A NATUREZA DA MANIFESTAÇÃO DO PARECERISTA NOS CASOS DE DISPENSA E INEXIGIBILIDADE E A EXTENSÃO DA SUA RESPONSABILIDADE PELA EMISSÃO DE SEUS PARECERES NOS PROCESSOS DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

Introdução

Dando andamento aos trabalhos relativos a´dia a dia da Assessoria Jurídica, deixamos assentado no texto anterior que o ato de aprovação das minutas dos editais de licitação, contratos, convênios e seus aditamentos é de natureza vinculativa, posto que a norma regedora da espécie criou um verdadeiro compartilhamento de poder entre o Assessor Jurídico e a Autoridade Superior. Adotamos a posição segundo a qual, a obrigatoriedade de manifestação jurídica imposta pelo art. 38, par. único da L. 8.666/93 também alcança as cartas-convites e que, por fim, nos casos em que o órgão contar com minuta-padrão de editais e contratos, o parecer, a cada caso, não será necessário, desde que a minuta-padrão tenha sido devidamente aprovada pelo órgão consultivo jurídico e que os documentos deles decorrentes estejam efetivamente a eles alinhados.

Finalizando este ponto específico da atuação do advogado público no trato dos processos licitatórios, resta abordarmos dois problemas, não menos importantes, a saber: determinar a natureza do parecer emitido os processos de dispensa e inexigibilidade de licitação e, de acordo com tais conclusões, fixar o campo da responsabilidade do parecerista por força desse atuar.

A natureza do parecer sobre os atos de dispensa e inexigibilidade de licitação

Como visto, nos casos em que a Administração vier a promover o torneio licitatório, deverá, por força do disposto no art. 38, parágrafo único da L. 8.666/1993, submeter a exame prévio da Assessoria Jurídica as respectivas minutas dos editais. Mas e para os casos em que o dever geral de licitar for afastado, ou seja, nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, essa obrigação também permaneceria? A resposta parece não ser tão simples. Vejamos como a Lei Geral de Licitações e Contratos trata desse assunto:

Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)

Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.  (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

Art. 38.  O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
(…)
VI – pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade;
(…)
Parágrafo único.  As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

O primeiro dispositivo (art. 26) cuida dos requisitos processuais para a regularidade e eficácia dos atos de dispensa e de inexigibilidade de licitação. Nele, não há qualquer menção à obrigatoriedade de submeter o processo previamente à análise jurídica. O segundo, (art. 38, VI) dispõe sobre as peças que devem constar dos processos administrativos de contratação. Neste, a figura do parecer jurídico é tratada apenas como como elemento processual, mas de forma generalizada, pois inclui no mesmo inciso, os pareceres técnicos além dos de natureza técnico-jurídica. O terceiro (art. 38, parágrafo único), adrede esmiuçado, se ocupa apenas com as minutas de editais e instrumentos contratuais. Permanece, pois, a indagação sobre a obrigação ou não da emissão de parecer nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação.

Sobre a instrução dos processos de contratação direta, o Tribunal de Contas da União não é pacífico, possuindo inúmeros precedentes aparentemente conflitantes entre si. Vejamos alguns exemplos:

“Em qualquer contratação efetuada com dispensa de licitação, observe, com rigor, o disposto no art. 26 da Lei no. 8.666/93, de modo que sejam devidamente justificados os motivos da escolha do fornecedor ou executante e os preços pactuados.”[1]

“Os processos de dispensa de licitação devem conter documentos que indiquem a prévia pesquisa de preços de mercado, em relação ao objeto a ser contratado/adquirido, e a habilitação do respectivo fornecedor/prestador de serviços.”[2]

“(…)determinar à Delegacia Federal de Agricultura/AM que: (…) 1.5 observe o disposto no art. 38, inciso VI, da Lei no 8.666/1993, no sentido de submeter o ato de dispensa ou inexigibilidade de licitação à Assessoria Jurídica do Órgão, antes da ratificação pela autoridade superior.”[3]

“(…) determinar à Universidade Federal de Goiás – UFG que: 1.4.1.6. demonstre a situação de emergência em seus processos de contratação por dispensa de licitação em caráter emergencial, submetendo-os à apreciação jurídica prévia e tomando as devidas providências de punição, tempestivamente, em relação às empresas que descumpriram o contrato firmado com a Unidade;”[4]

Aliás, o compêndio Licitações e Contratos, Orientações Básicas, do próprio TCU[5], sugere um roteiro prático para instrução dos processos de dispensa e inexigibilidade no qual o parecer jurídico não parece ser condição de eficácia do processo:

“Dispensa de Licitação em Função do Valor

Processo administrativo de contratação direta, mediante dispensa de licitação, com fundamento nos incisos I e II do art. 24 da Lei no 8.666/1993, observará normalmente os seguintes passos:

1. solicitação do material ou serviço, com descrição clara do objeto;

2. justificativa da necessidade do objeto;

3. elaboração da especificação do objeto e, nas hipóteses de aquisição de material, das unidades e quantidades a serem adquiridas;

4. elaboração de projetos básico e executivo para obras e serviços, no que couber;

5. indicação dos recursos para a cobertura da despesa;

6. pesquisa de preços em, pelo menos, três fornecedores do ramo do objeto licitado;

• deverão as unidades gestoras • integrantes do Sistema de Serviços Gerais do Governo Federal adotar preferencialmente o sistema de cotação eletrônica;

• caso não seja possível a obtenção de três propostas de preço, formular nos autos a devida justificativa;

7. juntada aos autos do original das propostas;

8. elaboração de mapa comparativo dos preços, quando for o caso;

9. solicitação de amostra ou protótipo do produto de menor preço, se necessário;

10. julgamento das propostas;

11. juntada aos autos dos originais ou copias autenticadas ou conferidas com o original dos documentos de habilitação exigidos do proponente ofertante do menor preço;

• certificado de registro cadastral pode substituir os documentos de habilitação quanto as informações disponibilizadas em sistema informatizado, desde que o registro tenha sido feito em obediência ao disposto na Lei no 8.666/1993;

• nesse caso, deverá ser juntada aos autos cópia do certificado, com as informações respectivas;

12. autorização do ordenador de despesa;

13. emissão da nota de empenho;

14. assinatura do contrato ou retirada da carta-contrato, nota de empenho, autorização de compra ou ordem de execução do serviço, quando for o caso.

Demais Casos de Licitação Dispensável e Inexigível

Processo administrativo de contratação direta será instruído com os elementos previstos no art. 26 da Lei no 8.666/1993, sendo dispensa de licitação, com base nos incisos III e seguintes do art. 24 e inexigibilidade de licitação, com amparo no art. 25, observados os passos a seguir:

(…)

13. pareceres técnicos e/ou jurídicos;”

Nota-se que na orientação que diz respeito às hipóteses de dispensa em razão do valor, não há qualquer referência a parecer jurídico; já no roteiro dedicado às demais situações de contratação direta (art. 24, III e seguintes e art. 25), há menção à juntada de pareceres técnicos ou jurídicos, porém não há uma referência direta quanto à obrigatoriedade de os mesmos serem produzidos.

É exatamente nesse diapasão que nos colocamos. Se parecer obrigatório e parecer vinculante são aqueles nos quais a lei prevê a obrigatoriedade de o gestor submetê-los ao órgão consultivo, a simples ausência de disposição nesse sentido é, a meu particular aviso, suficiente para reconhecer que nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, o gestor não está obrigado a solicitar parecer jurídico. Ao mesmo tempo, não se está dizendo que não deverá motivar o ato, tampouco, que o parecer jurídico é desnecessário. Porém, resta claro que a lei deixou ao alvedrio do administrador buscar o amparo de sua assessoria sempre que reputar conveniente. Assim, não havendo obrigatoriedade para o gestor, o parecer emitido nos processos de dispensa e inexigibilidade são facultativos. Admito, entretanto, que um argumento ainda pode esquentar esse debate. Seria em relação à disposição contida no inciso VI, do art. 38 da L. 8.666/1993, que, para alguns, seria de natureza imperativa.

Não vejo os incisos do art. 38 como imperativos. No caso específico do inciso VI, nota-se que o legislador cuidou de acomodar o parecer jurídico junto com os “pareceres técnicos”. Por parecer técnico entenda-se opinião técnica manifestada por especialista de área não jurídica (porque a da área jurídica ele citou ede forma específica). Caso considerada cogente, a norma também obrigaria a emissão de “parecer técnico”. Mas de qual área? Impossível saber pois cada caso envolve uma ou várias áreas do conhecimento humano.

A interpretação mais consentânea com o arcabouço em que ela se insere é a de que o texto quer dizer que caso tenha sido emitido algum parecer, este, deverá necessariamente constar do processo. Ou seja, se o gestor encaminhou os autos a um órgão técnico (jurídico ou não) para emissão de parecer cujas razões integrarão a motivação do ato de contratação, a manifestação deverá ser juntada nos autos. Em outro dizer, significa que o art. 38, inciso VI não impõe ao gestor o dever de solicitar a emissão de pareceres, inclusive os jurídicos; impõe o dever de juntá-los ao processo, caso tenham sido emitidos, não podendo desprezá-los ou arquivá-los como expediente apartado. Assim já decidiu a Corte Federal de Contas:

“(…) resta límpida a exigência legal, contida no art. 38, inciso VI da Lei de Licitações e Contratos, no sentido de que sejam juntados ao processo administrativo pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que as minutas de editais de licitação devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica.” Acórdão no. 2.574/2009, plenário, Processo TC no.  Rel. Min. RaiMUNDO Carreiro. (grifo acrescentado)

Em reforço à essa tese, o TCU reconheceu que até a comissão de licitação pode funcionar como órgão consultivo da autoridade competente para os casos de dispensa e inexigibilidade, o que dá bem o tom de natureza facultativa do parecer ofertado pelo setor jurídico nestas situações:

“(…)embora o art. 26 estabeleça que cabe à autoridade superior ratificar as dispensas e inexigibilidades de licitação, não há impedimento para que a comissão de licitação funcione como órgão consultivo dessa autoridade máxima. Em assim ocorrendo, como a situação tratada nestes autos, devem os membros da comissão de licitação responder conjuntamente com a autoridade máxima pelas ausências de licitação não justificadas.”[6]

Portanto, diante das disposições da Lei no. 8.666/93, nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, o Gestor não é obrigado a encaminhar previamente à Assessoria Jurídica o processo para emissão de parecer, podendo, de próprio punho, motivar o ato de ratificação da hipótese. Caso encaminhe os autos para manifestação, será obrigatória a juntada da mesma no processo, mas ainda assim, o parecer manterá seu perfil facultativo.

Todavia, se houver norma local (Lei ou Decreto estadual ou municipal) ou ainda documento normativo interno que determine a oitiva da Consultoria Jurídica como condição de eficácia do ato de dispensa ou de inexigibilidade, o parecer passa a ganhar conteúdo de natureza obrigatória; ou, dependendo de como a norma disser, poderá ser vinculante.

Extensão da responsabilidade do parecerista pela emissão de seus pareceres

A Carta Política de 1988, em seu art. 133 discorre que: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (grifamos).”

Até aqui tratamos de estabelecer os principais paradigmas da função de Assessor Jurídico. Falamos sobre o exercício da profissão de advogado, das incompatibilidades, impedimentos, prerrogativas e deveres inerentes ao profissional que irá assumir o encargo. Foi visto e revisto que o advogado é detentor da garantia constitucional da ampla liberdade e inviolabilidade de seus atos e manifestações. Mas isso não quer significar liberdade absoluta, muito menos para causar danos a terceiros. Rubens Approbato[7] lembra que o autor da proposta de redação do art. 133 da CF, Deputado Constituinte Michel Temer, afirmou publicamente que “as palavras finais do mencionado artigo ‘nos limites da lei’ se referem, exclusivamente, ao preceito imediatamente a ele antecedente, qual seja o que preceitua: “sendo inviolável por seus atos e manifestações”. Como em qualquer atividade, o profissional responderá por eventuais prejuízos causados a terceiros. E, no caso do Assessor Jurídico dos órgãos e entidades do Poder Público, esse ‘terceiro’ é, ninguém menos, senão a sociedade.

Neste ponto, cabe fazer referência à mudança do modelo de responsabilização civil no direito pátrio. Na vigência do Código Civil de 1916, o sistema era baseado em uma cláusula geral, fundada na culpa e, apenas em casos específicos e numerus clausus era admitida a responsabilidade objetiva. Com o advento do Código de 2002, o modelo passa a admitir, juntamente com a cláusula geral da culpa, a clausula geral de responsabilidade fulcrada no risco da atividade (arts. 927, caput e 927, par. único, respectivamente). Nas palavras de Guilherme Magalhães Martins[8], “consagrou-se então, um sistema dualista de responsabilidade civil, convivendo harmonicamente ambas as cláusulas gerais, culpa (art. 186 e art. 927, caput do Código Civil) e risco. Prossegue o autor, citando Louis Josserand[9], que “o conceito de risco, sem expulsar o de culpa, se instala ao seu lado para a realização de um equilíbrio mais satisfatório entre os interesses e os direitos”.

A responsabilidade civil do advogado possui abordagens distintas, dado que a atividade advocatícia também é exercida de forma variada. Visando não desviar do tema central desta obra, vamos nos dedicar à responsabilidade do profissional no exercício da advocacia pública preventiva, que aquela que afeta diretamente o Assessor Jurídico. Os jurisconsultos que, ao lado do STF adotaram a classificação dos pareceres em facultativo, obrigatório e vinculante, diferenciam a extensão da responsabilidade do assessor jurídico segundo a espécie de parecer por eles praticados. Daí termos nos rendido tão exaustivamente nos capítulos anteriores na definição da natureza das manifestações da consultoria jurídica. Senão vejamos.

Prosseguindo, no que se refere à responsabilidade pelo exercício da profissão, o EAOAB, em seu art. 32, assim dispões:

“Art. 32 – O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.”

De acordo com a vontade do agente, a culpa é classificada em culpa stricto sensu e culpa lato sensu. Esta, mais conhecida como dolo, se configura quando o resultado danoso é alcançado voluntariamente pelo agente e os efeitos de seu comportamento são deliberadamente procurados por ele. Naquela, o agente não deseja o resultado danoso, que ocorre pela falta de diligência na observância da lei ou norma de conduta. Mesmo não objetivando o dano, o mesmo era previsível. Trata-se de uma omissão quanto à diligência exigível do agente. Ocorre pela violação de um dever jurídico por negligência, imprudência ou imperícia, podendo consistir numa ação ou numa omissão.

A culpa stricto sensu caracteriza-se pelo comportamento negligente do autor do dano, abrangendo a negligência, imprudência e a imperícia, implicando, assim, abandono do dever de diligência ou da adoção de medidas capazes de evitar certos fatos considerados ilícitos. A negligência encontra-se intimamente relacionada com o conceito de desídia, enquanto a imprudência liga-se ao de temeridade e a imperícia à de falta de habilidade.

Normalmente ligado a um ato omissivo, a negligência é o descuido, desídia, desleixo, a falta de um mínimo de cuidado que se espera do agente. A falta de cuidado somente caracteriza a negligência quando oriunda do indivíduo de quem se espera um resultado positivo, ou seja, do sujeito presumivelmente capaz de realizar a contento a tarefa que lhe foi destinada. A imprudência, conforme define De Plácido e Silva,[10]se funda “na desatenção culpável, da qual ocorreu um mal, que podia e devia ser atendido ou previsto pelo imprudente. É uma ação precipitada, sem cautela ou ainda com falta de moderação. Na imprudência o indivíduo age de forma diversa daquela dele esperada. Imperícia é falta de aptidão ou qualificação técnica, teórica ou prática, ou ainda, ausência de conhecimentos elementares da profissão ou atividade para exercer uma atividade em que o conhecimento técnico é fundamental para seu exercício, não levando o agente em consideração o que sabe ou deveria saber.

Nos casos de serviços advocatícios, por não constituir atividade de resultado, mas, de meio, a culpa stricto senso não é sinalizada pela simples ocorrência de erro. É preciso que se comprove a falha no dever de diligência do jurista. Conforme leciona Rui Stoco[11]:

“Na obrigação de meios o contratado obriga-se a prestar um serviço com diligência, atenção, correção e cuidado, sem visar um resultado.
Na obrigação de resultado o contratado obriga-se a utilizar adequadamente dos meios, com correção, cuidado e atenção e, ainda, obter o resultado avençado.
Em ambas a responsabilidade dos profissionais está escorada na culpa, ou seja, na atividade de meios culpa-se o agente pelo erro de percurso mas não pelo resultado, pelo qual não se responsabilizou. Na atividade de resultado culpa-se pelo erro de percurso e também pela não obtenção ou insucesso do resultado, que este era o fim colimado e avençado, a meta optada.
No primeiro caso (obrigação e meio) cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. No segundo caso (obrigação de resultado) presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ônus da prova, pela simples razão de que os contratos em que o objeto é colimado encerra um resultado, a sua não obtenção é quantum satis para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor. Evidentemente que este poderá comprovar não ter agido com culpa ou ocorrência de força maior ou culpa exclusiva do contratante”.

Assim, tratando especificamente da função do advogado público no exercício da advocacia preventiva, para a caracterização da culpa que gera responsabilidade do parecerista, deve o erro ser latente, grosseiro, conforme leciona Ricardo Vieira de Carvalho Fernandes[12]:

“Somente pela constatação de erro grave e inescusável. Isso porque a natureza de suas atividades, bem como a inviolabilidade funcional insculpida na Constituição (art. 133) impõem um regime diferenciado às suas funções essenciais, a permitir o exercício funcional com independência nas escolhas das teses, estratégias, argumentos, precedentes, recursos a serem utilizados. Diante disso, mesmo que a escolha não seja bem sucedida, esse fato não acarreta sua responsabilidade por simples erro.”

Nessa mesma direção, quando do exame do já estudado MS 24.073/02-STF, no qual o Tribunal de Contas da União pretendia responsabilizar o Assessor Jurídico juntamente com o administrador pela contratação sem licitação considerada ilegal, o Relator, Min. Carlos Veloso, assim se posicionou:

“Ora, o direito não é uma ciência exata. São comuns as interpretações divergentes de um certo texto de lei, o que acontece, invariavelmente, nos Tribunais. Por isso, para que se torne lícita a responsabilização do advogado que emitiu parecer sobre determinada questão de direito é necessário demonstrar que laborou o profissional com culpa, em sentido largo, ou que cometeu erro grave, inescusável.”

Disso decorre que, apesar de ser detentor de certas garantias e exercente de atividade de meio, o advogado será, sim, responsável por seus atos, quando agir com dolo ou culpa. No caso específico do advogado público, a situação seria agravada pelo fato de que, respaldado em parecer jurídico, nenhum gestor seria responsabilizado por mal uso da máquina administrativa; nem tampouco os advogados, por estarem “blindados” pelas garantias constitucionais. Nada disso. Se se pode admitir que o assessor jurídico estaria livre de qualquer tipo de punição pela emissão de pareceres eivados de vícios grosseiros e que, pelo relevo de seu atuar, teria potencial para causar dano à sociedade, mal orientando os gestores nas suas ações. Esta, inclusive, é uma preocupação do Tribunal de Contas da União já teve oportunidade de externar:

“O entendimento de que os procuradores jurídicos da Administração não poderiam ser responsabilizados pelos seus pareceres levaria, no limite, a esdrúxula situação em que, fosse qual fosse a irregularidade praticada, ninguém poderia ser responsabilizado, desde que houvesse parecer do órgão jurídico como respaldar da decisão. O dirigente alegaria que agiu com base em parecer do órgão jurídico e procuraria esquivar-se da responsabilidade. A procuradoria jurídica, por sua vez, não seria responsabilizada, porque, por petição de princípio, gozaria de plena liberdade para opinar da forma que quisesse, por mais antijurídica que fosse, situação que daria margem a todo tipo de ilícito, por parte dos gestores menos ciosos da gestão dos recursos públicos e poderia levar a um caos generalizado na Administração. No caso, os pareceres, flagrantemente contrários a literal disposição de lei, deturparam o teor de dispositivos da Lei no 8.666/1993 e desconsideraram o conteúdo de determinação anterior do TCU, com o intuito de levar a Administração a pratica de ato desconforme com a lei e com o interesse público. Não posso, pois, considera-los meramente opinativos, mas integrantes e justificantes do ato final. O que se espera dos servidores de uma unidade de consultoria jurídica e que orientem corretamente os dirigentes do órgão, quanto a aspectos jurídicos de sua gestão, e não que satisfaçam ou justifiquem a ação visivelmente preordenada da direção da autarquia. Quando suas manifestações revestem-se de evidente ilegalidade, por exemplo, pronunciando-se favoravelmente quanto a procedimentos claramente antijurídicos, como no caso deste processo, e certo que agem em desacordo com suas funções, e, por isso, devem ser responsabilizados, proporcionalmente ao nível de responsabilidade que desempenharam no caso. Esclareço, pois, que a hipótese trata de falhas teratológicas ou sobremodo ostensivas que, sobre revelar frontal violação à Lei no 8.666/1993, contiveram contrariar anteriores Decisões e determinações do TCU. Acórdão 190/2001 Plenário (Voto do Ministro Relator)

 Em resumo, na atividade advocatícia, somente responde o profissional, o que inclui o advogado público, quando age com negligência imprudência ou imperícia, acarretando erro grave, inescusável.

No caso do Assessor Jurídico, negligente é aquele que, ao apreciar uma consulta, profere o parecer sem atentar para os elementos descritos na consulta, sem observar a legislação correlata ou o processo. Ao manifestar-se sem esse mínimo de cuidado, o causídico assume responsabilidade pela orientação equivocada. Age com imprudência quando emite parecer inconsistente, inepto. Aquele parecer, conforme já referido anteriormente, que muito embora conclusivo, não vem fundamentado ou apresenta fundamentação superficial. Mais complexo, todavia, é determinar a culpa por imperícia na atuação do advogado público. Esta estaria associada à emissão de parecer no qual o consultor se imiscui em área técnica não afeta à sua especialidade, por exemplo, recusar aprovação à minuta de edital de licitação fundado em sua pessoal discordância sobre a tecnologia ou metodologia de execução empregada.

Por lado outro, quando o parecerista defender tese aceitável, alicerçada em lição de doutrina e apoiada em precedente jurisprudencial, estará isento de responsabilidade. A essa altura, importa consignar que na advocacia preventiva, o dever do profissional vai mais além do que o de mera prestação de informação ou aconselhamento. Segundo muito bem apontado por Flávia Viveiros de Castro[13]:

“O dever de aconselhamento sobrepuja o mero ato de informar, eis que revela informação qualificada e não se limita à advocacia consultiva, embora neste caso surja com maior pujança, mas é ínsito à tarefa do advogado que deve alertar o cliente para os riscos que corre e, eventualmente, até dissuadi-lo de sua pretensão.”

A distinção na atividade advocatícia, bem apontada pelos Professores Dallari e Ferraz[14] por áreas de atuação também nos leva a essa noção:

“(…) é prudente fazer uma diferenciação entre a atividade consultiva do parecerista e o trabalho do procurador ou advogado de uma parte. Este é necessariamente parcial, pois tem o dever de defender seu cliente, expondo com o maior vigor possível os argumentos favoráveis ao seu constituinte, dentro dos limites da ética e do bom-senso. O consultor tem um compromisso fundamental com a ordem jurídica, com a verdade científica e com a justiça; cumpridos esses compromissos, pode expor, até com veemência, os elementos que o levaram a formar sua convicção.”

Esse tem sido o norte que orienta as decisões do Tribunal de Contas da União, como podemos ver do precedente abaixo:

“A conduta objeto da contestação diz respeito à emissão de parecer favorável à contratação direta, na qual se verificou a ausência de parâmetros ou de estimativas que refletissem o montante de recursos necessários para o alcance das metas acordadas. De acordo com o disposto no art. 26, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, entre os elementos necessários à instrução do processo de dispensa ou de inexigibilidade, inclui-se a “justificativa de preço” (inciso III). Todavia, conforme o exposto nos subitens 6.2.1.17 a 6.2.1.21 e 6.2.1.28, essa justificativa de preço não estava devidamente evidenciada nos autos da contratação, uma vez que não existiam parâmetros, baseados em levantamentos de preços, pesquisas de mercados ou técnicas estimativas consistentes, que pudessem subsidiar o gestor em sua decisão quanto ao preço a ser adotado. Ao emitir seu parecer, cabia ao Procurador Municipal, por dever de ofício, alertar o então Secretário de Saúde quanto a essa omissão, ou seja, à inobservância de um dos requisitos previstos no supracitado dispositivo legal, no entanto, apenas se manifestou no sentido de que o preço de custo da unidade mais a taxa operacional de 5% é aceitável (fl. 748 – Anexo 1 – vol. 3). Ante a insuficiência da fundamentação em seu parecer, torna-se o Sr.[consultor jurídico] co-responsável com o Sr. [gestor] pela irregularidade, sendo-lhe também devida a aplicação da multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992. Ressalte-se que foi essa a medida adotada por este Tribunal, em matéria similar, constante do Acórdão 994/2006-TCU-Plenário.” (Ac. 899/12-Plenário)

Tanto no parecer facultativo como no obrigatório, o administrador público não está obrigado a agir de acordo com a conclusão do parecer, podendo decidir de forma diversa. Nesse caso, a atuação do Jurista é puramente consultiva, caracterizando atividade de meios, razão pela qual se lhe aplicam as garantias constitucionais e legais no campo da responsabilização. Somente seria possível responsabilizar o jurista nos casos de demonstração de que agiu com negligência, imprudência ou imperícia.

Diferente é a hipótese do parecer de cunho vinculante. Os efeitos de sua emissão são bem outros. Conforme já dito acima, no parecer vinculante, o parecerista compartilha a competência de decidir com o administrador e, por isso, com ele responde solidariamente na ilegalidade. Age com a competência — compartilhada — do administrador. Se o ato for deflagrado pelo administrador, este o fará de acordo com a conclusão do parecer ofertado (avis conforme). É a atual posição do STF:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO. AUDITORIA PELO TCU. RESPONSABILIDADE DE PROCURADOR DE AUTARQUIA POR EMISSÃO DE PARECER TÉCNICO-JURÍDICO DE NATUREZA OPINATIVA. SEGURANÇA DEFERIDA.

I. Repercussões da natureza jurídico-administrativa do parecer jurídico: (i) quando a consulta é facultativa, a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo; (ii) quando a consulta é obrigatória, a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer; (iii) quando a lei estabelece a obrigação de decidir à luz de parecer vinculante, essa manifestação de teor jurídica deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir.

II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato.

III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa.Mandado de segurança deferido.” (MS 24.631-6/DF)

Portanto, é possível afirmar que, ao emitir um parecer vinculante o advogado público exerce atividade de resultado e, por conta disso, tem sua responsabilidade associada ao resultado do ato final levado a efeito pelo administrador. Mas a atividade pública é, via de regra, exercida de forma multidisciplinar. Várias áreas do conhecimento humano são empregadas para a realização das diversas atividades inerentes ao Estado, da mais simples e rotineira, à mais complexa. Daí porque não bastará a identificação da espécie do parecer para fixar a responsabilidade do parecerista. Necessário será verificar até onde ia a sua competência jurídica no caso concreto. Em uma minuta de edital de licitação para contratação de um serviço que envolve alta tecnologia, haverá várias cláusulas (do Projeto Básico, do edital e da minuta do contrato) cuja origem escapa à ciência jurídica.

Para sustentar a tese de que o seria de caráter obrigatória a manifestação relativa à aplicação do art. 38, parágrafo único da L. 8.666/1993, Carlos Pinto Coelho Motta[15], argumentou que:

“A experiência administrativa tem revelado que, embora seja observada a obrigatoriedade do exame, e mesmo “aprovação”, de editais e contratos pela assessoria jurídica, nem sempre a autoridade administrativa superior vem a adotar os reparos e indicações eventualmente registrados no parecer como base para sua decisão ou aprovação final. No contexto habitual das organizações do setor público, a especificidade do papel do assessor ou consultor é sobremodo clara: seu pronunciamento deve ater-se estritamente ao campo técnico-especializado, relativo aos aspectos jurídicos, legais e doutrinários. Ele entretanto não deixa de perceber que, em inúmeras ocasiões e oportunidades, as decisões executivas assumem sua lógica operacional própria, que realmente não lhe cabe focalizar ou avaliar. Configurar-se-á talvez, nesses casos, um parecer obrigatório, mas de conteúdo não vinculante, a menos que a norma regulamentar do órgão/entidade especifique, exaustivamente, as situações em que a decisão não possa fugir aos termos do parecer.”

Nesse mesmo sentido, em especial, colamos a lição de Lucas Rocha Furtado[16], para quem:

“A correta definição do papel do órgão jurídico é aspecto fundamental na definição da sua responsabilidade, especialmente quando se tratar de falhas técnicas nos projetos em que atua, em razão do princípio da segregação das funções. (…) Não se deve esperar, especialmente em situações que requeiram elevado nível de conhecimento técnico, que os advogados sejam capazes de identificar eventuais falhas técnicas e que sejam capazes de refutá-las em suas manifestações jurídicas.”

Ambos autores parecem nutrir preocupação, diga-se, muitíssimo razoável, com o problema de o advogado público ter de enfrentar, em sua análise, questões relativas à especialidade técnica do objeto que a administração pretende contratar. Em ambas as citações os argumentos que tendem a “desenquadrar” o parecer do art. 38, par. único da Lei de Regência do caráter vinculante em função de que os textos a serem submetidos à análise carregam informações técnicas da área específica do respectivo objeto. Questões técnicas de ordem operacional.

Associando-me, entretanto, à preocupação dos eminentes juristas acima citados, por óbvio que a extensão da responsabilidade do parecerista somente poderá ser enxergada no que concerne às questões de ordem técnico-jurídicas. Não é possível imaginar que o jurista venha a corrigir defeito técnico no Projeto Básico num edital de obra pública; tampouco debater a opção pela tecnologia a ser empregada na área de TI, pois o jurista não tem conhecimento técnico para verificar se determinada funcionalidade fere ou não o caráter competitivo da licitação; ou ainda, a quantificação do índice de produtividade estabelecido no Termo de Referência para contratação de um serviço terceirizado. Se assim o fizer, já nos referimos antes, estará agindo além dos limites de seu conhecimento técnico e poderá, por isso, ser responsabilizado por agir com imperícia.

Mas não poderá afastar-se da responsabilidade daquilo que lhe é próprio; das cláusulas de natureza jurídica. Se o edital de licitações para aquisição de um equipamento, por exemplo, indicar marca específica sem justificativa, o parecerista tem o dever de ofício de não aprovar a minuta, pois tal exceção depende de justificativa técnica, conforme doutrina e jurisprudência unânime. Se não o faz, o edital será considerado nulo, com responsabilização da autoridade que deflagrou o torneio e, solidariamente, o parecerista que aprovara a minuta sem o destaque necessário.

Diante desse quadro, caso declarada a nulidade da licitação ou do contrato, cujos textos das peças que lhe deram causa foram submetidos à manifestação do órgão jurídico, conforme determinação no art. 38, par. único da L. 8.666/93, a responsabilidade somente se estenderá ao parecerista na hipótese de o elemento causador da nulidade tiver incidido em questão técnico jurídica.

Todavia, é imprescindível certo cuidado quanto à questão da configuração da negligência ou imperícia no exercício da advocacia consultiva. É bastante cediço, e já foi mencionado acima, que o Direito não é uma ciência exata e tampouco estanque. Bem ao contrário disso, trata-se de um campo do saber humano que permite variadas inflexões sob uma mesma hipótese, além de estar em constante evolução. A essa característica se aplica a celébre máxima de Pascal: “Quase nada há de justo ou injusto que não mude de natureza com a mudança de clima”. Transformações culturais, avanços tecnológicos, acontecimentos de grande repercussão entre outros fatores, provocam novas interpretações, novas visões sobre conceitos jurídicos e normas que já se haviam estabilizadas, a exigir do jurista olhar arguto e sensível a essas variações circunstanciais. Em sua peculiar percepção, Engish[17] constata que:

“Quando o jurista, situado no círculo das ciências do espírito e da cultura…olha derredor, tem de constatar angustiado e com inveja, que a maioria delas pode contar extra muros com um interesse, uma compreensão e uma confiança muito maiores do que precisamente a sua ciência…Sem grandes hesitações se depositará um livro de arqueologia ou história da literatura à mesa dos presentes, mas a custo se fará o mesmo com um livro jurídico.”

Assim, não se deve pretender retirar do jurista uma das funções que lhe é própria, na qualidade de cientista, que é justamente a de realizar novas descobertas. Não se pode considerar negligente o parecerista que defende tese nova (que, em princípio, não seria aquela abrigada pela doutrina e jurisprudência). Se dessa forma fosse considerado, estaríamos submetendo a Ciência Jurídica a um completo e definitivo sepultamento.

Pode (deve) o jurista lançar seu pessoal e íntimo olhar sobre as demandas que lhe são apresentadas para chegar a conclusões eventualmente vanguardistas, inovadoras. É dessa forma que se descobre o Direito. Não deve o jurista manter-se encarcerado por lições de outros jurisconsultos ainda que de reconhecido talento científico; menos ainda apegar-se de modo quase cego à jurisprudência, notadamente, pelo fato de que, não raro, um mesmo Tribunal profere decisões conflitantes para casos análogos. Deve refletir sobre os argumentos técnicos que fundamentam as lições constantes dos livros jurídicos e aplicá-los sobre o caso que se encontra sobre a sua mesa, mas acrescentar o seu elemento pessoal de convicção. Carlos Maximiliano[18] anota de modo brilhante que:

“Não há sistema de hermenêutica capaz de prescindir do coeficiente pessoal. A justiça depende, sobretudo, daqueles que a distribuem. O texto é a essência, é a matéria-prima, que deve ser plasmada e vivificada pela inteligência ao serviço de um caráter íntegro.”

Portanto, o enquadramento na culpa por negligência imprudência ou imperícia não deve ser tomado simplesmente porque o parecerista adotou tese ainda não defendida pela doutrina dominante ou adotada pelos Tribunais. Desde que o tenha feito de forma técnica e com profundidade científica, apontando, inclusive, em suas linhas, o reconhecimento de estar adotando conceito inovador, fazendo menção à tese majoritária, não há como tratá-lo como negligente, ainda que não seja acompanhado pelo Controle Externo ou pelo Judiciário. Celso Antônio Bandeira de Mello[19] propõe um roteiro para o jurídico que, se bem observado, o conduzirá a uma manifestação tecnicamente adequada, verbis:

“O desenvolvimento do parecer deve observar basicamente: (a) a descrição isenta, em forma de sucinto relatório, dos fatos que contextualizam a consulta; (b) a consulta formalizada pela Administração Pública; (c) o exame preliminar ou dos aspectos formais, quando necessário; (d) desenvolvimento do mérito, incluindo a legislação incidente, doutrina e jurisprudência, segundo a posição objetiva assumida pelo parecerista em face do problema apresentado; (e) caso o tema implique aspectos estritamente técnicos que extrapolem a área de conhecimento do advogado, anexar-se-á ao parecer laudo técnico específico e conclusivo; (f) conclusões, e respostas sucintas e taxativas à consulta; (g) data, local, identificação do parecerista, registro na OAB (art. 13, § 3º e 55, XIII da Lei 8.666/93)”

Sintetizando tudo isso, se o parecer for de caráter facultativo ou obrigatório, somente será responsabilizado o parecerista se houver agido com negligência ou imperícia. O que significa dizer que caso o administrador decida na conformidade desse parecer, e seu ato seja, adiante, considerado ilegal pelo Controle Externo, não haverá que se falar em responsabilidade solidária.

Se for de caráter vinculante, como atua na qualidade de co-administrador, a responsabilidade será solidária por prática de ato ilegal e independerá de verificação de atuação com negligência, imprudência ou imperícia.

*Luiz Claudio Chaves é especialista em Direito Administrativo, professorda Escola Nacional de Serviços Urbanos-ENSUR e da Escola de Administração Judiciária-ESAJ/TJRJ; professor convidado da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-Rio. Autor das obras Curso Prático de Licitações-Os Segredos da Lei no. 8.666/93, Lumen Juris e Licitação Pública – Compra e Venda governamental Para Leigos, alta Books. Apresenta regularmente, em âmbito nacional o seminário: A função do Assessor Jurídico no controle prévio de legalidade nos processos licitatórios: competências e responsabilidades.


[1] Decisão no. 30/2000, 1ª. Câmara, Processo TC no 000.728/1998-5, Rel. Min. Guilherme Palmeira.
[2] Acórdão no. 2.986/2006, Plenário, Processo no. TC no. 008.531/2003-5, Rel. Min. Augusto Nardes.
[3] Acórdão no. 2.203/2005, 1ª. Câmara, Processo no. TC 006.070/2004-5, Ata 34/2005.
[4] Acórdão no. 368/2010, 2ª Câmara, Processo TC 020.528/2008-1, Re. Min. Aroldo Cedraz.
[5] Tribunal de Contas da União.Licitações e Contratos – Orientações Básicas. 4ª. ed., Brasília, 2010, pgs. 634-636.
[6] Acórdão no. 835/2009, Processo no. TC 003.042/2004-7, Rel. Min. Benjamin Zymler.
[7] Constituição federal de 1988 – Artigo 133. Disponível em: http://www.oab.org.br/publicacoes/detartigo/22
[8] MARTINS, Guilherme Magalhães, coordenador. Temas de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. xii.
[9] Ibidem
[10] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 256a. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, verbete “Imprudência”.
[11] Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 6 ed. São Paulo: RT, 2004, p. 84
[12] Regime Jurídico da Advocacia Pública, ed. Método, Vol I. São Paulo 2010
[13] A Responsabilidade Civil do Advogado à Luz do Código de Defesa do Consumidor. In: Guilherme Magalhães Martins. (Org.). Temas de Responsabilidade Civil. 1ªed.RIo de Janeiro: Lumen Juris, 2012, v. 01, p. 371.
[14] Cautelas para Formalização de Parecer Jurídico, apud FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 140-141. Vide ainda CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo administrativo federal – Comentários à Lei 9.784 de 29/1/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 203.Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2636
[15] Em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2636
[16] Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 215.
[17] ENGISH, Karl, Introdução ao Pensamento Jurídico, Fundação Calouste Gulbekian, 6ª ed., trad. J. Baptista Machado. Lisboa, 1988.
[18] Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 20ª. Ed, Rio de Janeiro, p. 20.
[19] Cautelas para Formalização de Parecer Jurídico, apud BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 577.Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2636

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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