À LUZ DA LEI 8.666/93, CONSIDERANDO QUE O PRAZO DE VIGÊNCIA NO CONTRATO CONSTOU DE FORMA EQUIVOCADA, E QUE SUA ALTERAÇÃO NÃO ACARRETARÁ QUALQUER MUDANÇA NA SUBSTÂNCIA DO CONTRATO, QUAL O INSTRUMENTO ADEQUADO PARA A CORREÇÃO DESSE ERRO MATERIAL?

Preliminarmente, é relevante destacar que a Administração deve ter cautela na elaboração do instrumento contratual a ser celebrado, verificando, sempre, a exatidão das informações nele inseridas, lembrando que estas são vinculadas às disposições do instrumento convocatório e da proposta vencedora, evitando, assim, equívocos que possam caracterizar algum vício que culmine até mesmo na nulidade da contratação. Ou seja, cabe ao ente contratante, antes de firmar o termo que irá reger a contratação durante toda a sua execução, apurar se as informações nele constantes estão corretas e em consonância ao instrumento convocatório ou autorização para a contratação direta, conforme o caso, e à proposta selecionada, na linha do que dispõe a Lei nº 8.666/93:

“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

(…)
Art. 54.  Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

§ 1º Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.

§ 2º Os contratos decorrentes de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem atender aos termos do ato que os autorizou e da respectiva proposta.” (grifou-se)

Pois bem. Uma vez adotadas as cautelas necessárias e celebrado o contrato, este somente pode ser modificado dentro dos limites legais, mediante a apresentação das devidas justificativas e com a formalização de competente termo aditivo. É como disciplina a Lei nº 8.666/1993:

“Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
(…)
§ 2o Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.
(…)
Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem.

Parágrafo único.  É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a” desta Lei, feitas em regime de adiantamento.

Art. 61.  Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus representantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua lavratura, o número do processo da licitação, da dispensa ou da inexigibilidade, a sujeição dos contratantes às normas desta Lei e às cláusulas contratuais.

Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.   (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
(…)

Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

I – unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
II – por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”

Destarte, verifica-se que o erro apontado na questão proposta não se enquadra nas hipóteses de alteração contratual, vez que o referido procedimento somente é cabível nas situações elencadas pela norma supracitada. Isto é, o presente caso não se resolve através da formalização de termo aditivo ou de aditamento já que este, em suma, é o documento que introduz alterações legalmente admitidas ao contrato já firmado, durante a sua vigência. Ao conceituar termo aditivo interpreta o TCU que:

Contratos administrativos podem ser modificados nos casos permitidos em lei.Essas modificações são formalizadas por meio de termo de aditamento.

Termo de aditamento pode ser usado para efetuar acréscimos ou supressões no objeto, prorrogações, repactuações, além de outras modificações admitidas em lei que possam ser caracterizadas como alterações do contrato.
Deve o termo de aditamento ser numerado sequencialmente. Exemplo: Primeiro Termo de Aditamento ao Contrato nº 1/2010, Segundo Termo de Aditamento ao Contrato nº 1/2010, Terceiro Termo de Aditamento ao Contrato nº 1/2010.

Estão dispensadas de termo de aditamento as modificações que puderem ser efetuadas por simples apostila.”[1] (grifou-se)

De outro giro, a Lei nº 8.666/93 prevê no art. 65, §8º[2], a figura do apostilamento[3], o qual é utilizado para registrar modificações no contrato que não alteram sua substância ou que não modifiquem as bases contratuais. A necessidade de registrar modificações no contrato por apostilamento decorre, normalmente, da aplicação das próprias cláusulas contratuais, a exemplo da alteração do valor do contrato pela aplicação do índice de reajuste previsto em cláusula específica. A respeito, orienta o TCU:

“Apostila é a anotação ou registro administrativo de modificações contratuais que não alteram a essência da avença ou que não modifiquem as bases contratuais.

Segundo a Lei nº 8.666/1993, a apostila pode ser utilizada nos seguintes casos:

• variação do valor contratual decorrente de reajuste previsto no contrato;
• atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento;
• empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do valor corrigido.
Na prática, a apostila pode ser:
• feita no termo de contrato ou nos demais instrumentos hábeis que o substituem, normalmente no verso da última página;
• juntada por meio de outro documento ao termo de contrato ou aos demais instrumentos hábeis.”[4]

A rigor, entendemos que o apostilamento também não é o instrumento mais adequado para o saneamento de erros identificados em contratos, sendo o mais recomendável a formalização de um termo de retificação. Ou seja, quando constatado um erro material no contrato, caracterizado pela distorção entre o preconizado no edital e a real vontade que deveria constar na íntegra dos termos contratuais, em razão de vício involuntário de fácil constatação e que não acarreta invalidação do termo, possível a sua correção através da retificação do ato. Por analogia, destaca-se lição de Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernandez:

“No mesmo capítulo dedicado à revisão de ofício dos atos administrativos a LPA inclui um preceito que não se refere à revogação propriamente dita, mas a um problema distinto, que, apesar de tudo, guarda uma estreita relação com ela. Trata-se do art. 111, segundo o qual: ‘Em qualquer momento poderá a Administração retificar os erros materiais ou de fato e os aritméticos’.”[5]

Também a título ilustrativo, destaca-se a seguinte previsão constante no Decreto Federal nº 9191/2017, que regulamenta a Lei Complementar nº 95/1998 e estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado:

“Republicação
Art. 54. O ato publicado no Diário Oficial da União com incorreção em relação ao original será objeto de republicação.
Parágrafo único. A republicação poderá abranger somente o trecho do ato que contenha a incorreção.
Retificação
Art. 55. O ato publicado no Diário Oficial da União com lapso manifesto será objeto de retificação.
§ 1º A retificação abrangerá apenas o trecho que contenha o lapso manifesto.
§ 2º A retificação será assinada pelos Ministros de Estado que referendaram o ato originário e pelo Presidente da República.” (grifou-se)

Nesse norte, observa-se, portanto, que a mera retificação material de erros de fato ou aritméticos constantes do termo de contrato não implicam na sua invalidação ou revogação. O ato materialmente errado deverá seguir a retificação com o mero intuito de se eliminar os erros de transcrição ou de simples conta data/vigência contratual, a fim de evitar a incongruência apontada.

Assim, na visão da JML Consultoria o termo de retificação seria o mais adequado para a correção em questão, com a sua devida divulgação, através dos mesmos meios em que deu a publicação do extrato de contrato originário. De todo modo, sabe que muitos órgãos e entidades têm adotado como praxe administrativa o apostilamento para a realização de correções desta espécie. A doutrina parece corroborar com a prática ao apontar que o apostilamento pode ser utilizado para a realização de certas correções no contrato, que busquem confirmar o seu conteúdo, sem trazer quaisquer inovações nas condições contratuais:

“O § 8º arrola as hipóteses que não constituem alteração ideológica do contrato, isto é, não lhe transtornam a substância, nem lhe afetam o equilíbrio econômico-financeiro. Nelas, as modificações incidentais acaso introduzidas não inovam o acordado; ao contrário, confirmam o seu sentido e conteúdo, apenas adaptando-os às circunstâncias que envolvem a execução das respectivas prestações. Por isto a lei não considera alteração contratual tais adaptações circunstanciais, autorizando que sua ocorrência possa ser registrada nos assentos administrativos por apostila (na prática dos Tribunais de Contas, basta anotar-se a ocorrência no verso do termo do contrato, se for este o instrumento, ou emitir nota de empenho suplementar).”[6] (grifou-se)

“A utilização do apostilamento sempre foi excepcional, prevista para situações de mero registro de alguma situação formal necessária a justificar modificação explícita de algum valor, nomenclatura ou rubrica contábil, que não tenha potencial modificativo do ajuste contratual. Não se modifica contrato por apostilamento, apenas se registra efeitos numéricos necessários e invariáveis ante as condições contratuais preexistentes, ou corrige e atualiza alguma informação de referência.”[7] (grifou-se)

Dessa feita, além do termo de retificação, pelo qual nos posicionamos, tem-se como crível admitir a utilização do termo de apostilamento para promover a simples correção de erro material.
 

 

 

 


[1]TCU. Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. 4ª ed. Revista, atualizada ampliada, 2010. p. 655.
[2]“§ 8º A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.”
[3]A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 14.133/2021 – também prevê a figura do apostilament6o, nos seguintes termos:
“Art. 136. Registros que não caracterizam alteração do contrato podem ser realizados por simples apostila, dispensada a celebração de termo aditivo, como nas seguintes situações:
I – variação do valor contratual para fazer face ao reajuste ou à repactuação de preços previstos no próprio contrato;
II – atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato;
III – alterações na razão ou na denominação social do contratado;
IV – empenho de dotações orçamentárias.”
[4]TCU. Licitações e contratos: orientações básicas. Brasília: Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 4. ed. , 2010, p. 660.
[5]In Curso de Direito Administrativo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, p. 577-578.
[6]PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública,Rio de Janeiro: Renovar, 7ª ed., p. 729.
[7]HERMES, Gustavo Cauduro. A Repactuação na Nova Lei de Licitações e os cuidados essenciais. In Diálogos sobre a nova lei de licitações e contratações. Lei 14.133/2021 [livro eletrônico]. Coordenadora Julieta Mendes Lopes Vareschini. Pinhais: Editora JML, 2021, p. 320-321.

 

 

 

 

 

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