O Sistema S, formado por entidades como Sesc, Senac, Sesi, Senai, Sebrae, Apex, ABDI, dentre outras mais modernas como a Embratur e a Agsus, é um conjunto de organizações privadas dotadas de autonomia normativa, destinadas ao desenvolvimento educacional, profissional, bem como fomento de setores e atividades econômicas, como pequenos negócios, exportação, dentre outros de suma importância para o Brasil.
Criadas com base em autorização legislativa, essas entidades desempenham um papel fundamental ao promoverem a qualificação da força de trabalho, elevar a qualidade de vida dos trabalhadores e de suas famílias, e impulsionar o desenvolvimento de diversos setores da economia nacional. Ao realizar atividades que o Estado, por si só, não consegue atender plenamente, essas organizações colaboram diretamente para o alcance de objetivos de interesse público.
Contudo, apesar de sua natureza jurídica privada e autonomia administrativa, o Sistema S deve atender a princípios como eficiência, transparência e impessoalidade.
Assim, a autonomia é essencial para que as entidades adaptem suas regras às suas peculiaridades funcionais, mas exige cuidados na redação de normas que envolvam direitos e prazos processuais.
Um exemplo de sua autonomia normativa foi a recente atualização dos Regulamentos de Licitações e Contratos, feito pela maioria das entidades dos Serviços Sociais Autônomos, de modo que passam a adotar a dinâmica que mais se adapta às suas realidades e necessidades, guardada a obediência a princípios constitucionais gerais, como legalidade, eficiência e publicidade.
Dentre as alterações, trago à reflexão a redação que trata dos prazos recursais em licitações, em especial no que tange à contagem de prazos para contrarrazões.
Importante destacar que o recurso administrativo é um instrumento disponibilizado aos interessados para contestar decisões tomadas ao longo do procedimento licitatório. Esse mecanismo concretiza os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal[1] (que assegura o devido processo legal).
A redação anterior da norma em análise estipulava que os participantes afetados pela reconsideração de uma decisão poderiam se manifestar no prazo de dois dias úteis a partir da ciência do pedido.
“Art. 30. Caberá recurso da decisão da declaração de licitante vencedor no prazo de dois dias úteis, com efeito suspensivo.
§ 1.º No critério de licitação técnica e preço, caberá recurso nas fases previstas no edital.
§ 2.º Os participantes que puderem ter a sua situação no processo afetada pela reconsideração da decisão poderão se manifestar sobre o pedido no prazo de 2 (dois) dias úteis, a contar da sua ciência.
§ 3.º A reconsideração da decisão somente invalidará os atos insuscetíveis de aproveitamento.” Sescoop
De acordo com a nova redação contida na normativa de algumas entidades, o marco temporal foi alterado para o momento da publicação do resultado.
“Art. 30. Caberá recurso da decisão da declaração de licitante vencedor no prazo de dois dias úteis, com efeito suspensivo.
§ 1.º No critério de licitação técnica e preço, caberá recurso nas fases previstas no edital.
§ 2.º Os participantes que puderem ter a sua situação no processo afetada pela reconsideração da decisão poderão se manifestar sobre o pedido no prazo de 2 (dois) dias úteis, a contar da publicação do resultado. (nova redação)
§ 3.º A reconsideração da decisão somente invalidará os atos insuscetíveis de aproveitamento.” Sesc e Senac
Contudo, a norma não esclarece a que “resultado” se refere: se ao resultado da licitação (declarado vencedor) ou ao resultado da análise do recurso.
Pela dinâmica licitatória, entendo que o prazo se refere ao resultado da licitação. Nesse caso, surge uma problemática: o prazo de recurso e o prazo de contrarrazões passam a correr simultaneamente. Como consequência, o licitante declarado vencedor (recorrido) deve apresentar suas contrarrazões sem ter conhecimento das razões apresentadas pelo licitante recorrente, o que, salvo melhor entendimento, não é a melhor opção.
Isso porque as contrarrazões são, por natureza, uma resposta fundamentada às razões do recorrente, as quais devem ser submetidas à análise da Autoridade Competente. Pela nova redação, essa dinâmica não ocorre. Imagine, por exemplo, que o licitante recorrente apresente suas razões no último minuto do prazo de dois dias úteis. Considerando que o recorrido tem o mesmo prazo para apresentar suas contrarrazões, ele teria apenas um minuto para preparar sua defesa — algo absolutamente inviável.
Por outro lado, se a norma se refere ao resultado do recurso, surge outro problema: a Autoridade Competente tomará sua decisão sem conhecer as contrarrazões do recorrido, privando-se de informações relevantes para formar um julgamento completo.
Além disso, caso as razões do recorrente sejam acolhidas, alterando o resultado do certame, e somente após isso as contrarrazões sejam consideradas, o resultado inicial poderia ser revertido novamente. Esse cenário introduz instabilidade no processo e compromete a segurança jurídica.
Diante dessas ponderações, entendo que o prazo para contrarrazões deve ser contado a partir da apresentação das razões pelo licitante recorrente. Essa abordagem permite que o licitante recorrido tenha pleno acesso às razões do recorrente antes de apresentar suas contrarrazões e que a Autoridade Competente tome sua decisão com base em todos os elementos relevantes, considerando tanto as razões do recorrente quanto as contrarrazões do recorrido.
Neste sentido, temos um curso mais lógico e ordenado para o processo licitatório, alinhado aos princípios de eficiência e da ampla defesa.
A experiência do Sistema S na criação de regulamentos que atendam às suas peculiaridades demonstra a relevância de sua autonomia normativa. Como destacou o Tribunal de Contas da União[2], essas entidades não se submetem à rigidez do regime jurídico-administrativo estatal, mas sim a princípios como moralidade, legitimidade e eficiência.
Essa liberdade permite que as normas sejam moldadas às dinâmicas operacionais das entidades, preservando a agilidade e a eficácia necessárias para que desempenhem suas funções sociais.
A recente alteração nos regulamentos licitatórios do Sistema S evidência tanto os avanços quanto os desafios na busca por regulamentos mais claros e funcionais. Para essas entidades, que lidam com recursos de natureza pública e têm a responsabilidade de prestar contas ao Tribunal de Contas da União, ajustes normativos são fundamentais para aprimorar a eficiência e a segurança jurídica de seus processos, alinhando-se aos valores e objetivos que fundamentam sua existência.
[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[2] “Portanto, é razoável que os serviços sociais autônomos, embora não integrantes da Administração Pública, mas como destinatários de recursos públicos, adotem, na execução de suas despesas, regulamentos próprios e uniformes, livres do excesso de procedimentos burocráticos, em que sejam preservados, todavia, os princípios gerais que norteiam a execução da despesa pública.” Acórdão n°. 907/1997. Plenário TCU.