Agosto terminou promovendo uma evolução no procedimento do SRP no âmbito da APF. Na realidade, um típico facelift, uma vez que não trouxe nenhuma inovação instrumental relevante, destacando-se os ajustes de várias particularidades deste procedimento sui generis de contratação pública, destacando-se a redução do limite quantitativo para adesão às atas de registro de preços (ARP), a necessidade de realização de estudo prévio para as denominadas “caronas” e a fixação de prazo para manifestação de interesse (IRP). Vejamos.
Da limitação à adesão às ARP (carona)
Não é de hoje que a tormentosa discussão a respeito da adesão à atas de registro de preços reverbera na pauta dos principais atores dessa “novela” chamada “licitações e contratos administrativos”, ou seja, licitantes, controle externo, judiciário e órgãos licitantes.
Em que pese as eventuais vantagens operacionais proporcionadas pelo referido instituto, é fato que grande parte das críticas estão relacionadas a sua forma de utilização, quase sempre sem prévio planejamento.
Nessa linha, o novo Decreto Federal n.º 9.488/18 veio remodelar as limitações para o seu exercício. Didaticamente, poderíamos apresenta-las como limitações individual, global, argumentativa e temática.
Da limitação individual
Nesse quesito, o limite individual anterior (art. 22, § 3º, do Decreto Federal n.º 7.892/13) permitia que cada órgão ou entidade não participante (carona) pudesse aderir a 100% (cem por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes.
Em outras palavras, se em uma determinada ARP tivesse sido registrado 80 unidades do objeto x, qualquer órgão não-participante daquele certame que gerou a referida ARP poderia “pegar carona” até, no máximo, o quantitativo total registrado em ata, ou seja, as 80 unidades do objeto x.
A nova redação dada pelo Decreto Federal n.º 9.488/18 ao referido parágrafo do art. 22 reduz pela metade. Ou seja, a partir de agora[1] só se poderá “pegar carona” até, no máximo, 50% do quantitativo total registrado em ata. No exemplo acima, 40 unidades do objeto x.
Da limitação global
Com a intenção deliberada de evitar o que a doutrina e jurisprudência intitularam de “tráfico de ata”, o que proporcionava uma multiplicação exponencial de ARPs e consequentemente uma fuga à regra licitatória (cuja pior consequência não estava neste fato em si, mas na prescindibilidade de um mínimo planejamento quanto à aquisição), o antigo Decreto Federal n.º 7.892/13 inovou à época, estabelecendo que a soma do quantitativo de todas as adesões não poderia ultrapassar ao quíntuplo da quantidade registrada em ata.
Em que pese não haver restrição do número de “caronas” permitidas (uma vez que as limitações individuais poderiam ocorrer até se atingir o quantitativo fixado na limitação global), não há dúvida que essa manobra “freou” significativamente a utilização da carona, especialmente quando acumulada com outra condicionante: a de ter que estar a adesão à ARP explicitamente autorizada no edital de licitação, com a determinação da estimativa de quantidades a serem adquiridas por órgãos não participantes (carona) (art. 9º, inciso III, do Decreto Federal n.º 7.892/13).
Na nova redação trazida pelo Decreto Federal n.º 9.488/18 ao § 4º, do art. 22, o limitador global teve seu indexador reduzido de 5 para 2. Isto é, a soma do quantitativo de todas as adesões não poderá ultrapassar ao dobro do quantitativo registrado para cada item.
Em resumo, percebam que o referido facelift, em números absolutos, proporcionará uma redução de 60% da demanda por meio deste procedimento sui generis. Utilizando-se do exemplo dado anteriormente neste breve artigo, vejamos os dois cenários no quadro abaixo.
Decreto Federal n. 7892/13 – Cenário Antigo
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Decreto Federal n.º 9.488/18 – Cenário Novo
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ARP – 80 unidades
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ARP – 80 unidades
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400 unidades passíveis de adesão via carona, distribuídas no mínimo entre 5 caronas (quando considerado que cada um poderia aderir até 100% do registrado, ou seja, 80 unidades)
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160 unidades passíveis de adesão via carona, distribuídas no mínimo entre 4 caronas (quando considerado que cada um poderá aderir até 50% do registrado, ou seja, 40 unidades)
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Percebam, que há uma drástica redução do potencial de uma ARP (na ordem de 60%), mas ao mesmo tempo uma otimização quanto à sua utilização, na medida em que o número mínimo de “caronas” consumindo cada um o limite máximo autorizado de adesão, foi reduzido apenas em 20%.
Entretanto, contudo, porém, todavia, cumpre ressaltar que tais novas limitações individuais e globais não são aplicáveis quando o SRP visar compras nacionais (redação a ser acrescida pelo novo § 4º – A, do art. 22), tidas como aquelas compras ou contratações de bens e serviços, em que o órgão gerenciador conduz os procedimentos para registro de preços destinado à execução descentralizada de programa ou projeto federal, mediante prévia indicação da demanda pelos entes federados beneficiados (art. 2º, inciso VI, cuja redação foi inserida pelo Decreto Federal n.º 8.250/14).[2]
Da limitação argumentativa
De modo a “atacar” o grande vilão quanto à utilização do SRP, ou seja, a falta de planejamento, o novo § 1º – A, do art. 22, do atual Decreto Federal n.º 7.892/13 passa a incorporar uma limitação argumentativa, que impõe ao órgão não-participante (carona), um mínimo esforço argumentativo no sentido de demonstrar ganho de eficiência, a viabilidade e a economicidade na utilização daquele determinada ARP[3].
Como se vê, tchauzinho para a utilização da “carona” como um coringa da urgência administrativa, quase sempre criada pela falta de planejamento do agente público. Nada de considerar “carona” como uma heurística, ou seja, um atalho de decisão. Isso mesmo, atalhos para reduzir a complexidade de uma decisão. Nesse nosso pequeno exemplo, a decisão de enfrentar um processo burocrático muito mais intrincado. Por isso, até então, quase sempre era a adesão à ARP a última “cartada” para “fugir” de um caminho mais extenso proporcionado pelo processo licitatório ordinário.
É uma sinalização de que o instituto pode ser muito bem utilizado, quando devidamente justificado, e que por ter que se esforçar em demonstrar tais argumentos, tende a se exercer o seu verdadeiro papel de exceção.
Entretanto, como nem tudo é perfeito, infelizmente essa limitação argumentativa não se aplica aos pedidos de “carona” realizados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios à ARP da União.
Da limitação Temática
O novo §º 10, do art. 22, incluído pelo novo Decreto Federal n.º 9.488/18, vem a impor uma limitação temática condicional para adesão à ARP, diante da potencial materialidade financeira que se pode gerar, diante do alto valor agregado dos bens relacionados ao tema: serviços de tecnologia da informação e comunicação.
A partir de agora, só poderá ocorrer adesão à ARP, visando a contratação de serviços de tecnologia da informação e comunicação, se a referida ARP for gerenciada:
I – pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; ou
II – por outro órgão ou entidade e previamente aprovada pela Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Que essa seja a primeira de várias outras limitações temáticas necessárias (em nossa opinião), tais como: agenciamento de viagens, serviço de telefonia fixa comutada, entre outras.
Por fim, cumpre ressaltar que essa limitação não incide quando a contratação de serviços estiver vinculada ao fornecimento de bens de tecnologia da informação e comunicação constante da mesma ARP (redação do § 11º, dada pelo Decreto Federal n.º 9.488/18).
Da fixação de prazo para manifestação de interesse (IRP)
Outra inovação instrumental trazida pelo Decreto Federal nº 9.488/18 está no novo § 1º – A, do atual art. 4, uma vez que impõe como tempo mínimo de abertura da Intenção de Registro de Preços-IRP, o prazo de (oito) dias úteis, contados da data de divulgação da IRP, de modo a incentivar as manifestações de interesse em participar daquele determinado procedimento.
Por fim, cumpre registrar que o Decreto Federal nº 9.488/18 fixou uma vacatio legis. Portanto, os novos dispositivos passaram a valer apenas a partir de 1º de outubro de 2018. Agora só nos cabe aguardar e refletir!