo às condições de trabalho e de emprego, celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores, de um lado, e, de outro, uma ou várias organizações representativas de trabalhadores, ou, na falta dessas organizações, representantes dos trabalhadores interessados por eles devidamente eleitos e credenciados, de acordo com a legislação nacional”
[10] O art. 611, § 1º da CLT preceitua que “é facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar acordos coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”.
[11] Categoria profissional é o conjunto de empregados que, em virtude do exercício de uma mesma atividade de trabalho ou profissão, possuem interesses jurídicos e econômicos próprios e coincidentes. (http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/sindicato.htm)a
[12] Decreto Federal nº 9.507/18, art. 9º.
[13] Acórdão nº 2578/19.
[14] Acórdão nº 1501/18.
[15] Art. 12. Será admitida a repactuação de preços dos serviços continuados sob regime de mão de obra exclusiva, com vistas à adequação ao preço de mercado, desde que:
I – seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos para os quais a proposta se referir;
[16] Da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
[17] Art. 54, §§ 2º e 3º.
[18] Por exemplo, o regulamento interno de licitações e contratos da Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul S.A. – SANESUL.
[19] Este é o tratamento dado à questão pela IN nº 05/17, no art. 58. Embora este tratamento não esteja previsto em Lei, sugere-se que o instrumento convocatório e o contrato firmado disponham neste sentido sobre a matéria.
[20] Art. 65,§ 8º.
[21] IN nº 05/17, art. 57, § 2º.
[22] Acórdãos 1827/2008 e 1828/2008.
[23] Acórdão 1601/2014-Plenário, TC 020.970/2010-2, relator Ministro Benjamin Zymler, 18.6.2014.

José Anacleto Abduch Santos

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A discricionariedade administrativa é um princípio fundamental no Direito Administrativo, permitindo ao agente um espaço para tomar decisões que atendam […]

18 de novembro de 2024