PRAZO RAZOÁVEL PARA ENVIO DA DOCUMENTAÇÃO EM PREGÃO ELETRÔNICO

Mesmo se considerarmos como já bem assentadas e consolidadas as normas que atualmente vigoram e que dizem respeito as Licitações e Contratos Administrativos pátrios, no dia a dia da advocacia administrativista focada especificamente nessa área que não é muito conhecida por despertar encanto entre os advogados, ainda é possível se surpreender com desafios à atuação prática na defesa dos direitos de seus clientes.

Recentemente me deparei com um desses desafios. Ao advogar em um certame licitatório para uma Empresa cliente que estava participando de sua primeira licitação, elevou-se uma interessante questão: em um pregão eletrônico, existe prazo mínimo a ser concedido para envio de documentação complementar requerida pelo Pregoeiro?

A Empresa licitante, diante de sua primariedade e falta de traquejo em certames licitatórios, incorreu no equívoco de acreditar só ser necessário, para cumprir o prazo de envio da documentação complementar requerida pelo Pregoeiro, o início do upload da documentação dentro do prazo estabelecido. Assim, a documentação complementar requerida não foi totalmente enviada dentro do prazo, por circunstâncias alheias à vontade da Empresa, uma vez que (i) o sítio eletrônico do certame apresentou lentidão na operacionalização, dificultando o envio, (ii) não foi oportunizada a possibilidade de envio de mensagens via chat eletrônico ao Pregoeiro no prazo de envio, o que dificultou à Empresa de contatar a autoridade pregoeira e informar suas dificuldades quanto ao sistema eletrônico e solicitar auxílio para o correto envio da documentação dentro do prazo e, ainda, (iii) o arquivo compactado a ser enviado era muito extenso e, portanto, o tempo de upload era prolongado, acarretando o descumprimento ao requisitado pelo Pregoeiro.

Diante dessa situação, analisei o caso, as conversas no chat com o Pregoeiro, as provas trazidas pelo cliente (diversos PrintScreens – imagens – da tela do computador, nas quais era aparente (i) o aviso de “Aguarde!” emitido pelo sistema enquanto operava-se o upload da documentação, o que representa alguma lentidão na operacionalização do sistema, não representando, necessariamente, a indisponibilidade do sistema, (ii) as tentativas de contactar o Pregoeiro no chat eletrônico, demonstrando a indisponibilidade deste naquele momento e (iii) o início do upload da documentação dentro do prazo editalício, ou seja, muitos minutos antes de findo o prazo) e concluí, especialmente considerando o agrupamento de documentos complementares requeridos pelo Pregoeiro a serem enviados no prazo de 1 (uma) hora, que o tempo concedido para envio de documentação complementar requerida pelo Pregoeiro era demasiadamente exíguo.

Tendo essa consideração em mente, passei a explorar minhas possibilidades de fundamentação jurídica na doutrina e jurisprudência. Esse foi o maior desafio: encontrar fundamentação para a tese de tempo editalício exíguo, base da defesa do meu cliente, pois foi com grande dificuldade que encontrei algumas fundamentações, motivo pelo qual acreditei ser de significativa importância relatar esse desafio em ambiente de grande alcance na comunidade jurídica.

O prazo de 1 (uma) hora para envio da documentação complementar requerida pelo Pregoeiro é realmente exíguo e desarrazoado, especialmente se há grande volume de documentos a ser encaminhado. Apesar de não encontrar decisão judicial ou mesmo de Tribunais de Contas determinando um prazo mínimo e razoável a ser concedido em pregão eletrônico para envio de documentação complementar requerida pelo Pregoeiro, é possível verificar que no âmbito da Administração Pública Federal existem orientações de que o prazo não seja estipulado em período inferior a 2 (duas) horas.

Nesse sentido, temos a Instrução Normativa nº 3/2011 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão:

 
INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 3, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2011 MPOG

[…] Art. 3º-A  O instrumento convocatório deverá estabelecer o prazo mínimo de 2 (duas) horas, a partir da solicitação do pregoeiro no sistema eletrônico, para envio de documentos de habilitação complementares, por fax ou outros meios de transmissão eletrônica, conforme prevê o § 2º do art. 25 do Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005. (Incluído pela Instrução Normativa nº 1, de 26 de março de 2014).
(destaque nosso)

Apesar de não fazerem referências numéricas ao prazo mínimo razoável a ser concedido para envio da documentação em pregão eletrônico, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), em seu Acórdão nº 1280/2008, determina:

Estabeleça nos editais de licitação prazos de recebimento de documentação habilitatória compatíveis com o volume de documentos a serem encaminhados.

Nesse seguimento, é possível vislumbrar o Acórdão nº 265/2010 também do Plenário do Tribunal de Contas da União:

Estabeleça prazo razoável e não exíguo, bem assim disponibilize os meios necessários e adequados, para que os concorrentes possam remeter os documentos referentes à proposta ou à habilitação, de forma a evitar a injusta desclassificação de licitantes, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e do art. 25, §§ 2º e 3º, do Decreto nº 5.450/2005.
(destaques nossos)

Portanto é ostensível que a Administração Pública e o Tribunal de Contas da União entendem que o Edital deve prever um prazo razoável para o encaminhamento da documentação em certame licitatório, sendo que quanto mais extenso o material, correspondente deve ser a duração do prazo de envio, mostrando-se escasso o prazo de 1 (uma) hora.

Ainda, conforme o Informativo de Licitações e Contratos nº 09/2010 do Tribunal de Contas da União, temos o Acórdão nº 558/2010 também do Plenário do Tribunal de Contas da União:

Pregão eletrônico para fornecimento de equipamentos: 1 – Chamamento simultâneo de licitantes para apresentação dos documentos de habilitação.

No pregão eletrônico, o chamamento simultâneo de licitantes para apresentação da documentação de habilitação não tem amparo na lei de regência da modalidade (Lei n.º 10.520/2002), que prescreve o chamamento sequenciado de cada participante, de acordo com a ordem de classificação advinda da fase de lances. Além disso, quando necessário o envio da documentação de habilitação via fax, o pregoeiro deverá fixar prazo razoável ao licitante, zelando para que a linha disponibilizada esteja devidamente desocupada durante todo o prazo concedido. Com base nesse entendimento, o relator propôs e o Plenário decidiu considerar procedente representação envolvendo o Pregão Eletrônico para Registro de Preços n.º 37/2008, promovido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), que tinha por objeto a aquisição de 400 notebooks. Entre as possíveis irregularidades apontadas pela representante, estava a ‘estipulação de tempo exíguo, no caso 60 (sessenta) minutos, prorrogados por mais 30 (trinta) minutos, para envio da proposta e da documentação exigida no edital, apesar de ser grande o volume de documentos a serem encaminhados por meio da única linha de fax disponibilizada, e tendo em vista que tal medida foi requerida às licitantes que apresentaram as 10 (dez) melhores propostas de preços, e não apenas à melhor classificada’. Para o relator, ‘Não se pode admitir que, de dez empresas chamadas a apresentarem sua documentação, nada menos que sete não tenham conseguido fazê-lo, entre elas as mais bem classificadas na fase de lances. Acresce que as três que conseguiram enviar os documentos requisitados, todas foram desclassificadas, duas pelo […] prazo de garantia em desacordo com a segunda versão do edital, e uma por envio fora do prazo total […] fixado pelo pregoeiro’. A simples pressa administrativa ‘não é capaz sequer de explicar a adoção desse procedimento. A menos que se possa licitamente presumir que a imensa maioria dos licitantes de ordinário desatendem as condições de habilitação, o que não é verdade’. A seu ver, não há outra leitura possível do que prescreve o inciso XVI do art. 4º da Lei n.º 10.520/2002, segundo o qual ‘se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor’. Outra irregularidade imputada ao pregoeiro foi a habilitação da empresa classificada em 11º lugar na fase de lances, que encaminhou a documentação – requisitada apenas das dez primeiras colocadas – por sua conta e risco. Mesmo assim, logrou ter sua documentação aprovada e terminou por ser declarada vencedora do certame, apesar de seu lance ser quase 50% superior ao da empresa mais bem classificada. Diante de tais irregularidades, e considerando que os equipamentos já foram entregues à Unirio, o relator propôs e o Plenário decidiu aplicar multa ao pregoeiro e converter os autos em tomada de contas especial. Acórdão n.º 558/2010-Plenário, TC-008.404/2009-1, rel. Min. Augusto Nardes, 24.03.2010.

(destaques nossos)

Diante disso, o fato de existirem estipulações editalícias de prazos exíguos para envio da documentação, seja complementar, seja a documentação de habilitação requerida primariamente, quando de manifesto grande volume, é deveras relevante ao bom andamento do Direito Administrativo e atendimento dos princípios e objetivos das Licitações Públicas como um todo, devendo a discussão e eventual determinação de um prazo mínimo e razoável a ser concedido para envio de documentação em pregão eletrônico ser tratada pela Administração Pública, Poder Judiciário e, principalmente, pelas Egrégias Cortes de Contas do país e seu representante máximo, o Tribunal de Contas da União.

Importante ressaltar, diante do Projeto de Lei nº 6814/2017 – que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e revoga a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02 – e da circunjacente alteração na forma como conhecemos as Licitações Públicas, que a questão de prazo mínimo e razoável a ser concedido para envio de documentação em pregão eletrônico não é abordada na nossa iminente nova norma estrutural.

Isadora Beatriz Teixeira Carlos

Publicações recentes

Discricionariedade e Transparência nas Contratações das Entidades do Sistema S: Lições do Acórdão 1998/2024 do TCU 

Por:

A discricionariedade administrativa é um princípio fundamental no Direito Administrativo, permitindo ao agente um espaço para tomar decisões que atendam […]

18 de novembro de 2024

Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: Um Paralelo com a Atuação do Agente Público nos Processos Licitatórios e o Artigo 28 da LINDB 

Por:

1. Introdução:  A discricionariedade administrativa é um conceito central no Direito Administrativo e na atuação dos agentes públicos. Ela se […]

1 de novembro de 2024

ACEITABILIDADE DAS PROPOSTAS NA LEI DAS ESTATAIS

Por: e

Antes de adentrar no tema central deste artigo, cumpre esclarecer que a temática – como não poderia ser diferente – […]

25 de outubro de 2024