O exame prévio de legalidade dos processos licitatórios previsto para a nova lei de licitações.
O papel da Assessoria Jurídica na Lei no. 8.666/1993
Uma mudança discreta, porém importante, se desenha no texto do Projeto de Lei no. 1.292/1995, que trará a nova lei de licitações e contratos da Administração Pública. Trata-se do exame prévio de legalidade dos processos licitatórios, a cargo das assessorias jurídicas dos órgãos e entidades do Poder Público.
Em trabalho publicado anteriormente[1], já havia me manifestado acerca da importância que exsurge dessa função para a implementação das políticas públicas e ações de governo, uma vez que, para cada passo que o Gestor Público percorre (ou deixa de percorrer), uma de suas principais balizas, é o parecer jurídico. No campo das contratações públicas, tal função ganha contornos objetivos mais relevantes, na medida em que a Lei Geral de Licitações e Contratos impõe, como condição de eficácia do processo licitatório, a análise prévia e a aprovação do órgão consultivo jurídico, senão vejamos:
Lei no. 8.666/1993:
Art. 38
[…]
Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”
Com espeque nesse dispositivo, de alguns anos para cá, a doutrina e a jurisprudência iniciou um debate em torno da natureza jurídica deste parecer, bem como a extensão da responsabilidade do parecerista frente às suas orientações, a depender da natureza de sua manifestação. Isto porque, como se lê da transcrição supra, o parecer a ser emitido pelo órgão jurídico da Administração seria de aprovação das minutas de editais, contratos, convênios e seus aditamentos. Surgiu a pergunta: o Gestor público, de posse do parecer formulado no exercício da competência do art. 38, par. único da L. 8.666/1993, estaria obrigado a decidir nos termos propostos pelo parecerista? A doutrina clássica entende que não.
Gasparini[2] e Hely Lopes[3] concordavam que o parecer tem caráter meramente opinativo e que não vincula a Administração ou os particulares, salvo se aprovado por ato subsequente (da autoridade administrativa), posição compartilhada por José dos Santos Carvalho Filho[4], que, indo mais além, entende que o parecer e a decisão subsequente consubstanciam “atos antagônicos” e que por isso, sequer podem ser emitidos pelo mesmo agente.
Di Pietro[5], seguindo doutrina de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, classifica o parecer em três espécies: facultativo, obrigatório, e vinculante, definindo-os da seguinte forma:
O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato.
O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática final do ato. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). Por exemplo, uma lei que exija parecer jurídico sobre todos os recursos encaminhados ao Chefe do Executivo; embora haja obrigatoriedade de ser emitido o parecer sob pena de ilegalidade do ato final, ele não perde seu caráter opinativo. Mas a autoridade que não o acolher deverá motivar sua decisão […].
O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar sua conclusão. Para conceder aposentadoria por invalidez, a Administração tem que ouvir o órgão médico oficial e não pode decidir em desconformidade com sua decisão […]
Já a Lei 9.784/99, delimita uma variação dos conceitos de parecer obrigatório e vinculante, abordando as gradações entre eles e apontando seus efeitos no campo administrativo:
Art. 42. Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada necessidade de maior prazo.
§ 1º Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.
§ 2º Se um parecer obrigatório e não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
Como se vê, a norma supratranscrita reconhece a existência de parecer obrigatório, subdividindo-a em duas subespécies: vinculante e não vinculante, o que não significa negar as variações apontadas por Di Pietro, notadamente, a do parecer facultativo e obrigatório. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari[6] fortalecem a tese de que vinculante é a própria decisão e, portanto, caracteriza o parecer que lhe deu causa como peça opinativa:
Parecer jurídico, portanto, é uma opinião técnica dada em resposta a uma consulta, que vale pela qualidade de seu conteúdo, pela sua fundamentação, pelo seu poder de convencimento e pela respeitabilidade científica de seu signatário, mas que jamais deixa de ser uma opinião. Quem opina, sugere, aponta caminhos, indica uma solução, até induz uma decisão, mas não decide.
Por sua vez, o saudoso Carlos Pinto Coelho Motta, abraçando doutrina de Oswaldo Aranha Bandeira de Melllo, concorda com a existência, ainda que excepcional, de pareceres de natureza vinculativa, [7]
Resta a hipótese do parecer vinculante em sua acepção absoluta, ou seja, a execução do ato pelo órgão não admite qualquer margem discricionária: deve cumprir exatamente o estabelecido no parecer, não lhe sendo permitido até mesmo o “deixar de agir”. Nesse caso, o parecer do órgão consultivo, extrapolando suas funções usuais consoante regência legal autorizadora, caracteriza:
(a) uma das partes de um ato complexo; ou
(b) ato ativo autônomo, identificado como autorização ou aprovação prévia.
Em que pese haver divergência na doutrina quanto à existência, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MS no. 24.584, com fundamento no Voto-vista do Min. Joaquim Barbosa, adotou a tese da existência do parecer vinculante e reconheceu, que aquele emitido no exercício da competência do art. 38, par. único da Lei no. 8.666/1993 deve ser observado pelo gestor no que chamou de décider sur avis conforme. Em seguida, reafirmou tal entendimento no julgamento do MS no. 24.631, agora como Relator. No primeiro, o que se debatia era o chamamento do parecerista em razão de parecer emitido em ato de contratação direta; no segundo, o parecer era de aprovação de uma minuta de edital. Mais recentemente, no julgamento do MS 29.137-DF, da Relatoria da Min. Cármem Lúcia, ficou assentado que a natureza vinculante do parecer jurídico somente se materializa quando a manifestação jurídica aponta vício de legalidade, ou seja, se o parecer indicar que determinada cláusula do edital deve ser readequada, o gestor se prende à manifestação e tem o dever de reparará-la; se, todavia, o parecer é de aprovação sem ressalvas, o gestor não é obrigado a dar seguimento ao processo, podendo até mesmo arquivá-lo.
Nesse ponto importa destacar que o art. 38, par. único da Lei no. 8.666/1993 somente se refere às minutas de editais, contratos, convênios e seus aditamentos; não faz referência aos atos de dispensa e inexigibilidade. Os requisitos formais de eficácia do processo de contratação direta estão descritos no art. 26, par. único do mesmo diploma legal:
Art. 26. […]
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
Como visto acima, não se exige a emissão de parecer jurídico para os fins de eficácia da instrução de processos de contratação direta. E, assim, sendo, quando emitido, o mesmo assume natureza facultativa, salvo se houver, no órgão ou entidade, norma específica com outra orientação.
Para a nossa análise comparativa, portanto, é importante fixar as seguintes premissas, com base na jurisprudência do STF: pela legislação atualmente em vigor, o parecer emitido a favor da minuta do edital (ou contrato ou convênio) é de natureza vinculante quando o parecer aponta ilegalidade; o parecer emitido nos processos de dispensa e inexigibilidade de licitação, com fulcro no art. 26, par. único da L. 8.666/1993, é de natureza facultativa.
Análise do papel da assessoria jurídica no PL 1.292/1995
O texto substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal, traz novos contornos quanto às competências do órgão consultivo jurídico. O novo texto, caso aprovado sem alteração, terá a seguinte redação:
Art. 52. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação.
§ 1º Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da Administração deverá:
I – apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade;
II – redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica;
III – dar especial atenção à conclusão, que deverá ser apartada da fundamentação, ter uniformidade com os seus entendimentos prévios, ser apresentada em tópicos, com orientações específicas para cada recomendação, a fim de permitir à autoridade consulente sua fácil compreensão e atendimento, e, se constatada ilegalidade, apresentar posicionamento conclusivo quanto à impossibilidade de continuidade da contratação nos termos analisados, com sugestão de medidas que possam ser adotadas para adequá-la à legislação aplicável.
§ 2º O parecer jurídico que desaprovar a continuidade da contratação, no todo ou em parte, poderá ser motivadamente rejeitado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, hipótese em que esta passará a responder pessoal e exclusivamente pelas irregularidades que, em razão desse fato, lhe forem eventualmente imputadas.
[…]
§ 4º Na forma deste artigo, o órgão de assessoramento jurídico da Administração também realizará controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos.
§ 5º É dispensável a análise jurídica nas hipóteses previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato, convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico.
§ 6º O membro da advocacia pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico de que trata este artigo.
Nota-se que a atribuição de controle prévio de legalidade permanecerá a cargo as Assessorias Jurídicas, porém, com um pouco mais de sofisticação, pois se ocupou de detalhar com mais precisão as atribuições e responsabilidades a cargo da assessoria jurídica.
De plano, podemos perceber que o § 2º afasta o caráter vinculante do parecer, pois admite expressamente que a manifestação que desaprovar o ato poderá ser rejeitado. Logo, o parecer deixa de ser vinculante para se consolidar como obrigatório. A rejeição do parecer desfavorável acarretará ao Gestor, responsabilização pessoal e exclusiva pelas eventuais irregularidades que eventualmente lhe forem imputadas.
Mas, em interpretação a contrário senso, essa parte do dispositivo nos leva à conclusão de que, nos casos em que o gestor adotar a manifestação do órgão consultivo jurídico de desaprovação do ato, o parecerista assume solidariamente a responsabilidade por eventual irregularidade.
É bem verdade que, nos casos em que o parecer é desfavorável e o Gestor adota a orientação oferecida pela Assessoria Jurídica, a probabilidade de ser detectada alguma irregularidade passa a ser diminuta, pois o ato não será levado a efeito. A responsabilização do parecerista somente poderá ocorrer, a meu particular aviso, em duas situações: a) nos casos em que o parecer recusar um ato que era juridicamente aceitável, se do acolhimento da rejeição sobrevir dano à Administração por ato antieconômico ou dano à sociedade; e, b) se da rejeição do ato, o parecer indicar outra solução (uma cláusula ou medida) e esta for considerada irregular.
A redação prevista para o § 4º passa a dar, nas contratações diretas, o mesmo caráter da análise de juridicidade das minutas de editais, contratos e convênios que hoje temos na legislação em vigor. Ou seja, os processos de contratação direta também deverão ser instruídos com parecer e este terá natureza obrigatória. Muito embora não se tenha dito expressamente, também para os casos de contratação direta o gestor poderá rejeitar o parecer desfavorável à contratação, assumindo exclusivamente a responsabilidade por eventual irregularidade. Do mesmo modo, caso o gestor adote a manifestação desfavorável, a responsabilidade por eventual irregularidade será partilhada com o membro do órgão consultivo jurídico.
O § 5º carrega uma interessante, mas, no campo da responsabilidade administrativa, perigosa prerrogativa ao Assessor-Chefe (ou Diretor) da Assessoria Jurídica. Por ato próprio, poderá dispensar a análise jurídica de certos atos, considerando o volume da despesa, a baixa complexidade da matéria envolvida, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas-padrão de editais e contratos. Já é de praxe, por exemplo, em muitos órgãos e entidades, a desnecessidade do parecer jurídico nas dispensas de licitações em razão do valor (atual 24, I e II; futuro art. 74, I e II).
Um bom exemplo é a hipótese de inscrição de servidor em curso ou evento aberto a terceiro.[8] Como se trata de objeto único, ou seja, cada evento é único e não renovável, não comporta cotejamento de propostas. Daí porque a contratação deve se dar por inexigibilidade de licitação, capitulada no caput do art. 25 da L. 8.666/1993[9] (futuro art. 73, caput).
Como em muitos órgãos o volume dessas contratações é bastante significativo, claro que a quantidade de processos a serem submetidos à análise jurídica também é elevada. Tratando-se de matéria massificada (vários processos para serem decididos pela mesma tese jurídica), o órgão consultivo jurídico pode elaborar um parecer no qual reconheceria ser hipótese de inexigibilidade de licitação a inscrição de servidores em cursos e eventos abertos a terceiros, o que tornaria dispensável, para estes casos, a ida dos autos ao órgão consultivo para fins de produção de parecer autônomo, tornando a contratação mais célere e desafogando as mesas de trabalho dos assessores jurídicos.
Com relação à utilização de minutas-padrão, é entendimento pacificado no Tribunal de Contas da União que nesses casos, havendo mera adaptação do ato convocatório à minuta-padrão, esta, necessariamente aprovada pelo órgão jurídico, tais minutas adaptadas não prescindem de parecer próprio. Veja-se o precedente abaixo:
(…)A despeito de haver decisões do TCU que determinam a atuação da assessoria jurídica em cada procedimento licitatório, o texto legal – parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 – não é expresso quanto a essa obrigatoriedade. (…) Assim, a utilização de minutas-padrão, guardadas as necessárias cautelas, em que, como assevera o recorrente, limita-se ao preenchimento das quantidades de bens e serviços, unidades favorecidas, local de entrega dos bens ou prestação dos serviços, sem alterar quaisquer das cláusulas desses instrumentos previamente examinados pela assessoria jurídica, atende aos princípios da legalidade e também da eficiência e da proporcionalidade. (Acórdão no. 1.504/2005, Plenário, Processo nº 001.936/2003-1, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues)
É verdade que em boa parte dos casos, os gabinetes das Assessorias Jurídicas ficam assoberbadas de trabalho, sentindo maior dificuldade aquelas unidades que dispõe de poucos profissionais, sobrecarregando o órgão jurídico. Portanto, permitir que o Chefe do setor jurídico indique quais processos não exigirão a ida para parecer autônomo é medida de boa gestão voltada a desafogar os gabinetes e, com isso, dar maior celeridade na tomada de decisões. No entanto, surgem duas preocupações.
A primeira delas diz respeito ao uso de minutas-padrão de editais e contratos. Mesmo em sendo utilizados tais instrumentos, a cada espécie de objeto haverá modificações significativas no bojo do edital, que necessitarão ser analisadas, e, não raro, com forte influência no caráter competitivo e no julgamento objetivo da licitação. Por exemplo, mesmo que haja cláusulas padrão para a exigência de amostra para fins de classificação da proposta, ao variar o objeto a ser adquirido com base nesse critério, a metodologia de teste e os resultados a serem obtidos também serão variáveis e poderão afastar a objetividade do julgamento ou mesmo o caráter competitivo do certame. Assim, a assessoria jurídica deve ter muito cuidado ao dispensar a análise de minutas de edital mesmo nos casos em que se utiliza minutas-padrão.
A outra preocupação diz respeito à eventual responsabilização do Assessor Jurídico por ato omissivo. Ao indicar que determinado ato estará dispensado de parecer jurídico, poderá, em sede de controle externo, vir a ser responsabilizado em razão de verificação de irregularidade de um ato promovido pelo gestor, que, segundo a norma, deveria ter sido submetida ao controle prévio de legalidade, mas, por ato do órgão jurídico, foi dispensado.
Finalmente, o § 6º do art. 52 do PL 1.292/1995 prevê a responsabilização do parecerista nos casos em que agir com “dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico”. Todavia, há uma redundância no texto, uma vez que aquele que frauda o processo, obrigatoriamente age com dolo.
No campo do direito civil, dolo, segundo De Plácido e Silva[10], a expressão é indicada para “toda espécie de artifício, engano, ou manejo, com a intenção de induzir outrem à prática de um ato jurídico, em prejuízo deste e proveito próprio ou de outrem.” Ainda segundo o autor, no campo penal, dolo “é o desígnio criminoso, a intenção criminosa em fazer o mal, que se constitui em crime ou delito, seja por ação ou por omissão.” Da mesma obra ora citada, retiramos o conceito de fraude, a saber: “é o engano malicioso ou ação astuciosa, promovidos de má-fé, para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever”. Assim, as expressões, da forma como foi utilizada atraem o mesmo sentido não havendo distinção entre as mesmas.
Mas o parágrafo em exame segue o disposto no art. 28 da LINDB, verbis:
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Portanto, também será responsabilizado o parecerista (como qualquer outro agente público) se, na emissão de parecer, agir também com erro grosseiro. De notar que erro grosseiro é um conceito completamente distinto do dolo (ou fraude), pois, naquele, não há malícia nem vontade livre e consciente de causar prejuízo a quem quer que seja, tampouco locupletar-se.
O erro grosseiro é o que decorre de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave, assim considerado aquele em que o agente poderia perceber com diligência abaixo do normal.
Seria erro grosseiro, por exemplo, um parecer de aprovação de uma minuta de edital em que o Termo de Referência, ao especificar as características técnicas do produto ou equipamento, indicar marca específica sem a devida justificativa técnica. Mas, caso houvesse justificativa nos autos, não seria considerado erro grosseiro do parecerista caso o mesmo não vier a perceber que a justificativa era tecnicamente inconsistente, pois, para isso, necessitaria também ser especialista no objeto da contratação.
O Tribunal de Contas da União aplicou multa ao parecerista em hipótese na qual a minuta do edital foi aprovada, porém sem que o processo fosse instruído com a pesquisa de preços que deu causa ao estabelecimento do valor estimado da contratação:
(…) Cumulativamente ao débito também foi imposta ao Sr. […] multa no valor de R$20.000,00, em decorrência da constatação das seguintes irregularidades: ausência de pesquisa de preços (…). A simples cotação de preços máximos nos editais de licitação não é prova de que tenha sido realizada pesquisa de preço. Aliás, a existência comprovada de superfaturamento na licitação torna óbvio que os valores lançados no edital não poderiam ter resultado de uma pesquisa de preços autêntica. VISTOS, (…) julgou irregulares as contas do responsável, imputando-lhe débito decorrente da prática de superfaturamento na aquisição de equipamentos hospitalares com recursos recebidos por meio dos Convênios nº 1.718/97 e 1.839/97, firmados com o Fundo Nacional de Saúde – Funasa, bem assim imputou-lhe a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei nº 8.443/92 pela prática de inúmeras irregularidades relativas à execução dos mencionados convênios. (Acórdão nº 1.498/2005, Plenário)
Conclusões
De tudo que foi visto acima, pode-se perceber que haverá um certo avanço em termos normativos, com relação às atribuições e competências da Assessoria Jurídica no controle prévio de legalidade dos processos de contratação, com ou sem licitação.
A possibilidade de excluir da apreciação obrigatória certos atos, conferirá maior dinamismo e desafogo de trabalho nos gabinetes das assessorias jurídicas, mas deve ser feito com cautela, a fim de que a autoridade jurídica máxima não atraia responsabilização por ato omissivo, mesmo nos casos em que se utiliza modelos padrão de minutas de editais e contratos, dada as variáveis que podem surgir de um objeto para outro.
A indicação de que o parecer não será mais de caráter vinculante somente acarreta maior poder de decisão ao Gestor, se considerado que a norma atualmente em vigor, não lhe confere a prerrogativa de dissentir do parecer em caso de reprovação do ato.
Nada obstante, o parecerista poderá ser responsabilizado, como dissemos acima, caso seu parecer de reprovação conduza a um ato antieconômico ou dano à sociedade, ou ainda, nos temos do art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), caso venha a agir com dolo ou erro grosseiro.