COMO SE DÁ A ATUAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA NO PROCESSO LICITATÓRIO, DE ACORDO COM A LEI 14.133/21?

Sobre a atuação da assessoria jurídica, a Lei 14.133/2021 prevê:

Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.

§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
III – (VETADO).
§ 2º (VETADO).
§ 3º Encerrada a instrução do processo sob os aspectos técnico e jurídico, a autoridade determinará a divulgação do edital de licitação conforme disposto no art. 54.
§ 4º Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos.
§ 5º É dispensável a análise jurídica nas hipóteses previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico.
§ 6º (VETADO).

Destarte, verifica-se que diferente da Lei 8.666/93[1] que previa de forma mais singela a atuação da assessoria jurídica, pertinente à aprovação de minutas de editais, contratos, convênios e instrumentos congêneres, a nova lei exige maior participação da assessoria jurídica.

Assim, como previsto na Lei, ao se encerrar a fase preparatória, o processo deverá ser encaminhado para a assessoria jurídica que realizará o controle prévio de legalidade da contratação, o que envolve, portanto, a análise sob o aspecto jurídico de todos os artefatos (estudo técnico preliminar, termo de referência, edital, etc.) a partir de critérios objetivos, em linguagem simples e compreensível, expondo na respectiva manifestação os pressupostos fáticos e de direito. Só então, finalizados os aspectos técnicos e jurídicos, que a autoridade poderá determinar a divulgação do edital, conforme disciplina o §3º do artigo anteriormente citado.

Cabe à assessoria jurídica o controle de legalidade, também, das contratações diretas formalizadas por dispensa e inexigibilidade, dos acordos, termos de cooperação, convênios e demais instrumentos congêneres (art. 53, § 4º, da Lei 14.133/2021), sendo dispensada a análise jurídica, tão e somente naqueles atos em que a autoridade jurídica máxima previamente o definiu, levando em conta o custo da contratação, sua baixa complexidade, a entrega imediata do bem, ou então a utilização de minutas de editais e instrumento de contratos, convênios ou outros instrumentos que foram padronizados de forma prévia pelo órgão jurídico.

Mas, cumpre afirmar que o §5º torna dispensável a análise, sendo recomendável que a assessoria jurídica se resguarde dos procedimentos que delimitou como dispensável, e corriqueiramente reavalie a dispensabilidade, sob pena de eventualmente responder por omissão.

Com tal preocupação, a doutrina:

“É verdade que em boa parte dos casos, os gabinetes das Assessorias Jurídicas ficam assoberbadas de trabalho, sentindo maior dificuldade aquelas unidades que dispõe de poucos profissionais, sobrecarregando o órgão jurídico. Portanto, permitir que o Chefe do setor jurídico indique quais processos não exigirão a ida para parecer autônomo é medida de boa gestão voltada a desafogar os gabinetes e, com isso, dar maior celeridade na tomada de decisões. No entanto, surgem duas preocupações.
A primeira delas diz respeito ao uso de minutas-padrão de editais e contratos. Mesmo em sendo utilizados tais instrumentos, a cada espécie de objeto haverá modificações significativas no bojo do edital, que necessitarão ser analisadas, e, não raro, com forte influência no caráter competitivo e no julgamento objetivo da licitação. Por exemplo, mesmo que haja cláusulas padrão para a exigência de amostra para fins de classificação da proposta, ao variar o objeto a ser adquirido com base nesse critério, a metodologia de teste e os resultados a serem obtidos também serão variáveis e poderão afastar a objetividade do julgamento ou mesmo o caráter competitivo do certame. Assim, a assessoria jurídica deve ter muito cuidado ao dispensar a análise de minutas de edital mesmo nos casos em que se utiliza minutas-padrão.
A outra preocupação diz respeito à eventual responsabilização do Assessor Jurídico por ato omissivo. Ao indicar que determinado ato estará dispensado de parecer jurídico, poderá, em sede de controle externo, vir a ser responsabilizado em razão de verificação de irregularidade de um ato promovido pelo gestor, que, segundo a norma, deveria ter sido submetida ao controle prévio de legalidade, mas, por ato do órgão jurídico, foi dispensado.
(…)
A possibilidade de excluir da apreciação obrigatória certos atos, conferirá maior dinamismo e desafogo de trabalho nos gabinetes das assessorias jurídicas, mas deve ser feito com cautela, a fim de que a autoridade jurídica máxima não atraia responsabilização por ato omissivo, mesmo nos casos em que se utiliza modelos padrão de minutas de editais e contratos, dada as variáveis que podem surgir de um objeto para outro.”[2]

“Em hipóteses excepcionais, tal como previsto no §5º, será dispensável a manifestação da assessoria jurídica. O dispositivo alude expressamente a questões de valor reduzido, de baixa complexidade, de entrega imediata do bem ou de utilização de soluções padronizadas. Se for verificada algumas dessas hipóteses, caberá à autoridade máxima do órgão dispor sobre o tema em edital.
A previsão do §5º não autoriza a eliminação da manifestação do órgão de assessoramento jurídico relativamente a hipóteses que apresentem complexidade ou que possam gerar reflexos relevantes para os interesses da Administração. Mesmo se configurado caso contrato subsumível à previsão de desnecessidade de manifestação da assessoria jurídica, a autoridade dispõe de autonomia para recorrer a ela em vista de peculiaridades que se fizerem presentes.
Outra questão se relaciona aprovação de editais padronizados. Mesmo antes da vigência da Lei 14.133/2021, já existia tendência a promover a uniformização de editais, de modo a reduzir o risco de desvios e defeitos.
Até se pode admitir uma forma de “parecer normativo” de aprovação de uma minuta de edital, em que todos os aspectos jurídicos sejam avaliados e nada mais necessite ser acrescentado nos casos em que tal modelo seja adotado. O grande problema reside em verificar se, na vida real, aquele modelo de edital é adequado e satisfatório.”[3]


Aproveita-se para informar que recentemente a AGU publicou a Instrução Normativa nº 1, de 13/09/21, cujo teor prescreve:

“Art. 2º Não é obrigatória manifestação jurídica nas contratações diretas de pequeno valor com fundamento no art. 75, I ou II, e § 3º da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, salvo se houver celebração de contrato administrativo e este não for padronizado pelo órgão de assessoramento jurídico, ou nas hipóteses em que o administrador tenha suscitado dúvida a respeito da legalidade da dispensa de licitação. Aplica-se o mesmo entendimento às contratações diretas fundadas no art. 74, da Lei nº 14.133, de 2021, desde que seus valores não ultrapassem os limites previstos nos incisos I e II do art. 75, da Lei nº 14.133, de 2021.”

Portanto, recomenda-se cautela à assessoria jurídica na definição de quais atos estarão dispensados da análise jurídica, bem como a definição dos editais padronizados, reanalisando, frequentemente a necessidade de adequação de tais documentos.

Por fim, cumpre sinalizar que a novel legislação enfatizou o papel consultivo da assessoria jurídica, a quem cabe orientar e dirimir as dúvidas dos demais agentes responsáveis pelo processo (fiscais, gestores de contrato, autoridade competente, pregoeiros, agente de contratação, etc.[4]), principalmente face ao disposto no art. 10, que faculta ao agente público de boa-fé que decidiu com base em parecer jurídico emitido à luz do art. 53, solicitar sua representação pelo procurador jurídico, caso responda processo judicial ou administrativo em virtude dos atos praticados.


[1]Art. 38. (…) Parágrafo único.  As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
 
[2]CHAVES, Luiz Cláudio de Azevedo. O exame prévio de legalidade dos processos licitatórios previsto para a nova lei de licitações. In: VARESCHINI, Julieta Mendes Lopes. Diálogos sobre a nova lei de licitações e contratações. Pinhais: JML, 2021. p. 241-244.
 
[3]JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: RT, 2021. pg. 642.
 
[4]“Art. 117 (…) § 3º O fiscal do contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual”. (…) Art. 156 (…) § 6º A sanção estabelecida no inciso IV do caput deste artigo será precedida de análise jurídica e observará as seguintes regras: (…)” “Art. 168. O recurso e o pedido de reconsideração terão efeito suspensivo do ato ou da decisão recorrida até que sobrevenha decisão final da autoridade competente.

Parágrafo único. Na elaboração de suas decisões, a autoridade competente será auxiliada pelo órgão de assessoramento jurídico, que deverá dirimir dúvidas e subsidiá-la com as informações necessárias”.

Grupo JML - Consultoria

Publicações recentes

Discricionariedade e Transparência nas Contratações das Entidades do Sistema S: Lições do Acórdão 1998/2024 do TCU 

Por:

A discricionariedade administrativa é um princípio fundamental no Direito Administrativo, permitindo ao agente um espaço para tomar decisões que atendam […]

18 de novembro de 2024

Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa: Um Paralelo com a Atuação do Agente Público nos Processos Licitatórios e o Artigo 28 da LINDB 

Por:

1. Introdução:  A discricionariedade administrativa é um conceito central no Direito Administrativo e na atuação dos agentes públicos. Ela se […]

1 de novembro de 2024

ACEITABILIDADE DAS PROPOSTAS NA LEI DAS ESTATAIS

Por: e

Antes de adentrar no tema central deste artigo, cumpre esclarecer que a temática – como não poderia ser diferente – […]

25 de outubro de 2024