O DESENQUADRAMENTO DA EMPRESA VENCEDORA MEDIANTE CRITÉRIO DE DESEMPATE, ÀS CONDIÇÕES DE ME E EPP DURANTE A EXECUÇÃO DO CONTRATO.

O tratamento diferenciado às microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) nos certames licitatórios é tema recorrente para quem atua na área e, algumas situações geram certos questionamentos envolvendo o assunto.

No acórdão 250/2021, o Tribunal de Contas da União julgou o pedido de reexame interposto pela segunda colocada no pregão eletrônico 06/2018 promovido pelo Comando Logístico do Exército (Colog), onde foi alegada a utilização indevida dos benefícios conferidos às microempresas e empresas de pequeno porte pela empresa vencedora. Foi indagado pela recorrente o uso do direito de preferência pela primeira colocada, bem como a adoção do critério de desempate previsto no art. 44 da LC 123/2006, sustentando que a ganhadora teria faturamento superior ao limite legal imposto às empresas de pequeno porte (art. 3º, da Lei Complementar 123/06).

Houve a necessidade de estudar o faturamento da empresa vencedora pormenorizadamente, eis que ocorreu uma variação de valores, de modo que ora havia o enquadramento nas condições de EPP e ora a quantia superava o limite estabelecido por lei. Contudo, o que se verificou foi que, quando da participação no certame, a primeira colocada efetivamente atendia aos requisitos para usufruir dos benefícios conferidos às empresas de pequeno porte e, durante a execução do contrato, seu faturamento foi superior àquele estabelecido em lei para tratamento diferenciado.

É notório que a empresa que se passar por microempresa ou empresa de pequeno porte para se sagrar vencedora em determinado procedimento licitatório, sem fazer jus ao referido tratamento diferenciado, comete fraude, passível de aplicação de penalidade.

Porém, é preciso destacar que o limite de receita bruta previsto no art. 3º, da Lei Complementar 123/06, deve ser analisado em face do exercício anterior ao da licitação (janeiro a dezembro), como regra, salvo as hipóteses de desenquadramento no mesmo exercício previstas nos parágrafos do aludido artigo 3º.

Nesse sentido foi a orientação do Tribunal de Contas da União (Boletim de Jurisprudência 344/2021):

“Acórdão 250/2021 Plenário (Pedido de Reexame, Relator Ministro-Substituto Weder de Oliveira)
Licitação. Direito de preferência. Pequena empresa. Limite. Receita bruta. Apuração. Critério.
Para fim de enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte de acordo com os parâmetros de receita bruta definidos pelo art. 3º da LC 123/2006, considera-se o período de apuração das receitas auferidas pela empresa como sendo de janeiro a dezembro do ano-calendário anterior à licitação, e não os doze meses anteriores ao certame”. 

E se, durante a execução do contrato, a empresa deixar de se enquadrar nas condições de ME ou EPP por conta de seu faturamento tornar-se superior ao limite legal ou, ainda, por alguma outra especificidade, qual será o impacto nos contratos já celebrados?

A LC 123/2006 é clara ao indicar que os contratos celebrados anteriormente à perda das condições de ME ou EPP, não sofrerão qualquer interferência, consoante o art. 3º, inciso II, § 3º do aludido dispositivo legal, senão vejamos:

“Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
II – No caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).
§ 3º O enquadramento do empresário ou da sociedade simples ou empresária como microempresa ou empresa de pequeno porte bem como o seu desenquadramento não implicarão alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação a contratos por elas anteriormente firmados.”
[…]

Assim, conclui-se que ao participar de licitações e ao contratar com a administração pública, a empresa que vencer determinado procedimento se valendo do tratamento diferenciado, desde que presentes os requisitos para a sua aplicação no decorrer do certame, ainda que venha a perder tais condições posteriormente, não terá os contratos anteriormente celebrados prejudicados de maneira alguma, porém é necessário permanecer sempre atento aos requisitos de enquadramento, pois caberá a própria empresa comunicar ao fisco e às entidades e órgãos da Administração Pública, ao participar de outras licitações, que deixou de operar nas condições de ME e EPP.

Saliente-se, por fim, que a questão ganhará novos contornos com a sanção da nova Lei de Licitações e Contratos que, no art. 4º, § 2º, acabou por restringir o tratamento diferenciado: “§ 2º A obtenção de benefícios a que se refere o caput deste artigo fica limitada às microempresas e às empresas de pequeno porte que, no ano-calendário de realização da licitação, ainda não tenham celebrado contratos com a Administração Pública cujos valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, devendo o órgão ou entidade exigir do licitante declaração de observância desse limite na licitação”.

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