BENS PÚBLICOS. UTILIZAÇÃO POR TERCEIROS. INSTRUMENTOS JURÍDICOS ADEQUADOS.

No âmbito do regime jurídico de direito público, os seguintes instrumentos são hábeis para formalizar a disponibilização e o uso de espaços públicos por terceiros: autorização de uso, permissão de uso, concessão de uso, concessão de direito real de uso e cessão de uso. Os conceitos de tais institutos são frutos, em grande parte, da construção doutrinária e sobre os quais se fará aqui um breve resumo.

A autorização de uso é um ato administrativo unilateral, discricionário e precário por intermédio do qual a Administração Pública faculta o uso de determinado bem público a particular, por período de curta duração e em atenção a interesse predominantemente privado.

A principal característica da autorização de uso, portanto, é o predomínio do interesse privado sobre o público. De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro, “a utilização [do bem] não é conferida com vistas à utilidade pública, mas no interesse privado do utente. Aliás, essa é uma das características que distingue a autorização da permissão e da concessão.”[1]

A permissão de uso, por sua vez, é também um ato administrativo unilateral, discricionário e precário. A principal diferença deste instituto jurídico para a autorização de uso reside no fato de que, na permissão, o uso do bem público é destinado a particular para atender a um interesse predominantemente público.

Segundo explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “(…) embora seja assegurada, com a permissão, determinada vantagem ao usuário [do bem], não auferida pela generalidade dos indivíduos, o uso por ele exercido deve proporcionar algum benefício de caráter geral. Por essa razão, também, embora o vocábulo permissão dê a ideia de faculdade que pode ser ou não exercida, na realidade o permissionário se obriga a utilizar o bem para o fim predeterminado, sob pena de, não o fazendo, ser-lhe retirada a permissão.”[2]

Assim, “qualquer bem público admite permissão de uso especial a particular, desde que a utilização seja de interesse da coletividade que irá fruir de certas vantagens desse uso, que se assemelha a um serviço de utilidade pública, (…). Se não houver interesse para a comunidade, mas tão-somente para o particular, o uso especial não deve ser permitido (…), mas simplesmente autorizado, em caráter precaríssimo.”[3]

Já a concessão de uso, de acordo com as lições de Hely Lopes Meirelles, “(…) é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua destinação específica.”[4]

A característica marcante que diferencia este instituto jurídico da permissão de uso é a natureza e o vulto dos investimentos a serem realizados pelo particular para desenvolver a atividade prevista. Logo, a concessão de uso é destinada a ajustes que demandam médio ou longo prazo, de modo a garantir que o concessionário, com a exploração do bem, seja ressarcido dos investimentos realizados para a execução da atividade prevista no contrato de concessão.

A concessão de direito real de uso é uma espécie qualificada de concessão de uso[5], pela qual a Administração transfere o uso de bem público a terceiro, como direito real resolúvel[6], com a finalidade específica de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou outras formas de exploração de interesse social, tendo sido instituída pelo Decreto-Lei nº 271, de 28.02.67 e sobre a qual comenta Odete Medauar:

“d) Concessão de direito real de uso – Essa figura foi criada no ordenamento brasileiro pelo Dec.-lei 271/67, arts. 7.° e 8.°. Durante muito tempo pouco se cogitou a respeito; em anos recentes, no entanto, passou a ser objeto de atenção e a ser invocada no tema da moradia da população de baixa renda. Segundo o art. 7.° do referido texto, a concessão de direito real de uso, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, incide sobre terrenos públicos, como direito real resolúvel. Seus fins são específicos, aí indicados: urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social. O art. 17, § 2.°, da Lei 8.666/93 prevê a possibilidade de concessão de direito real de uso de bens públicos imóveis, dispensada a licitação, quando o uso se destina a outro órgão ou entidade da Administração Pública.”[7]

Por fim, a cessão de uso é o instrumento pelo qual se opera a transferência da posse de um bem público de um órgão ou entidade da Administração Pública para outro, para ser utilizado de acordo com a destinação fixada. É considerado, assim, um ato de colaboração entre entes públicos, onde um ente cede o uso de um bem que, a princípio, não lhe está sendo necessário, a outro ente que necessita do bem para realizar suas atividades finalísticas e institucionais.

Portanto, cabe à Administração, conforme a destinação a que se pretenda dar ao imóvel em cada caso, adotar a forma mais compatível com a situação concreta, sendo que para casos de uso eventual/episódico do bem, destinado ao desenvolvimento de atividade de curta duração com prevalência do interesse privado (a exemplo da realização de feiras ou eventos), o instrumento mais adequado é o da autorização, a qual não exige prévia licitação para sua utilização, sendo que para outras atividades, em que prevalece o interesse público sobre o particular, cabível a permissão ou a concessão (utilizada conforme o vulto dos investimentos e necessidade de prazo mais alongado do contrato), estas, a rigor, precedidas por licitação, nos termos do art. 2º da Lei 8.666[8].


[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.24 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 695.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito…, p.696.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 476.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito…, p. 478.
[5] “33. Assim, acerca do instituto da concessão de uso pode-­se concluir que: I ­ a concessão não decorre do intuito de colaboração, sendo modalidade contratual para uso privativo de bem público por particular, de acordo com a destinação do bem, não necessariamente revestida de interesse público; II ­ em uma gradação entre as modalidades clássicas da autorização e da permissão de uso, a concessão de uso é a mais complexa, a possuir caráter mais estável da outorga, sendo indicada para o exercício de atividades de utilidade pública de maior vulto, mais onerosas para o concessionário; e III­ tem sempre caráter oneroso (associada que é à finalidade lucrativa) e contratual, devendo ser observado o procedimento licitatório como regra e dispensa e inexigibilidade, quando cabíveis. 34. É relevante notar que a modalidade de concessão de uso de bem público que merece maior atenção do legislador, é, à toda evidência, a concessão de direito real de uso, que é uma espécie qualificada de concessão de uso, utilizada com finalidades específicas, como a regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação e outros fins de interesse social.” Fonte: PARECER n. 00014/2015/DEPCONSU/PGF/AGU.
[6] Nos termos do que determina o §3º do art. 7º do Dec. Lei 271/67, oconcessionário poderá fruir livremente do terreno, utilizando-se de todas as prerrogativas típicas dos direitosreais, desde que não de destinação contrária à estabelecida no contrato ou termo de concessão, oudescumpra cláusula resolutória, caso em que perderá, inclusive, as benfeitorias de qualquer natureza.
[7] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 246.
[8] “Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.” (grifou-se)

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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