Desde o início da idade contemporânea, após o fim da Revolução francesa em 1789 e com o evento da Revolução Industrial, em meados de 1800, a humanidade passou por avanços tecnológicos nunca vistos antes e, em duzentos anos notou-se um progresso que não fora visto dentro de um milênio. Tal andamento ocorreu praticamente em todas as áreas do conhecimento dominadas pelo ser humano, do ramo automobilístico ao aeronáutico, da medicina às demais áreas da saúde, da sociologia à matemática, entre tantas outras especialidades.
No entanto, episódios como o a da pandemia da Covid-19 nos mostram que nunca estaremos tão bem preparados como pensamos que estamos, mesmo com o aprendizado de outras situações ocorridas também na área da saúde já na contemporaneidade, como a cólera no século XIX, a gripe espanhola entre 1918 e 1920, o vírus da AIDS e uma das mias recentes, em 2009, com a H1n1.
Ocorre que, todos esses avanços citados, que permeiam também a logística demandada em eventos como o que estamos vivendo atualmente, passando em muito pela administração de recursos, aquisição de bens e insumos, contratação de serviços, distribuição de itens e utilização dos meios de comunicação e transporte para dar efetividade ao combate de toda a situação, tem a sua capacidade de apoio extremamente reduzida quando a gestão é realizada de modo deficiente, ou seja, mesmo com a presença de tanta tecnologia e ferramentas de suporte, se a sua aplicação não se der de maneira eficaz, teremos uma atuação e, consequentemente um resultado defeituoso ou, no mínimo, distante daquele que poderíamos atingir com tantos artifícios a disposição.
No acórdão em comento, o Tribunal de Contas da União junto ao Ministério Público, pleiteou a adoção de providências para o imediato e adequado uso dos testes para detecção da Covid-19, eis que o estoque nacional se aproxima da data de vencimento e a preocupação em perder todo o material aumenta a cada dia diante da falta de atitude dos órgãos responsáveis.
A corte vem acompanhando todas as ações adotadas pelo Ministério da Saúde no enfrentamento da pandemia e, em dezembro do ano passado, foi detectado que haviam em estoque cerca de 7 (sete) milhões de testes para a covid-19, dos quais 2,8 (dois vírgula oito) milhões venceriam naquele mesmo mês e, o restante, atingiria o prazo de validade em janeiro de 2021, o que fez com que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) prorrogasse os prazos validade por mais quatro meses.
Os principais motivos elencados para a não aproveitamento dos testes são: i) a falta de articulação com os entes subnacionais; ii) a compra apenas de parte dos insumos necessários à realização dos exames; iii) o fato de que a contratação da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), fornecedora dos exames RT-PCR, além de não ter tramitado pela área técnica competente (Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública – CGLAB), aparentemente não foi precedida de elaboração de termo de referência com as justificativas, termos, cronograma esperado e quantitativos para a aquisição; iv) a quantidade inicial adquirida pelo Ministério da Saúde em princípio contrariou o planejamento da CGLAB, que previa a necessidade de prévio aumento da capacidade de processamento laboratorial com instalação de equipamentos e com automação na fase de extração; e v) dúvidas sobre a compatibilidade dos testes de detecção da Covid-19 adquiridos e os equipamentos de amplificação existentes na Rede Central de Processamento da Fiocruz, nas Unidades de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19 e nos Laboratórios Centrais de Saúde Públicas dos Estados e do Distrito Federal.
Dar vazão a este estoque não deveria, mas tem sido difícil para o Governo Federal, que inclusive tentou realizar a doação de novecentos e setenta mil kits ao Haiti, sem sucesso. Em um relatório encaminhado recentemente pelo Ministério da Saúde ao TCU, contendo dados sobre a entrada e saída dos testes, ficou demonstrado que outras trinta mil unidades estão próximas do vencimento, que ocorrerá entre maio e junho deste ano, já aplicada a extensão permitida pela ANVISA, de modo que o problema que se apresentou em dezembro com relação aos respectivos testes se mostra persistente e, a capacidade de solução pequena.
Pelo grande número de produtos sem destinação o risco de descarte é grande, situação que certamente acarretará em dano ao erário. A média de utilização de testes nos últimos meses foi de 6.179 (seis mil cento e setenta e nove), algarismo bastante inferior ao que se apresenta em estoque, isso enquanto milhares de brasileiros, que não possuem condições financeiras, precisam desembolsar um valor superior a cem reais se quiserem descobrir se estão infectados ou não pela covid-19.
Até aqui, foi referendada cautelarmente pelo Tribunal de Contas da União ao Ministério da Saúde, com fulcro no art. 276, § 1º do RITCU, a imediata destinação dos kits fornecidos pela OPAS que vencerão nos meses de maio e junho de 2021, medida que acolheu proposta apresentada pela Secex Saúde, unidade técnica responsável pela instrução do feito, para onde foram então encaminhados os autos para adoção das providências cabíveis.
Com isso, ao passo que a pandemia mostra números cada vez mais alarmantes no mundo todo, com cerca de 158 milhões de casos confirmados e 3,29 milhões de mortes, desdobramentos como este devem ser completamente inadmissíveis e, a gestão ser feita de maneira muito mais eficiente, pois com toda certeza dentro do nosso país, milhares de pessoas gostariam de ser testadas com os kits que se encontram estocados e, por enquanto não possuem destinação.