Estamos há pouco mais de um ano sob o regime exclusivo da Lei nº 14.133/2021, mas não podemos nos esquecer que ela está vigente e aplicável, para todos os fins e efeitos, desde o dia 1º de abril de 2021.
É válido sublinhar que a boa e plena aplicação da nova lei poderá proporcionar maior segurança, transparência e eficiência às contratações públicas, mas, para que isso se concretize, há necessidade de serem feitas mudanças que demandam comprometimento da alta administração, bem como um esforço significativo de adequação de seus termos às realidades locais. Nesse contexto, os municípios brasileiros, sobretudo os de pequeno porte, ainda enfrentam alguns desafios.
No presente arrazoado, lançaremos os nossos olhares aos municípios com população de até 20 mil habitantes, já que o art. 176 da nova lei trouxe um prazo de até seis anos para que determinadas exigências fossem por eles atendidas.
As exigências acima referidas incluem a obrigatoriedade de realização de licitações exclusivamente na forma eletrônica, prevista no art. 17, § 2º, a implementação de regras de divulgação em sítios eletrônicos oficiais e o cumprimento de disposições relativas à gestão por competências e aos agentes de contratação, estabelecidos nos arts. 7º e 8º.
Tais vindicações previstas na norma demandam não apenas ajustes administrativos, mas também investimentos em infraestrutura e capacitação de agentes públicos para a operacionalização da nova lei. Além disso, a necessidade de organização e do planejamento é impositiva.
O impacto que essa transição representa na gestão pública local não pode ser subestimado, razão pela qual alguns alertas são necessários, a fim de que, chegando o termo final do prazo estipulado pela norma, os municípios já estejam em plenas condições de atender as suas exigências.
Principais desafios para os pequenos municípios na aplicação da lei
Os pequenos municípios enfrentam desafios significativos para a implementação integral da nova legislação, sendo a escassez de recursos financeiros um de seus principais obstáculos, o que dificulta tanto a contratação de consultorias especializadas quanto a aquisição de ferramentas tecnológicas adequadas para o processamento de suas contratações e o atendimento pleno da transparência.
Além disso, muitos agentes públicos responsáveis pelas contratações realizadas nos municípios carecem de formação adequada, específica e atualizada. Essa realidade compromete a capacidade técnica necessária para lidar com o plexo de exigências consignadas na nova lei de licitações. Outro problema relevante é a infraestrutura tecnológica, frequentemente insuficiente no âmbito dos municípios. Isso, certamente, pode inviabilizar a realização de processos informatizados de forma eficiente, transparente e regular.
Um ponto crucial é a necessidade de maior transparência e acesso à informação nas contratações públicas. Nesse contexto, o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) surge como uma solução importante para centralizar a divulgação de dados e minimizar a assimetria informacional. Por meio dessa plataforma, será possível aumentar o controle social e permitir a obtenção de contratações mais vantajosas e transparentes.
Estratégias práticas para uma transição eficaz à nova Lei de Licitações
Para superar os desafios impostos pela nova legislação, é essencial que os pequenos municípios adotem estratégias rápidas e assertivas, independentemente do prazo remanescente que ainda possam dispor.
Nesse sentido, o investimento em capacitação dos agentes públicos que atuem no campo das contratações públicas, por meio de treinamentos e cursos específicos, é uma ação que nos parece ser prioritária.
Paralelamente, é necessário realizar um diagnóstico detalhado sobre o grau de adequação atual do município, identificando lacunas e definindo soluções viáveis, econômicas e possíveis de serem adotadas a curto, médio e longo prazo.
A implantação de ferramentas tecnológicas compatíveis com as exigências legais, como, por exemplo, o uso de sistema de compras disponibilizado gratuitamente pelos Governos Estaduais e Federal, assim como o uso do próprio PNCP, deve ser priorizada, pois aumenta a eficiência, promove a transparência e reduz os riscos de inconformidades.
Outro ponto crucial é a atualização normativa local, com revisão das legislações municipais relacionadas às licitações e contratos. Alinhar essas normas aos dispositivos da nova lei é fundamental e preserva a competência regulamentar do ente, sobretudo para tratar de aspectos locais e relevantes para a boa gestão de suas contratações públicas.
Além disso, fomentar a cooperação intermunicipal, por meio de consórcios públicos e parcerias regionais, pode ser uma solução eficaz para superar limitações financeiras, de pessoal e estruturais.
Pontos críticos e alertas na transição plena
A transição para a plena aplicabilidade da Lei nº 14.133/2021 impõe aos gestores municipais uma série de responsabilidades cuja negligência pode acarretar graves consequências.
Cumprir o prazo de seis anos, previsto no art. 176, não é apenas uma obrigação formal, mas uma condição indispensável para evitar irregularidades e ilegalidades que possam comprometer a administração pública local.
Outro ponto de atenção é a insegurança jurídica que pode emergir de uma implementação inadequada da lei. Processos administrativos e judiciais decorrentes de falhas na conformidade normativa podem paralisar iniciativas essenciais, aumentando os custos e gerando instabilidade para o município. Soma-se a isso o fato de os tribunais de contas estarem intensificando sua atuação para monitorar, por meio de ferramentas de inteligência artificial, a regularidade, conformidade e economicidade das contratações públicas, colocando os gestores sob maior escrutínio.
O Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) desempenha um papel central nesse processo, funcionando como um instrumento de transparência e controle social. Por meio dele, as administrações municipais podem acessar informações centralizadas que promovem a simetria informacional, minimizam os riscos de práticas inadequadas e fortalecem a eficiência das contratações. Ignorar o potencial do PNCP significa abrir mão de uma ferramenta estratégica que não apenas facilita a adaptação às exigências legais, mas também moderniza e torna mais transparente a gestão pública.[1]
Assim, o momento exige uma postura proativa dos gestores, que devem priorizar o planejamento, a capacitação e o investimento em soluções tecnológicas, notadamente aquelas disponibilizadas gratuitamente por outros entes da federação. Tratar essa transição como oportunidade e não como fardo será determinante para alcançar o equilíbrio entre conformidade normativa e eficiência administrativa.
Considerações finais: lições para uma gestão pública eficiente e moderna
A transição para a completa aplicação da Lei nº 14.133/2021 deve ser encarada como uma oportunidade para modernizar e aprimorar a gestão pública municipal. Embora o prazo de seis anos previsto no artigo 176 ofereça uma margem de adaptação, sua utilização eficiente é fundamental para evitar riscos e assegurar o cumprimento das novas obrigações legais.
Conforme se destacou neste arrazoado, ações prévias, como capacitação, planejamento e busca por soluções colaborativas, são determinantes para o sucesso desse processo. O uso do PNCP, além de ser uma exigência legal, deve ser visto como um aliado na promoção de transparência e eficiência. Ele oferece mecanismos para melhorar o controle social e reduzir os custos de transação, beneficiando tanto o poder público quanto os agentes econômicos.
O prazo de seis anos é significativo, mas sua boa utilização é crucial para que os municípios possam se alinhar à nova realidade normativa sem sobressaltos.
Destarte, o momento exige uma postura proativa por parte dos gestores públicos, que devem atuar com foco no planejamento, na capacitação e na adoção de soluções tecnológicas que promovam maior eficiência e transparência das contratações. Desse modo, os pequenos municípios poderão não apenas atender às exigências legais, mas também aprimorar significativamente sua gestão pública em benefício de toda a sociedade.
[1] Em artigo escrito em conjunto com Stella Cláudio Gioielli, tratamos das peculiaridades e da importância do Portal Nacional de Contratações Públicas, sobretudo como meio de diminuição da assimetria de informações e de garantir a ampla transparência nas contratações públicas (ALVES LIMA, Edcarlos; GIOIELLI, Stella Claudio. O Portal Nacional como Meio de se Garantir a Ampla Transparência e Simetria de Informações nas Contratações Públicas. Cadernos, [S.l.], v. 1, n. 9, p. 21-38, jul. 2022. Disponível em: <https://www.tce.sp.gov.br/epcp/cadernos/index.php/CM/article/view/202>. Acesso em: 23 jan. 2025).
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