COMENTÁRIOS AO ARTIGO 89 DA LEI Nº 8.666/1993: CONTRATAÇÃO DIRETA FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS PREVISTAS

1. Introdução

Ainda que a supremacia do interesse público alicerce a exigência de licitação para contratações da Administração Pública, é inegável que existirão situações nas quais a competição licitatória se mostrará impossível ou, ainda que factível, frustrante, caso estabelecida visando o interesse público almejado.

Nessas hipóteses, a lei autoriza a adoção de procedimento diferenciado, com alterações de formalidades, advindo daí as contratações diretas sem licitação, por intermédio de dispensas ou inexigibilidades.

Tratamos da questão no livro “Contratando sem licitação”,1 quando informamos que distinguimos três formas de contratação direta na Lei Geral de Licitações:2 (a) a licitação dispensada, tratada no art. 17; (b) a licitação dispensável, aludida no art. 24; e (c) a licitação inexigível, versada no art. 25.

A grande maioria dos autores segue essa partição – embora existam alguns que considerem apenas a existência do duo dispensa e inexigibilidade. Como cada hipótese deriva de situações diversas, não há como reconhecer que, em termos práticos, a qualificação tripartite seja benéfica.

Na licitação dispensada (art. 17), intimamente ligada à alienação de bens públicos, a Administração Pública figura, de regra, como “vendedora”, enquanto que, na licitação dispensável (art. 24), em posição oposta, atua como “compradora”, isto é, na qualidade de “contratante” (adquirindo bens ou contratando a prestação de serviços ou a execução de obras).

Na licitação inexigível (art. 25), a Administração também intenta contratar, assumindo, nesse mister, posição idêntica à prevista na licitação dispensável.

Noutro quadrante, nos casos de licitação dispensável, mesmo sendo possível a competição licitatória, a lei autoriza a não realização de certame licitatório, segundo critério de oportunidade e conveniência. Já nas hipóteses de licitação dispensada, a lei rejeita a realização do certame, não havendo margem para a discricionariedade da Administração.

Nesse contexto, a posição plenária da Corte de Contas federal, que, ao apreciar a matéria, fez constar, no Acórdão nº 2837/2008, que, na licitação dispensada, diversamente do que ocorre nos casos de licitação dispensável, não cabe ao administrador a decisão de licitar ou não, pois é a própria lei que determina a contratação direta.

Outro elemento comprovador da real existência da diferenciação entre a licitação dispensada e a dispensável é encontrado no próprio texto legal. O art. 26, objetivando o controle das contratações diretas, determina, perseguindo a eficácia do ato, a comunicação do enquadramento, no prazo máximo de três dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial.3

Verifica-se que o preceptivo, nas hipóteses de licitação dispensada (art. 17), não determina o cumprimento das formalidades, o que demonstra simplificação procedimental (sendo obrigatório o atendimento tão somente nas situações reguladas nos §§ 2º e 4º do art. 17), enquanto que, no caso de licitação dispensável (art. 24), com exceção das hipóteses previstas nos incs. I e II do art. 24, que tratam de dispensa em função do baixo valor da contratação, exige a observância às formalidades instituídas no dispositivo.

Em síntese, por tudo que foi exposto, conclui-se que:

  • Licitação dispensada ocorre quando a lei determina que se faça a contratação direta, sem a realização de licitação;
  • Licitação dispensável ocorre quando a lei autoriza a contratação direta, sem a realização de licitação; e
  • Licitação inexigível é a que a realização de licitação é inviável.

Nesse passo, o art. 89 da Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993), inaugurando a Seção III – Dos Crimes e das Penas, prevê como crime a dispensa ou a inexigibilidade licitatória “fora das hipóteses previstas em lei” ou “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”.4

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

2. Das condutas puníveis

O preceptivo indica três condutas puníveis:

  • Dispensar a licitação em hipótese não prevista na lei;
  • Inexigir a licitação em situação não indicada no diploma; e
  • Deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade licitatória.

Como já registrado, três são os artigos da Lei Geral de Licitações que aludem a matéria: 17, 24 e 25.

O art. 17, versando sobre a alienação de bens e direitos da Administração, ao tratar das “licitações dispensadas”, disciplina dois objetos normativos: os requisitos para alienação de bens e as situações de dispensa de licitação.

Com relação à alienação de imóveis públicos, o dispositivo relaciona exaustivamente as situações cuja licitação restará dispensada, a saber:

  • Dação em pagamento (artigos 356 a 359 CC);
  • Doação (art. 538 CC), permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;
  • Permuta (art. 533 CC);
  • Investidura;
  • Venda a outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera do governo;
  • Alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública;
  • Procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei nº 6.383/1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição;
  • Alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública;
  • Alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; e
  • Concessão de título de propriedade ou de direito real de uso quando a utilização do imóvel destinar-se: (a) a outro órgão ou entidade da Administração Pública, qualquer que seja a localização do imóvel; ou (b) a pessoa natural que, nos termos da lei, regulamento ou ato normativo do órgão competente, haja implementado os requisitos mínimos de cultura, ocupação mansa e pacífica e exploração direta sobre área rural situada na Amazônia Legal, superior a 1 [um] módulo fiscal e limitada a 15 [quinze] módulos fiscais, desde que não exceda 1.500ha [mil e quinhentos hectares].

Tal como ocorre com os bens públicos imóveis, também os bens públicos móveis possuem situações exaustivas passíveis de dispensa licitatória.

Seis são as hipóteses:

  • Doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;
  • Permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;
  • Venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;
  • Venda de títulos;
  • Venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em face de suas finalidades; e
  • Venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe.

O art. 24, por sua vez, aborda a hipótese de “licitação dispensável”, ou seja, a que desobriga a instauração da licitação, caso seja conveniente ao interesse público.

Muito embora a regra para celebração de contratos pela Administração Pública seja a instauração da licitação, a lei ressalva hipóteses em que o administrador poderá prescindir de fazê-la, com supedâneo na Constituição Federal, dado que o inc. XXI do art. 37, ao estabelecer a obrigatoriedade do certame licitatório, exime de competição os casos especificados na legislação.

A razão é simples: nem sempre o procedimento licitatório determina uma contratação mais vantajosa.

Nesse contexto, o artigo elenca 35 hipóteses exaustivas de dispensa de licitação:

o Obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso I do art. 23, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

  • Outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo 23 e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;
  • No caso de guerra ou grave perturbação da ordem;
  • No caso de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;
  • Quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas;
  • Quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços ou normalizar o abastecimento;
  • Quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o § 3º do art. 485 e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços;
  • Para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência da lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
  • Quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;
  • Para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;
  • Na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;
  • Nas compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes, realizadas diretamente com base no preço do dia;
  • Na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;
  • Na aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem manifestamente vantajosas para o Poder Público;
  • Na aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.
  • Na impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;
  • Na aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;
  • Nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a exiguidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea “a” do inc. II do art. 23;
  • Nas compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto;
  • Na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
  • Na aquisição ou contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento, limitada, no caso de obras e serviços de engenharia, a 20% (vinte por cento) do valor de que trata a alínea “b” do inc. I do art. 23;
  • Na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica;
  • Na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
  • Na celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão;
  • Na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica – ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida;
  • Na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação;
  • Na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública;
  • Na contratação de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão;
  • Na aquisição de bens e contratação de serviços para atender aos contingentes militares das Forças Singulares brasileiras empregadas em operações de paz no exterior, necessariamente justificadas quanto ao preço e à escolha do fornecedor ou executante e ratificadas pelo Comandante da Força;
  • Na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal;
  • Nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3o, 4o, 5o e 20 da Lei no 10.973/2004,6 observados os princípios gerais de contratação dela constantes;
  • Na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica;
  • Na contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou falta regular de água;
  • Na aquisição por pessoa jurídica de direito público interno de insumos estratégicos para a saúde produzidos ou distribuídos por fundação que, regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da administração pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos do inciso XXXII do art. 23,7 e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; e
  • Na construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública.

O art. 25 trata de licitações inexigíveis, tendo especificidade diferenciada, pois, como o próprio dispositivo informa, ocorrem quando houver inviabilidade de competição.

Comentamos sobre a questão: “Como preconiza a Carta Magna, a licitação pública é a ferramenta obrigatoriamente adotada pela Administração para oferecer oportunidades iguais a todos que com ela queiram contratar, sempre cotejando propostas com o intuito de escolher a mais vantajosa ao interesse público. Nessa qualidade, a licitação pressupõe viabilidade de competição. Logo, havendo comprovada inviabilidade dessa disputa, a licitação perde a sua razão de ser, advindo, como resultado lógico, as situações em que a competição não é exigida. Nessa contextura, a inexigibilidade de licitação sempre decorrerá da inviabilidade de competição. Essa, inclusive, é a expressa indicação do caput do art. 25 da Lei nº 8.666/1993: “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição”. Clarificando a questão, Carlos Pinto Coelho Motta8 assenta que, nesse caso, a lei concebe a tese da licitação materialmente impossível. Destarte, nas situações enquadráveis em inexigibilidade, o dever de licitar será, dada a impossibilidade fática de confronto, totalmente afastado”.9

Contudo, ao tratar da inexigibilidade licitatória, o legislador fez constar, a título elucidativo, os mais tradicionais exemplos de situações com essas características, sem a mínima preocupação de exauri-las. Tanto é que, ao traçar o texto do caput do dispositivo, registrou a expressão “em especial”,10 incutindo a não taxatividade das hipóteses elencadas.

Dispusemos: “Deflui-se que o caput do art. 25 tem função normativa independente, podendo uma contratação direta nele fundar-se exclusivamente, sem a necessidade de enquadramento em qualquer um dos incisos que, como explicitado, apenas exemplificam alguns casos passíveis de enquadramento”.11

Assim, como uma das circunstâncias elencadas no art. 89 em comento é “inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei”, e como as situações legais indicadas são exemplificativas, entenda-se que o legislador sinalizou que estaria incorrendo em crime o agente público que venha a enquadrar como inexigível de certame um objeto passível de ser licitado.

Observamos: “Verifica-se, de plano, defeito insuperável nesse texto que dá início à parte penal da lei. Busca-se, à evidência, a proteção da total lisura nas contratações sem licitação, com o impedimento do alargamento das hipóteses de dispensa e inexigibilidade. Ocorre, porém, como já comentado, que, diferentemente das hipóteses de dispensa de licitação elencadas no art. 24, que são exaustivas, os casos de inexigibilidade não se exaurem nas três situações que o art. 25 enumera. Ao contrário, como o próprio caput do dispositivo indica, a licitação só pode ser inexigível quando constatada a inviabilidade de competição. Daí vislumbra-se a falta de objetividade jurídica do texto legal”.12

É de se ressalvar, entrementes, que os incisos exemplificativos possuem grande importância, pois detêm função restritiva, estabelecendo requisitos e pressupostos de admissibilidade da contratação direta nos casos previstos, sendo eles:

a) aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

b) contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13,13 de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização;14 e

c) contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Averbe-se aqui a existência de regras específicas sobre o tema referente às empresas estatais. São aplicáveis às licitações e contratos regidos pela Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) as normas de direito penal da Lei Geral de Licitações. Pois bem, se art. 28, que inicia o Capítulo I (Das Licitações), versando sobre a exigência de licitação e dos casos de dispensa e de inexigibilidade (Seção I), preceitua que os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos da lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30, que tratam de dispensa e inexigibilidade.15

Contudo, o § 3º prevê exceções importantes, dispensando as empresas públicas e as sociedades de economia mista da observância dos dispositivos do capítulo nas seguintes situações:

a) comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais; e

b) nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.

Segundo o § 4º consideram-se “oportunidades de negócio” a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

Observamos sobre a matéria:16

“O §3º assenta que as empresas estatais estão liberadas de observância aos dispositivos referentes às licitações nas seguintes situações: (a) comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais; e (b) quando a escolha do parceiro estiver associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.

Evidentemente, para atuarem, as estatais, como qualquer outra empresa, precisam celebrar contratos com terceiros. Tais ajustes poderão consignar contratações de bens, serviços ou obras destinadas ao desenvolvimento normal de seus trabalhos, ou, por outro lado, ser inerentes à própria atividade para a qual foram criadas.

Inteligentemente, o legislador considerou essa distinção ao estabelecer os dois parâmetros para a não adoção das formas licitatórias.

Destarte, as regras do inc. I, que desobrigam as estatais da aplicação de procedimentos licitatórios nos casos de comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais, intencionam assegurar a competitividade. Nesse caso, foram atendidas não só as observações da doutrina, mas a orientação do TCU, que apontavam no sentido de que as empresas estatais não precisariam licitar atividades-fim.

Já as normas do inc. II, que afastam a aplicação quando a escolha do contratado (parceiro) estiver associada a características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, objetivam o fomento das operações no mercado de capitais.

Nessa hipótese, o §4º indica o que seria essa oportunidade de negócios: ‘a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente’.

Parece-nos que tem razão Ronny Charles, que considera essa descrição exemplificativa, não exaurindo a possibilidade de que outras relações negociais se enquadrem na referida circunstância.17

A matéria é comentada por Bernardo Strobel Guimarães, que chega a visualizar que o inciso delineia mais uma situação de inexigibilidade de licitação, considerando que o próprio dispositivo encerra seu texto mencionando que está ‘justificada a inviabilidade de procedimento competitivo’: {Cuida-se de tema importantíssimo na prática, que não havia sido ainda objeto de disciplina detalhada por parte do legislador. Nada obstante a ausência de normas expressas sobre o tema, diversas estatais passaram a explorar atividades de negócio ao lado de seus objetivos primários. Isso com vistas a assegurar os mais diversos objetivos tais como: acesso a setores estratégicos, para dispersar riscos, para promover a inovação tecnológica, etc. (…). Logo, é claro o afastamento da licitação para a exploração das chamadas . Aqui, o tema deve ser encarado sobre a ótica da gestão da empresa e da seleção a partir de critérios técnicos empresariais. Toda vez que o negócio a ser estruturado não constituir a aquisição pura e simples de bens e serviços (o que exige licitação, cf. art. 28, caput), a seleção do parceiro deve se pautar pela lógica da inexigibilidade de licitação. Isso porque não há aqui a possibilidade de se criar uma métrica objetiva para a seleção do parceiro a ser escolhido para explorar o que a lei chamou de . Note-se, portanto, que a parte final da redação do art. 28, § 3º, II (que diz ) não é um convite velado à realização da licitação. A referida justificativa serve exatamente para indicar que o vínculo a ser celebrado constitui uma verdadeira , e não a celebração de um contrato ordinário. Em se estando diante de uma verdadeira , o caso será de inexigibilidade, ainda que possa haver outros particulares (em tese) capazes de celebrar vínculo dessa natureza com a empresa estatal}”.18

Assente-se que, a nosso ver, como anotamos no livro mencionado19, em que pese à menção à inviabilidade de procedimento competitivo no próprio corpo do preceptivo, consideramos que a situação não configura um caso de inexigibilidade de licitação, mas, sim, de inaplicabilidade das regras licitatórias, em face de incompatibilidade, tal como ocorre com a escolha de partícipes num convênio, não podendo, devido à sua essência, ser submetidas a licitações.

Cabe anotar, contudo, que se faz presente a necessidade da demonstração de inviabilidade de competição. Ronny Charles e Dawison Barcelos, nesse sentido, salientam que se trata de uma qualificante para a escolha do parceiro, uma vez que a disputa, em determinadas situações, pode ser inútil ou prejudicial para a escolha adequada para a Administração: “A utilização tecnicamente inadequada do vocábulo ‘inviabilidade’ não deve ser usada para conectar esta hipótese de “não observância” a uma hipótese de inexigibilidade, mas como qualificante necessária à escolha do parceiro. Assim, mesmo que se configure como uma ‘oportunidade de negócio’ a realização de determinada parceria, a indicação do eventual parceiro, sem procedimento competitivo, exige que seja justificada certa inviabilidade. Bom frisar, assim como ocorre na inexigibilidade, a inviabilidade de procedimento competitivo não ocorre apenas nas situações em que é impossível haver disputa, mas também naquelas em que a disputa é inútil ou prejudicial para a escolha adequada da parceria. Aqui também, verificar-se-á a inviabilidade de competição em várias situações, como na ausência de pluralidade de interessados aptos, quando o procedimento licitatório não for adequado a atender à necessidade da Administração, quando os critérios de seleção forem inapropriados à escolha do objeto contratual pretendido”.20

3. Da objetividade jurídica

O bem jurídico tutelado é a moralidade administrativa, salvaguardando-se a regularidade e a lisura de uma contratação pública, notadamente a competitividade.

É crime de perigo abstrato, pois não há necessidade do contrato (celebrado ou a ser celebrado) com a Administração venha a causar-lhe prejuízo.

Nesse sentido, a decisão do TJRS: “O crime do art. 89, caput, da Lei 8.666/1993, para sua caracterização objetiva, dispensa a demonstração da determinação do prejuízo econômico para a Administração Pública. O fracionamento de contrato de serviço público contínuo e permanente feito pela Administração visando evitar a realização de prévia licitação caracteriza a prática do crime do art. 89, caput.”

Ainda que o contrato seja considerado necessário para a Administração, a incriminação decorrerá da dispensa ou inexigibilidade da licitação irregular, independentemente de prejuízo. Como anota Vicente Greco Filho,21 caso haja prejuízo concreto à Administração, que consistiria no superfaturamento do preço, ensejará adicional sanção civil, prevista no art. 25, § 2º.22

4. Dos sujeitos do crime

As condutas puníveis indicadas só podem ser cometidas por servidor público, levando em conta o sentido amplo dado pelo art. 84, que considera como tal aquele que exerce cargo, função ou emprego público, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração. Contudo, não seria qualquer servidor, mas somente o agente que tenha recebido oficialmente a atribuição para a declaração de dispensa ou inexigibilidade licitatória.

sujeito ativo do crime, portanto, é o agente público que dispensou a licitação ou não enquadrou a inexigibilidade corretamente (ou seja, que não tenha caracterizado a inviabilidade de licitação) ou, ainda, que não tenha observado as formalidades alusivas às contratações diretas nessas situações.

Consoante o preceituado no parágrafo único do dispositivo, também será considerado sujeito ativo do crime aquele que, estranho aos quadros funcionais da Administração, tenha contribuído para a consumação do ilícito e se beneficiado da dispensa ou da inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com a Administração.

Destarte, o particular beneficiado com o contrato celebrado em função da conduta criminosa do servidor público também estará incurso no crime, sendo punido com a mesma pena (detenção23 de três anos e multa), desde que comprovadamente tenha concorrido para a consumação da ilegalidade.

Existe a possibilidade de terceiros também responderem, como é o caso da autoridade superior que ratifica a dispensa ou a inexigibilidade da licitação ou do procurador ou assessor jurídico que emite parecer concluindo pela legalidade das situações. Na ocorrência, comprovada a participação efetiva, responderão como partícipes. No entender do STJ, o parecerista jurídico não deverá ser responsabilizado quando indicar tão somente a necessidade e conveniência da contratação do serviço, mas não dispor pela dispensa ou inexigibilidade.24 A nosso ver, contudo, o emissor do parecer não estará cometendo o crime ao oferecê-lo favorável a não feitura do certame licitatório, por força da independência técnica e profissional, salvo na hipótese de ajuste doloso prévio.25

sujeito passivo do crime é a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, o fundo especial, a autarquia, a fundação, a empresa pública, a sociedade de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes federativos mencionados, conforme indicado no parágrafo único do art. 1º da Lei.

5. Consumação/Tentativa

5.1 Da consumação

Nas duas primeiras formas (dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei) o crime se aperfeiçoa com os atos oficiais de dispensa ou de inexigibilidade da licitação fora das hipóteses previstas em lei,26 pouco importando, como já gizado, se o contrato foi celebrado ou não.

Na outra forma (deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade), o delito também se aperfeiçoa com os atos oficiais de dispensa ou de inexigibilidade, mas que tenham ocorridos sem o atendimento prévio de prazos e formalidades necessárias, notadamente os elementos obrigatórios de instrução dispostos no parágrafo único do art. 26: razão da escolha do fornecedor ou executante, justificativa do preço, documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados e caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso.

5.2 Da tentativa

Mesmo que o art. 83 indique que “os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo”, entendemos que a tentativa, ainda que teoricamente possível, é, na prática, inviável.

Senão, vejamos: (a) os crimes de “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei”, embora sejam condutas comissivas (os agentes fazem algo proibido), só se consumarão com os atos formais de declaração de dispensa ou de inexigência, logo, não há como dar início à execução e não se consumar, para que se caracterize a tentativa; e (b) o crime de “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, configura conduta omissiva própria, logo, a omissão em si já consuma o crime, afastando a hipótese de tentativa.

6. Do elemento subjetivo

É o dolo, configurado na vontade livre e consciente do agente público de praticar os atos declaratórios de dispensa ou de inexigibilidade da licitação ou de não observar as formalidades concernentes às hipóteses de contratação direta, tendo total ciência dos ilícitos praticados.

Sobre a matéria, como antes anotado, há, no Judiciário, divergências nos julgados no que se refere ao caráter formal ou material do crime, ou seja, quanto à exigência ou não de ocorrência de dano específico ao erário público.

Crimes formais (também chamados delitos de atividade) são aqueles que se contentam com a mera ação humana, esgotando a figura do tipo, para consumação, ainda que não ocorra nenhum dano; são materiais (também conhecidos com causais ou de resultado) os ilícitos que necessariamente demandam para consumação um resultado naturalístico.

É antiga a discussão quanto à aplicação do dispositivo penal, para que se configure o crime, se há a necessidade de dolo específico de fraudar o erário ou de causar prejuízo à Administração.

Como assenta Edson Mazini: “Por um lado, defende-se que o dispositivo tem por função punir o administrador desonesto, e não o somente inábil. Por outro, a inexistência da exigência desse especial fim de agir no dispositivo conduziria à conclusão de que o crime seria de mera conduta. A simples violação das normas que tratam da dispensa e inexigibilidade de licitação já seria suficiente, por si só, para fundamentar uma condenação”.27

Na prática, juízos de primeiro e segundo grau costumam absolver os acusados do ilícito sob a fundamentação de que este se trata de crime material, cuja verificação de efetivo dano aos cofres públicos é essencial para consumação. Assim, não bastaria a prova de que, por exemplo, se dispensou uma licitação fora dos casos legais, mas também a intenção do agente de, assim procedendo, causar prejuízo à Administração.

As decisões absolutórias, geralmente, se fundamentam em precedentes emanados da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Exemplifique-se com a APN nº 375, Corte Especial, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 24.04.2006: “O entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o crime do art. 89 da Lei nº 8.666, de 1993, somente é punível quando produz resultado danoso ao erário”.

Não obstante, observa o jurisconsulto que as 5ª e 6ª Turmas do mesmo Juízo, responsáveis pela apreciação dos feitos criminais, em posicionamentos mais recentes, passaram a entender de forma diversa, sustentando que o crime se refere a um ilícito de mera conduta, não exigindo qualquer resultado naturalístico para a consumação (como a lesão ao erário).28

A despeito disso, em julgado de sua Corte Especial, o mesmo Juízo decidiu, por maioria, que o crime de que trata esse texto exige a vontade do agente voltada a lesar os cofres públicos e, além disso, a existência do efetivo dano ao patrimônio público.29

Com a vivência que temos na matéria, sustentamos que, para a configuração do crime deste art. 89, há a necessidade de dolo específico, ou seja, que a dispensa ou a inexigência da licitação tenham ocorrido com o firme propósito de lesar a Administração, devendo a conduta resultar em efetivo dano ao erário, até porque é bastante factível na situação o crime eventual, notadamente quando o agente é levado a tomar essa iniciativa com base em parecer técnico expedido por setor competente especializado no obejeto em causa.30

Nesse mesmo sentir, Renato Geraldo Mendes e Egon Bockmann Moreira, ao concluírem que não seria admissível reconhecer que o crime previsto no art. 89 é de mera conduta, ou seja, seria suficiente apenas a conduta de não ter realizado a licitação, independentemente da presença do dolo e do resultado danoso, pois bastaria apenas a existência do ato de dispensar ou tornar inexigível a licitação.” 31

No caso do parágrafo único – que igualmente penaliza o particular (extraneus) que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da dispensa ou inexigibilidade ilegal, disso tenha se beneficiado para celebrar contrato com o Poder Público –, ao dolo genérico de contribuir para o afastamento ilegal da licitação, deve-se somar o dolo específico, consistente em concorrer para a ilegalidade com o intuito de celebrar contrato com a Administração.

Como observa Glaucio Roberto Brittes de Araujo, a figura do parágrafo previu corretamente a vontade específica do particular contratado de se beneficiar da dispensa ou inexigibilidade ilícita, evitando, dessa forma, que venha a ser punido tão somente por ter prestado o serviço ou fornecido o bem por contrato cuja ilegalidade fora provocada apenas pelo servidor: “Por ter sido estabelecida tal exigência e criada uma figura autônoma, a opinião predominante é a de que não se admite a participação do contratado na conduta do caput do artigo. Caso contrário, o parágrafo restaria inócuo. Não teria sido criado, se a intervenção penal se contentasse com qualquer contribuição para a falta de licitação, independentemente de desiderato espúrio, como a vantagem própria ou o prejuízo ao erário, e de perspectiva de lesão ao bem jurídico”.32

E mais: ainda que o terceiro particular tenha concorrido para a consumação da ilegalidade, caso não se beneficie celebrando contrato com o Poder Público, não responderá pelo crime.33 É o que também advoga Vicente Greco Filho: “A nós parece que, por força da redação do próprio preceito, não basta ao particular concorrer intencionalmente para a consumação da ilegalidade. Exigiu, ainda, que se beneficie do ato ilegal, celebrando contrato com a Administração”.34

Apesar de a regra mencionar a expressão “concorrer”, o que configuraria, em tese, o concurso de pessoas (coparticipação), verifica-se que, na hipótese, o particular não é colocado como partícipe, mas, sim, como autor, pois é punido na mesma proporção que o agente público.

7. Da pena

A pena prevista é a detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos, tanto para o agente público quanto para o particular.

Cumulativamente, aplicar-se-á a sanção pecuniária (multa), que corresponderá à vantagem obtida ou potencialmente auferível pelo agente, como preceitua o art. 99,35 a qual será fixada e calculada em índices percentuais que, de acordo com § 1o do mesmo art. 99, não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato celebrado.36

8. Do agravamento da pena

Como já explicitado, o § 2º do art. 84 determina que os servidores ocupantes de funções qualificadas (cargos em comissão ou de função de confiança)37 terão aumento da pena aplicável por cometimento de crimes licitatórios (acréscimo da terça parte).38

Trata-se de sanção especial em função de ser nesses servidores, pelas características-chaves de seus trabalhos, que a Administração deposita mais confiança e responsabilidade, motivo pelo qual, inclusive, possuem maior remuneração.39

Destarte, se o autor do crime previsto no artigo for ocupante de cargo em comissão ou de função de confiança, a pena deverá ser aumentada de um terço, consoante determina o dispositivo supracitado.

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1 BITTENCOURT, Sidney. Contratando sem licitação, 2ª edição, São Paulo: Almedina, 2020.
2 A maioria dos autores segue essa partição, mas há os que apenas consideram a existência da dispensa e da inexigibilidade. Entrementes, como de cada hipótese derivam situações diversas, a doutrina em peso reconhece que, em termos práticos, essa qualificação é benéfica.
3 Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados.
4 Cabe registrar a não incidência do delito previsto neste dispositivo nas hipóteses em que as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) firmam contratos com base no previsto no §3º art. 28 da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), uma vez preceituada a dispensa de observância de licitação nas situações de: (a) comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput , de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais; e (b)nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.
5 Art. 48 (…) § 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.
6 Art. 3o A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas, ICTs e entidades privadas sem fins lucrativos voltados para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores e a transferência e a difusão de tecnologia. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
13.243, de 2016) Parágrafo único. O apoio previsto no caput poderá contemplar as redes e os projetos internacionais de pesquisa tecnológica, as ações de empreendedorismo tecnológico e de criação de ambientes de inovação, inclusive incubadoras e parques tecnológicos, e a formação e a capacitação de recursos humanos qualificados. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
Art. 4o A ICT pública poderá, mediante contrapartida financeira ou não financeira e por prazo determinado, nos termos de contrato ou convênio:(Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
I – compartilhar seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações com ICT ou empresas em ações voltadas à inovação tecnológica para consecução das atividades de incubação, sem prejuízo de sua atividade finalística; (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
II – permitir a utilização de seus laboratórios, equipamentos, instrumentos, materiais e demais instalações existentes em suas próprias dependências por ICT, empresas ou pessoas físicas voltadas a atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, desde que tal permissão não interfira diretamente em sua atividade-fim nem com ela conflite; (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
III – permitir o uso de seu capital intelectual em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016) Parágrafo único. O compartilhamento e a permissão de que tratam os incisos I e II do caput obedecerão às prioridades, aos critérios e aos requisitos aprovados e divulgados pela ICT pública, observadas as respectivas disponibilidades e assegurada a igualdade de oportunidades a empresas e demais organizações interessadas. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
Art. 5o São a União e os demais entes federativos e suas entidades autorizados, nos termos de regulamento, a participar minoritariamente do capital social de empresas, com o propósito de desenvolver produtos ou processos inovadores que estejam de acordo com as diretrizes e prioridades definidas nas políticas de ciência, tecnologia, inovação e de desenvolvimento industrial de cada esfera de governo.(Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 1o A propriedade intelectual sobre os resultados obtidos pertencerá à empresa, na forma da legislação vigente e de seus atos constitutivos. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 2o O poder público poderá condicionar a participação societária via aporte de capital à previsão de licenciamento da propriedade intelectual para atender ao interesse público. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 3o A alienação dos ativos da participação societária referida no caput dispensa realização de licitação, conforme legislação vigente. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
Art. 20. Os órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse público, poderão contratar diretamente ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, isoladamente ou em consórcios, voltadas para atividades de pesquisa e de reconhecida capacitação tecnológica no setor, visando à realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 1o Considerar-se-á desenvolvida na vigência do contrato a que se refere o caput deste artigo a criação intelectual pertinente ao seu objeto cuja proteção seja requerida pela empresa contratada até 2 (dois) anos após o seu término.
§ 2o Findo o contrato sem alcance integral ou com alcance parcial do resultado almejado, o órgão ou entidade contratante, a seu exclusivo critério, poderá, mediante auditoria técnica e financeira, prorrogar seu prazo de duração ou elaborar relatório final dando-o por encerrado.
§ 3o O pagamento decorrente da contratação prevista no caput será efetuado proporcionalmente aos trabalhos executados no projeto, consoante o cronograma físico-financeiro aprovado, com a possibilidade de adoção de remunerações adicionais associadas ao alcance de metas de desempenho no projeto. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 4o O fornecimento, em escala ou não, do produto ou processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma do caput poderá ser contratado mediante dispensa de licitação, inclusive com o próprio desenvolvedor da encomenda, observado o disposto em regulamento específico. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 5o Para os fins do caput e do § 4o, a administração pública poderá, mediante justificativa expressa, contratar concomitantemente mais de uma ICT, entidade de direito privado sem fins lucrativos ou empresa com o objetivo de: (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016) I – desenvolver alternativas para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto ou processo inovador; ou (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016) II – executar partes de um mesmo objeto. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 6o Observadas as diretrizes previstas em regulamento específico, os órgãos e as entidades da administração pública federal competentes para regulação, revisão, aprovação, autorização ou licenciamento atribuído ao poder público, inclusive para fins de vigilância sanitária, preservação ambiental, importação de bens e segurança, estabelecerão normas e procedimentos especiais, simplificados e prioritários que facilitem: (Incluído pela Lei nº 13.322, de 2016)
I – a realização das atividades de pesquisa, desenvolvimento ou inovação encomendadas na forma do caput; (Incluído pela Lei nº 13.322, de 2016)
II – a obtenção dos produtos para pesquisa e desenvolvimento necessários à realização das atividades descritas no inciso I deste parágrafo; e (Incluído pela Lei nº 13.322, de 2016)
III – a fabricação, a produção e a contratação de produto, serviço ou processo inovador resultante das atividades descritas no inciso I deste parágrafo. (Incluído pela Lei nº 13.322, de 2016)
§ 4o Os recursos recebidos em decorrência da alienação da participação societária referida no caput deverão ser aplicados em pesquisa e desenvolvimento ou em novas participações societárias. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
§ 5o Nas empresas a que se refere o caput, o estatuto ou contrato social poderá conferir às ações ou quotas detidas pela União ou por suas entidades poderes especiais, inclusive de veto às deliberações dos demais sócios nas matérias que especificar. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016) § 6o A participação minoritária de que trata o caput dar-se-á por meio de contribuição financeira ou não financeira, desde que economicamente mensurável, e poderá ser aceita como forma de remuneração pela transferência de tecnologia e pelo licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação de titularidade da União e de suas entidades. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)
7 XXXII – na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica.
8 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos. 10 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 231.
9 BITTENCOURT, Sidney. Contratando sem licitação. 2ª edição. São Paulo: Almedina, 2020.
10 Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (…). 11 BITTENCOURT, Sidney. Contratando sem licitação. 2ª edição, São Paulo: Almedina, 2020.
12 BITTENCOURT, Sidney. Licitação Passo a Passo, 10 ed., Belo Horizonte: Fórum, 2019.
13 Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II – pareceres, perícias e avaliações em geral;
III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
14 Sendo vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.
15 Art. 29. É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista:
I – para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda a obras e serviços de mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II – para outros serviços e compras de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez;
III – quando não acudirem interessados à licitação anterior e essa, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a empresa pública ou a sociedade de economia mista, bem como para suas respectivas subsidiárias, desde que mantidas as condições preestabelecidas;
IV – quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes;
V – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento de suas finalidades precípuas, quando as necessidades de instalação e localização condicionarem a escolha do imóvel, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;
VI – na contratação de remanescente de obra, de serviço ou de fornecimento, em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições do contrato encerrado por rescisão ou distrato, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido;
VII – na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos;
VIII – para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;
IX – na contratação de associação de pessoas com deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
X – na contratação de concessionário, permissionário ou autorizado para fornecimento ou suprimento de energia elétrica ou gás natural e de outras prestadoras de serviço público, segundo as normas da legislação específica, desde que o objeto do contrato tenha pertinência com o serviço público.
XI – nas contratações entre empresas públicas ou sociedades de economia mista e suas respectivas subsidiárias, para aquisição ou alienação de bens e prestação ou obtenção de serviços, desde que os preços sejam compatíveis com os praticados no mercado e que o objeto do contrato tenha relação com a atividade da contratada prevista em seu estatuto social;
XII – na contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas físicas de baixa renda que tenham como ocupação econômica a coleta de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pública;
XIII – para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especialmente designada pelo dirigente máximo da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
XIV – nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004 , observados os princípios gerais de contratação dela constantes; XV – em situações de emergência, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contado da ocorrência da emergência, vedada a prorrogação dos respectivos contratos, observado o disposto no § 2º ;
XVI – na transferência de bens a órgãos e entidades da administração pública, inclusive quando efetivada mediante permuta;
XVII – na doação de bens móveis para fins e usos de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica relativamente à escolha de outra forma de alienação; XVIII – na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem. § 1º Na hipótese de nenhum dos licitantes aceitar a contratação nos termos do inciso VI do caput , a empresa pública e a sociedade de economia mista poderão convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições ofertadas por estes, desde que o respectivo valor seja igual ou inferior ao orçamento estimado para a contratação, inclusive quanto aos preços atualizados nos termos do instrumento convocatório.
§ 2º A contratação direta com base no inciso XV do caput não dispensará a responsabilização de quem, por ação ou omissão, tenha dado causa ao motivo ali descrito, inclusive no tocante ao disposto na Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 .
§ 3º Os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput podem ser alterados, para refletir a variação de custos, por deliberação do Conselho de Administração da empresa pública ou sociedade de economia mista, admitindo-se valores diferenciados para cada sociedade. Art. 30. A contratação direta será feita quando houver inviabilidade de competição, em especial na hipótese de:
I – aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo;
II – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação:
a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
b) pareceres, perícias e avaliações em geral;
c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
§ 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
§ 2º Na hipótese do caput e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado, pelo órgão de controle externo, sobrepreço ou superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado quem houver decidido pela contratação direta e o fornecedor ou o prestador de serviços.
§ 3º O processo de contratação direta será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou do executante;
III – justificativa do preço.
16 BITTENCOURT, Sidney. A Nova Lei das Estatais: Novo Regime de Licitações e Contratos nas Empresas Estatais, Leme: JHMizuno, 2018, p. 66.
17 TORRES, Ronny Charles Lopes de. As licitações públicas na nova Lei das Estatais: Lei Federal nº 13.303/2016. Revista Síntese Direito Administrativo – RSDA, n. 130, set. 2016.
18 GUIMARÃES, Bernardo Strobel. As joint ventures das empresas estatais na Lei 13.303/16: inexigibilidade de licitação. Disponível em http://www.zenite.blog.br/as-joint-ventures-das- -empresas-estatais-na-lei-13-30316-inexigibilidade-de-licitacao/#.V7b-5fkrLIU
19 BITTENCOURT, Sidney. A Nova Lei das Estatais: Novo Regime de Licitações e Contratos nas Empresas Estatais, Leme: JHMizuno, 2018, p. 67.
20 Barcelos, Dawison; TORRES, Ronny Charles Lopes de Torres. Licitações e contratos nas empresas estatais. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 108.
21 GRECO FILHO, Vicente. Dos crimes da Lei de Licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37.
22 § 2o Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
23 Paulo José da Costa Jr. faz uma interessante observação sobre a sanção cominada nos dispositivos da Lei (a detenção): “O legislador penal, que se mostrou de certo modo severo nos limites de dosagem das penas prescritas, não foi coerente ao cominar, como pena privativa de liberdade, a detenção e não a reclusão. Embora o estatuto penal vigente tenha praticamente abolido, com a reforma operada em 1984, as distinções que antes se faziam entre reclusão e detenção, algumas diferenças permaneceram, principalmente de natureza processual-penal. Atente-se para aquela, constante no art. 323 do Código de Processo Penal, condizente com a concessão da fiança. Será ela concedida nos crimes apenados com detenção, mas não o será se o crime for punido com reclusão em que a pena mínima seja superior a dois anos. Será que o legislador da presente lei não atentou para esse particular? Não teria pretendido cominar a pena de reclusão, e não a de detenção, para as figuras penais descritas?” (Direito penal das licitações, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 40).
24 STJ, HC: 108985 DF 2008/0133843-2, Rel: Min. Laurita Vaz, 5a T. 26.05.2009 DJe 15.06.2009.
25 No mesmo sentido, André Guilherme Tavares de Freitas (Crime na Lei de Licitações. 2. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 53).
26 Ressaltando que a regra prevista para a inexigibilidade é a inviabilidade de competição, sendo as hipóteses listadas no art. 25 meros exemplos.
27 MAZINI, Edson. Parecer DADM s/nº, 27.09.2012.

28 Como exemplos, os seguintes julgados:

  • · RESP nº 200801049832 RESP – Recurso Especial – 1058261 Rel. Min. Jorge Mussi – STJ – Órgão julgador 5ª Turma Fonte DJE – Data: 01.02.2011 Data da Decisão: 16.12.2010 – Data da Publicação: 1º.02.2011 – Recurso especial. Crime previsto na lei de licitações. Ex-prefeito. prestação de serviços de radiodifusão. Inexigibilidade de licitação. Valor superior ao previsto na norma reguladora. Dolo específico. prescindibilidade. superveniência da Lei nº 9.648/98. Irrelevância. Recurso desprovido 1. Não cabe a declaração de inexigibilidade do processo licitatório quando há a comprovação de que é viável a competição, configurando-se o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 com a mera declaração do agente de que o certame seria inviável, sendo irrelevante a inexistência de dolo específico em causar lesão ao erário. 2. A superveniência da Lei nº 9.648/98 trouxe apenas a alteração dos valores nominais relacionados às modalidades de licitação, não podendo ser aplicada retroativamente a fim de afastar a tipicidade do ato ilegal, já que o crime em comento, segundo a pacífica jurisprudência desta Corte, é de mera conduta e se consuma no momento em que há a declaração de inexigibilidade do processo. 3. Recurso especial a que se nega provimento.
  • · HC nº 201000797610 HC – Habeas Corpus – 171152 Rel. Min. Og Fernandes – STJ – Órgão julgador 6ª Turma Fonte DJE DATA: 11.10.2010 Data da Decisão: 21.09.2010 – Data da Publicação: 11.10.2010 – Habeas corpus. Dispensa de licitação fora das hipóteses legais. Art. 89, da lei nº 8.666/93. Comprovação de dolo específico ou prejuízo à administração. Desnecessidade. 1. Segundo a iterativa jurisprudência desta Casa de Justiça, o crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93 é de mera conduta, não havendo a exigência, para sua caracterização, da comprovação do dolo específico de fraudar o erário ou de causar prejuízo à Administração. Precedentes. 2. Na hipótese, o paciente, no exercício do cargo de Vice-Prefeito, teria firmado, verbalmente, contrato com empresa de terraplanagem, sem a prévia realização de licitação. 3. De se acrescentar que as instâncias ordinárias aludiram ao fato de que a contratação ocorreu sem que existisse previsão legal nem situação emergencial. 4. Além disso, a condenação do paciente foi confirmada em sede de apelação e também através de revisão criminal. Chegar-se a conclusão diversa demandaria a incursão no conjunto fático-probatório, providência vedada na via eleita. 5. Ordem denegada.
  • · HC 94.720/PE, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 18.08.2008 e 113.067/PE, Rel. Min. Og Fernandes, DJE 10.11.2008 […] 2. O tipo penal descrito no art. 89 da Lei de Licitações busca proteger uma série variada de bens jurídicos além do patrimônio público, tais como a moralidade administrativa, a legalidade, a impessoalidade e, também, o respeito ao direito subjetivo dos licitantes ao procedimento formal previsto em lei. 3. Já decidiu a 3ª Seção desta Corte que o crime se perfaz com a mera dispensa ou afirmação de que a licitação é inexigível fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente a consciência dessa circunstância; isto é não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo ao erário, por exemplo) […].
  • · HC 113067/PE, Rel. Min. Og Fernandes, sexta turma, julgado em 21.10.2008, DJe 10.11.2008 […] 3. O tipo previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 é delito de mera conduta, não exige dolo específico, mas apenas o genérico, representado, portanto, pela vontade de contratar sem licitação, quando a lei expressamente prevê a realização do certame. Independe, assim, de qualquer resultado naturalístico, como por exemplo, prejuízo ao erário. […]”. 29 No Informativo nº 494, o julgado foi noticiado da seguinte forma: “Dispensa de licitação. Ausência de dolo específico e dano ao erário. A Corte Especial, por maioria, entendeu que o crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige dolo específico e efetivo dano ao erário. No caso concreto a prefeitura fracionou a contratação de serviços referentes à festa de carnaval na cidade, de forma que em cada um dos contratos realizados fosse dispensável a licitação. O Ministério Público não demonstrou a intenção da prefeita de violar as regras de licitação, tampouco foi constatado prejuízo à Fazenda Pública, motivos pelos quais a denúncia foi julgada improcedente” (APn nº 480-MG, Rel. originária Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 29.03.2012).

30 Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal – STF, ao apreciar questão envolvendo Secretário Estadual de Educação de santa Caarina que houvera homologado procedimento de inexigibilidade de licitação para aquisição de licenças de software para a rede pública. Na denúncia, o Ministério Público sustentou, com fundamento em laudo pericial, a existência outros softwares aptos à finalidade almejada, o que indicaria a necessidade de licitação. Além de indicar que o laudo pericial constatou que o software da empresa escolhida tinha mais especificações do que os das concorrentes e era mais adequado ao seu objeto, o Colegiado também sublinhou a ausência nos autos de prova de conluio com a empresa escolhida e de recebimento de qualquer vantagem econômica pelo então secretário. Tendo anotado, para a escolha, não houve qualquer participação pessoal do acusado, tendo a tomada de decisão sido realizada em atendimento ao indicado pelas instâncias técnicas envolvidas. Por fim, concluiu que o crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993 reclama o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal, que não se faz presente quando o agente atua com fulcro em parecer da Procuradoria Jurídica ( Inq 3753/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 18.4.2017).
31 MENDES, Renato Geraldo; MOREIRA, Egon Bckmann. Inexigibilidade de Licitação, Curitiba: Zênite: 2016.
32 ARAUJO, Glaucio Roberto Brittes de. Intervenção penal nas licitações. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 159.
33 No mesmo sentido, Cesar Roberto Bittencourt (Controvérsias do crime de dispensa ilegal de licitação. Boletim IBCCrim, ano 19, n. 225, ago./2011).
34 GRECO FILHO. Dos crimes da Lei de Licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 13.
35 Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente.
36 § 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação.
37 O §1º do art. 84 informa que se equipara a servidor público, para os fins da lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.
38 § 2o A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança em órgão da Administração direta, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação pública, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público.
39 Dispositivo que reedita critério adotado de causa especial de aumento de pena previsto no art. 327 do Código Penal, referente ao exercício de cargo em comissão ou função de confiança em quaisquer órgãos que integram a Administração direta e indireta.

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