Como a falta de integridade pode colocar os Prefeitos na mira do MP?

Rodrigo Pironti[1]

A governança pública vive um momento de transformação silenciosa e de impacto profundo. A Resolução nº 305/2025 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) inaugura uma nova fase na forma como os municípios brasileiros serão avaliados quanto à sua probidade administrativa e ao funcionamento de seus Programas de Integridade.

Mais do que uma norma de incentivo, essa resolução funciona como um instrumento de diagnóstico e ação preventiva, que, na prática, colocará sob a lupa do Ministério Público prefeitos e gestores que não adotarem medidas efetivas de integridade na Administração Pública.

E aqui está o ponto central: não se trata de mera formalidade, mas de uma verificação estruturada, capaz de expor omissões e deficiências que podem gerar consequências jurídicas e políticas reais.

O que muda com a Resolução 305/25?

O texto da Resolução determina que membros do Ministério Público instaurem procedimento administrativo específico para verificar a existência e a efetividade dos Programas de Integridade, mesmo quando não houver investigação em curso. Essa análise se dará por meio de questionários padronizados, diligências e avaliação documental, tendo como base parâmetros claros: comprometimento da alta gestão, códigos de conduta aplicáveis, gestão de riscos periódica, canais de denúncia, controles internos efetivos e monitoramento contínuo dentre outros aspectos que integram a complexa estrutura de um Sistema de Integridade.

O ponto decisivo é que a fiscalização não se limitará à existência formal de um Programa de Integridade, mas à sua aplicação prática e a análise de resultados concretos. Um “programa de prateleira” será tão problemático quanto a ausência total de medidas de integridade.

E por que os prefeitos devem se preocupar agora?

Ignorar esse movimento é um risco alto. Os dados do Diagnóstico Nacional de Controle Interno do CONACI, utilizados como base para a Resolução, mostram que mais de 90% dos municípios brasileiros não possuem Programas de Integridade próprios e que quase 60% sequer regulamentaram a Lei Anticorrupção. Esse cenário reforça a percepção de omissão e negligência administrativa e cria um ambiente propício para a responsabilização dos gestores.

A constatação de que o município não implementou — ou implementou de forma deficiente — um Programa de Integridade pode, em razão de fiscalização do Ministério  Público, resultar em:

– Abertura de procedimentos investigativos que podem evoluir para eventuais ações de improbidade administrativa, quando apuradas as condutas tipificadas na Lei 14.230/21.

– Sanções pessoais ao prefeito e demais gestores, incluindo inelegibilidade (quando o caso);

– Perda de credibilidade institucional, afastando investimentos e convênios;

– Exposição midiática negativa, com impacto direto na reputação política;

– Bloqueio de recursos ou restrição ao acesso a programas de fomento e repasses voluntários.

É em razão disso que a correta interpretação da Resolução 305/25 sinaliza que a integridade deixou de ser apenas um diferencial e passou a ser um requisito de segurança jurídica. Prefeitos que compreendem isso de forma antecipada não apenas evitam sanções, mas criam condições para atrair recursos, estabelecer parcerias e entregar uma gestão mais eficiente e transparente.

O papel do Ministério Público, ao atuar de forma preventiva e orientadora, não se limita a apontar falhas, mas a induzir mudanças estruturais que protejam a Administração contra riscos de corrupção e má gestão. No entanto, a efetividade dessa transformação depende da ação imediata dos prefeitos. Programas de Integridade não se constroem da noite para o dia: são formados por uma metodologia complexa e exigem planejamento, capacitação e maturação institucional. Cada mês de inércia representa não apenas um risco técnico, mas a ampliação de vulnerabilidades que podem resultar em responsabilizações jurídicas, perda de recursos e desgaste político irreversível. Em um cenário de fiscalização intensificada, a omissão tende a ser implacavelmente cobrada — inclusive e, possivelmente, nas urnas.

É em razão disso que agir antes da atuação do Ministério Público é mais que uma prática de boa governança — é uma estratégia decisiva para proteger a gestão e evitar riscos jurídicos que possam comprometer a elegibilidade e o desempenho político nas próximas eleições municipais.


[1] Pós-Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid. Doutor e Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Conselheiro do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade – CNPD. Sócio e CEO do Pironti+Moura. Endereço eletrônico: pironti@pirontimoura.com

O conteúdo deste artigo reflete a posição do autor e não, necessariamente, a do Grupo JML.

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