O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), previsto no art. 78, inc. III da Lei 14.133/21 não é uma novidade no direito público brasileiro, pois já encontrava guarida nas Leis 13.303/16 e 11.334/16 e estava regulamentado como prática administrativa no Decreto 8.428/15. A grande novidade foi ter alcançado novo status ao estar previsto formalmente na Nova Lei de licitações e contratações públicas, ampliando assim seu cabimento “para totalidade a totalidade das contratações celebradas pela Administração Pública, que poderão integrá-lo à sua fase preparatória”[1].
O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) que ainda merece regulamentação, segundo o art. 78, §2º da Lei 14.133/21, está definido no art. 81, como um instrumento pelo qual “a Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento”.
Inferimos da definição legal, antes transcrita, que o PMI é útil e se faz pertinente nas hipóteses nas quais a Administração assume uma necessidade administrativa, porém, tem dificuldade para estabelecer sua pretensão contratual, que, como sabemos, é definida na primeira fase de planejamento:
“Em linhas gerais, em situações nas quais o Poder Público tem dificuldades em definir a pretensão contratual, como ocorre em hipóteses de complexidade ou diversidade de soluções possíveis, a Administração ode instaurar o PMI, solicitando à iniciativa privada, mediante procedimento aberto e manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação do edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância publica, na forma de regulamento.”[2]
Com o apoio da doutrina de Rafael Carvalho de Fassio e Marcos Nóbrega, extraímos que o PMI objetiva “reduzir a assimetria informacional que distancia o Poder Público de seus fornecedores, reconhecendo que a Administração nem sempre conseguirá enxergar todas as soluções para os problemas que pretende resolver”. Os autores ainda destacam que o PMI “inverte a lógica do processo de compra pública para permitir a participação dos particulares nos primeiros momentos do sourcing estatal.” [3]
Como podemos ver, o PMI se assemelha com o Diálogo Competitivo, pois ambos os institutos têm em comum o fato de que objetivam provocar o mercado a mostrar e compartilhar seus conhecimentos, pois somente a partir daí é que o Poder Público teria condições de delinear contratações mais adequadas as suas demandas, porém, enquanto o PMI é um procedimento auxiliar das licitações (art. 78), o Diálogo Competitivo é uma modalidade de licitação (art. 28, inc. V), o que implica ritos e tempos diferentes.
De outra sorte, importa também sublinharmos, com o apoio da doutrina, que o PMI, ao lado da previsão da contratação de especialistas e do estabelecimento de matriz de riscos são novidades da Lei 14.133/21, que visam ajudar a Administração com sua pretensão contratual, especialmente, no que se relaciona à elaboração de projetos satisfatórios. [4] E tal como a audiência pública e a consulta publica “possibilita uma interação controlada com agentes externos antes da contratação com o intuito de aperfeiçoar, ou até mesmo identificar, a solução para o problema público que precisa ser resolvido”. [5]
No que se refere ao pagamento, embora o teor do §1º do art. 81 seja bastante amplo e remeta o assunto às regras do edital, inferimos que cabe ao licitante vencedor ressarcir os dispêndios correspondentes aos estudos, as investigações, os levantamentos e os projetos vinculados à contratação e de utilidade para a licitação, realizados pela Administração ou com a sua autorização mediante o PMI. Corrobora esse entendimento uma interpretação sistemática do artigo, já que o inc. IV do §2º do art. 81 expressamente prescreve que os dispêndios serão remunerados “somente pelo vencedor da licitação, vedada, em qualquer hipótese, a cobrança de valores do poder público”.
Encerrado o Procedimento Manifestação de Interesse (PMI) não tem a Administração o dever de realizar a licitação ou de ressarcir os valores envolvidos na sua elaboração, de acordo com a Nova Lei de Licitações. Expressamente asseveram os incisos II e III do §2º do art. 81, que a realização pela iniciativa privada, de estudos, investigações, levantamentos e projetos em decorrência do procedimento de manifestação de interesse previsto “não obrigará o poder público a realizar licitação” (inc. I) e também não implicará, por si só, direito a ressarcimento de valores envolvidos em sua elaboração (III). Para a doutrina, tais regras trazem insegurança aos interessados, podendo como consequência desestimular a participação de empresas interessadas no PMI. [6]
Depreendemos do §3º do art. 81 da Lei 14.133/21 que a aceitação dos produtos e serviços desenvolvidos por participante do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) exige da Administração a elaboração de “parecer fundamentado com a demonstração de que o produto ou serviço entregue é adequado e suficiente à compreensão do objeto, de que as premissas adotadas são compatíveis com as reais necessidades do órgão e de que a metodologia proposta é a que propicia maior economia e vantagem entre as demais possíveis”. O instrumento ainda aguarda regulamentação (art. 78, §2º).
Por fim, ainda destacamos que o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), previsto no art. 81 da Nova Lei de licitações e contratações públicas, poderá ficar restrito a startups[7], consoante expressamente previsto no § 4º do art. 81:
“§4º. O procedimento previsto (…) poderá ser restrito a startups, assim considerados os microempreendedores individuais, as microempresas e as empresas de pequeno porte, de natureza emergente e com grande potencial, que se dediquem à pesquisa, ao desenvolvimento e à implementação de novos produtos ou serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras que possam causar alto impacto, exigida, na seleção definitiva da inovação, validação prévia fundamentada em métricas objetivas, de modo a demonstrar o atendimento das necessidades da Administração”.
Para a doutrina, a regra restritiva do §4º deve ser “interpretada em conjunto com a generalidade das previsões contempladas na Lei 14.133/2021, orientada a assegurar o fomento estatal à inovação e ao desenvolvimento”. Isso porque a regra não tem como fim próprio “à obtenção de solução tradicional para necessidades usuais da Administração. Trata-se de incentivar atuação da iniciativa privada para formular propostas originais, inclusive na acepção da ausência de experiência anterior similar.”[8]
Finalizamos, sintetizando 4 características essenciais do PMI, de acordo com as lições de Justen Filho:
- convocação da Administração, que deve fixar um nível mínimo de especificação quanto ao objeto da atuação dos particulares;
- autonomia dos particulares para conceberem soluções, que dependerá das regras do edital;
- exame de aceitabilidade por parte da Administração, que no entender do autor “não se assemelha ao julgamento promovido no âmbito de uma licitação propriamente dita. (…) não se subordina a requisitos e critérios rigorosa e exaustivamente predeterminados. Existe uma margem muito intensa de discricionariedade, compreendendo autonomia para avaliação das propostas sob os mais diversos ângulos”;
- o direito do particular em face da Administração, reside em participar da licitação, se a Administração deliberar instaurá-la, e também é assegurado ao autor da proposta a obtenção de remuneração compensatória do terceiro contratado, se for o caso. Pelas palavras do autor: “Os particulares que participam do PMI não são investidos de direitos a exigir alguma prestação de conteúdo específico em face da Administração. Não existe direito a exigir a aceitação da proposta formulada, por mais perfeita que o seja. Não é exigível a instauração de procedimento destinado à contratação. Nem lhes cabe obter uma remuneração a cargo do Poder Público.”
Em suma, como pudemos observar, o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) em sentido amplo é mais um dos dispositivos que a Lei 14.133/21 fixou como forma de reduzir a assimetria de informações entre a Administração Pública e o mercado fornecedor.[9] Além disso, “seu emprego em maior escala pode “ampliar a participação do setor privado na fase preparatória das licitações, propondo uma via mais transparente, isonômica e impessoal para o oferecimento de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras à Administração.”[10]
Referências:
FASSIO, Rafael Carvalho; NÓBREGA, Marcos. Procedimentos auxiliares na nova lei de licitações: o rating de fornecedores no registro cadastral e o procedimento de manifestação de interesse. In: GVP Parcerias Empresariais. Disponível em: https://www.parceriasgovernamentais.com.br .
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2021. (ebook).
PÉRCIO, Gabriela. Lei 14.133/21: um olhar pragmático sobre os Procedimentos Auxiliares. In. Observatório da Nova Lei de Licitações. https://www.novaleilicitacao.com.br.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações públicas comentadas. 12 ed. São Paulo: IusPodivum, 2021.
[1] PÉRCIO, Gabriela. Lei 14.133/21: um olhar pragmático sobre os Procedimentos Auxiliares. In. Observatório da Nova Lei de Licitações. https://www.novaleilicitacao.com.br. Acesso em 19.07.22.
[2] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações públicas comentadas. 12 ed. São Paulo: IusPodivum, 2021. p. 476.
[3] Os autores ainda destacam que: “Mesmo antes da Nova Lei, é certo que qualquer pessoa física ou jurídica já poderia oferecer estudos e projetos à Administração, mas a impossibilidade de disputar a licitação posterior, aliada à incerteza no reembolso, atuavam como desincentivos para tanto. Isso porque, na prática, as vedações do artigo 9º da Lei nº 8.666/1993 impedem que o Poder Público interaja com particulares de forma regular, durante a fase preparatória da licitação, para formatar o objeto a ser contratado”. FASSIO, Rafael Carvalho; NÓBREGA, Marcos. Procedimentos auxiliares na nova lei de licitações: o rating de fornecedores no registro cadastral e o procedimento de manifestação de interesse. Disponível em: https://www.parceriasgovernamentais.com.br . Acesso em 21.07.22.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2021. (ebook). RL-1.27. Ver também: TORRES, Op. Cit., p. 477.
[5] PÉRCIO, Op. Cit.
[6] TORRES, Op. Cit., p.477. JUSTEN FILHO, Op. Cit., RL-1.27.
[7] Recordamos que, no Brasil, o marco legal das startups está consolidado na Lei Complementar 182/21.
[8] JUSTEN FILHO, Op. Cit., RL-1.27.
[9] PÉRCIO, Op. Cit.
[10] FASSIO; NÓBREGA. Op. Cit.