A participação em um mesmo processo licitatório de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico sempre gera dúvidas nos agentes responsáveis pela condução do certame.
Mas afinal, isso não é vedado? A situação não afronta os princípios norteadores das licitações? Essas empresas não deveriam ser afastadas da disputa para preservar a isonomia e a competitividade do certame?
A princípio, a resposta para essas indagações é negativa, na medida em que, a rigor, uma pessoa jurídica não se confunde com as pessoas físicas ou jurídicas que a integram e/ou a comandam, sendo cada qual titular de direitos e obrigações de forma independente em relação às demais[1]–[2].
Assim, considerando essa independência, a princípio, não estão impedidas de participar de um mesmo processo licitatório empresas do mesmo grupo, que tenham alguma espécie de controle entre si, que possuam sócios em comumou pessoas físicas que mantenham laços de parentesco, até porque não há previsão legal contendo essa restrição.
Conforme o entendimento do Tribunal de Contas da União, o que o ente licitante deve fazer, nesses casos, é agir com cautela e diligência[3], a fim de apurar se essas empresas agem de forma autônoma (conduta lícita) ou se, ao contrário, atuam em conjunto (conduta ilícita).[4]
Essa também a conclusão de Marçal Justen Filho ao examinar a participação, em uma mesma licitação, de empresas do mesmo grupo por intermédio de consórcios distintos[5]:
“Uma questão que tem merecido discussão acentuada relaciona-se com a participação numa mesma licitação, por meio de consórcios distintos, de empresas integrantes de um mesmo grupo de fato. A hipótese verifica-se quando existem vínculos de natureza societária entre empresas participantes de consórcios diversos disputam uma mesma licitação.
Adota-se o entendimento de que essa solução não deriva diretamente do texto legislativo. Se essa fosse a intenção legislativa, outra teria sido a redação adotada para o dispositivo. Somente se pode adotar essa solução por meio da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, superando-se a distinção subjetiva inerente à titularidade de personalidades jurídicas próprias e autônomas.
Não se contraponha que a existência de vínculos de controle acarretaria a atuação concertada das duas empresas para frustrar a competitividade. Esse raciocínio é improcedente, eis que se funda num pressuposto defeituoso. O problema fundamental exposto no argumento consiste na atuação concertada entre duas ou mais empresas. Ora, esse tipo de conduta não está adstrito à existência de vínculos societários entre duas sociedades. Trata-se de uma questão de fato, não de direito. Duas empresas não vinculadas entre si por relações societárias podem compor-se de modo reprovável para frustrar a competitividade de uma licitação. Isso deverá ser reprimido. Não existe qualquer fundamento para presumir que duas empresas atuariam de modo reprovável simplesmente pela existência de vínculo societário entre elas. É evidente que o vínculo societário pode incrementar o risco, mas também é perfeitamente cabível que sejam adotadas providências destinadas a evitar riscos dessa ordem.
Também não caberá afirmar que as empresas vinculadas societariamente adotariam condutas destinadas a beneficiar uma dentre elas. Essa prática é expressamente reprimida pela Lei das S.A, tanto na dimensão do exercício do poder de controle como no tocante ao desempenho da atividade dos administradores (art. 245), que apenas admite a solução quando houver um grupo chamado “de direito” – aquele que se estrutura mediante uma convenção grupal, hipótese extremamente rara na prática brasileira (art. 265)”[6] (grifou-se).
Destarte, ao participarem em um mesmo certame, empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico não podem ser, de plano, afastadas da disputa sem maiores diligências e justificativas, que evidenciem que a atuação dessas empresas está direcionada para prejudicar a competitividade do certame.
Nessa linha, o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO LICITAÇÃO REGISTRO DE PREÇOS PREGÃO ELETRÔNICO LICITANTES EMPRESAS DE UM MESMO GRUPO ECONÔMICODESCLASSIFICAÇÃO ILEGALIDADE. 1. Inexiste vedação legal à participação de empresas de um mesmo grupo econômico em procedimento licitatório. Inadmissibilidade de interpretação ampliativa a normas legais restritivas de direitos dos administrados. 2. Não podem ser impedidas de participar individualmente em licitação empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, presentes elementos comprobatórios de sua plena qualificação pessoal (personalidade jurídica, capacidade técnica e idoneidade financeira próprias), ausente prova de fraude ou conluio para frustrar o caráter competitivo do certame. Desclassificação considerada ilegal. Pedido procedente. Sentença mantida. Recurso desprovido.”[7] (grifou-se)
Da mesma forma, já apontou o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
“APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO.MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA SUSPENSA DE CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO PELO ESTADO DE SANTA CATARINA.POSSIBILIDADE DA EXTENSÃO DOS EFEITOS A OUTRO ENTE FEDERADO. PENALIDADE IMPOSTA À EMPRESA DO MESMO GRUPO ECONÔMICO.PESSOAS JURÍDICAS DISTINTAS, EMBORA PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO.INEXISTÊNCIA DE CONDUTA IMPRÓPRIA.PARTICIPAÇÃO NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO.POSSIBILIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA.Figura-se inaplicável a desconsideração da personalidade jurídica, quando não foram apurados indícios de fraude, nem constatado o intuito de criação de nova pessoa jurídica para burlar o procedimento administrativo. A penalidade imposta não subiste.RECURSO 1 NÃO PROVIDO.RECURSO 2 NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO.”[8] (grifou-se)
Assim sendo, por não haver impedimento legal na participação em licitações de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, cabe aos responsáveis pela condução do certame, diante dessa situação, adotar postura diligente e cautelosa, com o fito de esclarecer se essas empresas atuam de forma autônoma ou em conjunto e apenas nessa última hipótese é que a conduta deverá ser reprovada mediante a desclassificação das proponentes do certame e aplicação das penalidades cabíveis.
“Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.
§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244.
Art. 266. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos.
Art. 267. O grupo de sociedades terá designação de que constarão as palavras ‘grupo de sociedades’ ou ‘grupo’.
Parágrafo único. Somente os grupos organizados de acordo com este Capítulo poderão usar designação com as palavras ‘grupo’ ou ‘grupo de sociedade’”. (grifou-se)