O princípio da motivação e as decisões praticadas nas diversas fases das licitações e contratações

O princípio da motivação impõe que o ato administrativo seja devidamente justificado, a fim de permitir o controle da sua regularidade, a qual envolve o exame da legalidade, da finalidade e da moralidade administrativa, dentre outros.

Assim é que o agente deve, ao praticar o ato administrativo, informar os motivos fático e jurídico que lhe dão ensejo e o fundamentam, os quais viabilizarão, ainda, a aferição da adequação da medida adotada ao caso concreto.

É como ensina a doutrina especializada:

“Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.”[1]

“O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.

Na Constituição Federal, a exigência de motivação consta expressamente apenas para as decisões administrativas dos Tribunais e do Ministério Público (arts. 93 e 129, § 4o, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 45/04), não havendo menção a ela no artigo 37, que trata da Administração Pública, provavelmente pelo fato de ela já ser amplamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Na Constituição Paulista, o artigo 111 inclui expressamente a motivação entre os princípios da Administração Pública.”[2]

“O princípio da motivação consagra o dever de fundamentação explícita e formal para decisões adotadas pela autoridade.

A motivação é tão relevante que a CF/1988 erigiu-a em condição de validade das decisões judiciais (art. 93, inc. IX). Pelo princípio da simetria. A exigência de motivação deve ser estendida aos processos administrativos.

A motivação consiste na enunciação pelo agente estatal das razões de fato e de direito em que se alicerça a decisão adotada. Traduz externamente o processo decisório interno ao agente, explicando a sua compreensão relativamente aos eventos ocorridos no mundo dos fatos e a interpretação adotada para as normas, de que deriva a decisão adotada.

A motivação deriva da necessidade de justificar toda e qualquer decisão administrativa. É uma decorrência inafastável do regime democrático, da legalidade, da objetividade, da moralidade, dentre outros princípios.”[3]

Não basta, portanto, que o agente administrativo externe a sua decisão, sendo indispensável que a ela anexe também os seus fundamentos, até mesmo para viabilizar a apresentação de recurso (em sentido amplo) pelo interessado, na medida que a ciência da motivação do ato administrativo é premissa para a construção de eventual contraposição.

Nessa linha é que a Lei 9.784/1999, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabelece:

“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I – atuação conforme a lei e o Direito;

II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

(…)

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V – decidam recursos administrativos;

VI – decorram de reexame de ofício;

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.” (grifou-se)

E a Lei 14.133/2021, que dispõe sobre normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, como não poderia deixar de ser, expressamente recepciona o princípio da motivação em seu art. 5°:

“Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).[4]”(grifou-se)

Inclusive, ao cuidar da fase preparatória da licitação em seu art. 18, a norma reforça a incidência do referido princípio, exigindo motivação circunstanciada acerca das condições fixadas do edital, que como se sabe é considerado a lei interna do certame:

“Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:

(…)

IX – a motivação circunstanciada das condições do edital, tais como justificativa de exigências de qualificação técnica, mediante indicação das parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo do objeto, e de qualificação econômico-financeira, justificativa dos critérios de pontuação e julgamento das propostas técnicas, nas licitações com julgamento por melhor técnica ou técnica e preço, e justificativa das regras pertinentes à participação de empresas em consórcio;” (grifou-se)

Claro, por conseguinte, que as decisões exaradas tanto na fase preparatória como nas fases posteriores da licitação e da contratação demandam justificativa apropriada, sem o que restarão irregulares.

Outra não é a interpretação do Tribunal de Contas da União, a teor dos julgados que seguem:

“SUMÁRIO

REPRESENTAÇÃO. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES EM PREGÃO PARA AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE SISTEMA CFTV. SESC/MG. CONHECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. OITIVAS. DESCLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTAS SEM A ADEQUADA MOTIVAÇÃO NA ATA DO CERTAME. PROCEDÊNCIA PARCIAL. REVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR ADOTADA. CIÊNCIA DE IRREGULARIDADE. ARQUIVAMENTO.

1- A preclusão do direito de recurso de licitante, por motivo de não apresentação da intenção recursal no prazo devido, não impede a Administração de exercer o poder-dever de rever os seus atos ilegais, nos termos do art. 63, § 2º, da Lei 9.784/1999 e da Súmula-STF 473.

2- Em pregão, assim como nas demais modalidades de licitação, é necessário registrar a motivação das decisões que desclassifiquem propostas, inabilitem licitantes ou julguem recursos, com nível de detalhamento suficiente para a plena compreensão pelos interessados, em observância ao princípio da motivação.

ACÓRDÃO

VISTA, relatada e discutida esta representação de licitante, com pedido de medida cautelar, acerca de possíveis irregularidades ocorridas na condução do Pregão Eletrônico (PE) 230/2023, promovido pelo Serviço Social do Comércio – Administração Regional no Estado de Minas Gerais (Sesc/MG), para a aquisição de equipamentos de sistema CFTV (Lote 1), no valor estimado de R$ 329.299,08.

ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator e com fundamento nos arts. 169, inciso III, 235, 237, inciso VII e parágrafo único, do Regimento Interno-TCU, no art. 103, § 1º, da Resolução-TCU 259/2014, e no art. 9º, inciso I, da Resolução-TCU 315/2020, em:

9.1. conhecer da representação, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente;

9.2. revogar a medida cautelar adotada no despacho à peça 17;

9.3. dar ciência à Administração Regional do Sesc no Estado de Minas Gerais de que empresas licitantes foram desclassificadas do certame, restando consignadas apenas motivações genéricas, sem especificações claras e objetivas sobre quais itens das propostas ofertadas não atenderam aos previsto no edital, em afronta ao princípio da motivação e à jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos 1.467/2022 e 1.188/2021, ambos do Plenário).”[5] (grifou-se)

“PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 477/2024

COLEGIADO

Plenário

ACÓRDÃO

Acórdão 387/2024-TCU-Plenário, Representação, Relator Ministro Jhonatan de Jesus

ENUNCIADO

É possível a inversão de fases entre habilitação e julgamento das propostas com relação à aplicação da prova de conceito, desde que, nos documentos relativos ao planejamento do pregão, sejam apresentadas as devidas razões, com explicitação dos benefícios decorrentes, sob pena de violação ao art. 17, §§ 1º e 3º, da Lei 14.133/2021, bem como ao princípio da motivação, previsto no art. 5º da mencionada lei. Se é cabível postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impede o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, a exemplo da prova de conceito.” (grifou-se)

“PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 444/2022

COLEGIADO

Primeira Câmara

ACÓRDÃO

Acórdão 4834/2022-TCU-Primeira Câmara, Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues

ENUNCIADO

A autoridade que homologa o pregão deve, sob pena de responsabilização, verificar a existência de fundamentos na manifestação do pregoeiro pelo não provimento de recurso interposto por licitante, especialmente se houve contraposição às razões recursais apresentadas, em observância ao princípio da motivação (art. 2º da Lei 9.784/1999).” (grifou-se)

PUBLICAÇÃO

Informativo de Licitações e Contratos 32/2010

COLEGIADO

Plenário

ACÓRDÃO

Acórdão 2245/2010-TCU-Plenário, TC-Processo 001.634/2010-0, rel. Min. Valmir Campelo, 1º.09.2010

ENUNCIADO

Necessidade de motivação adequada nas respostas às indagações das empresas licitantes

TEXTO

Representação formulada ao TCU trouxe notícias acerca de possíveis irregularidades ocorridas no Pregão 58/2009, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e cujo objeto constituiu-se na “aquisição de soluções de armazenamento de dados de alta disponibilidade e de backup, incluindo garantia, treinamento e suporte técnico para as soluções, conforme especificações e condições estabelecidas”. Uma dessas irregularidades seria o oferecimento de respostas insuficientes e inadequadas, pelo CNJ, às consultas e solicitações de esclarecimentos realizadas durante o processo licitatório. Em seu voto, o relator destacou que “toda decisão tomada pelo gestor há de ser devidamente motivada e justificada“. Ao concordar com a unidade técnica quanto à evasividade das respostas do CNJ, o relator registrou, ainda, que,” no caso de existir alguma dúvida, esta deve ser sanada da melhor forma possível, pois é um indicativo de que as informações podem não estar tão claras e pormenorizadas quanto se imaginava ao elaborar as regras do certame. Desse modo, votou, neste ponto, pela procedência da representação, no que foi acompanhado pelo Plenário. Assim, o Tribunal, na espécie, ementou o entendimento de que, “em cumprimento ao Princípio da Publicidade contido no caput do art. 3º, bem como no inciso VIII do art. 40, ambos da Lei nº 8.666/1993, o órgão não deve responder de modo inadequado e insuficiente às consultas e solicitações de esclarecimentos realizadas pelas empresas durante o processo licitatório, evitando respostas genéricas”. Acórdão n.º 2245/2010-Plenário, TC-001.634/2010-0, rel. Min. Valmir Campelo, 1º.09.2010.” (grifou-se)


[1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11 ed., São Paulo: Malheiros, p. 71.

[2] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. [eBook]

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 130-131.

[4] O qual prevê no parágrafo único de seu art. 20: “Parágrafo único. A motivação demostrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, incidente em face das possíveis alternativas”.

[5] TCU. Acórdão 977/2024. Plenário.

Nyura Disconzi da Silva

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