Luciano Elias Reis
Sócio do Reis e Lippmann Advogados. Doutor em Direito Administrativo na Universitat Rovira i Virgili. Doutor em Direito Econômico pela PUCPR. Professor de Direito Administrativo. Líder do Grupo de Pesquisa Compras Públicas Inovadoras. Autor de diversos livros e artigos jurídicos em revistas especializadas. Insta @lucianoereis. E-mail lucianoereis@yahoo.com.br
No dia 09 de junho de 2020, foi publicada a Instrução Normativa nº 43/2020 da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia que dispõe sobre a dispensa, o parcelamento, a compensação e a suspensão de cobrança de multa administrativa, prevista nas Leis nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 10.520, de 17 de julho de 2002 e nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, não inscritas em dívida ativa.
Assim, o raio de sua abrangência normativamente limita-se à Administração Pública Federal direta, bem como as autarquias e fundações federais. Previu-se ainda que as Forças Armadas poderão adotá-la. É colocado que os demais entes e entidades poderão utilizar este texto como referência normativa, todavia para tanto haveria necessidade de um ato normativo indicando tal uso. Com isso, compreendo que não faz sentido alguém fazer um ato administrativo indicado o uso de tal instrução ao invés de fazer um ato normativo específico para a sua realidade.
Em síntese, pode-se dizer que são quatro eixos tratados na Instrução Normativa sobre multas administrativas aplicadas em decorrência de licitações e contratos administrativos: dispensa de aplicação de multa, parcelamento, compensação e suspensão da cobrança de multa.
O artigo 2º dispensa a formalização em processo, registro contábil e cobrança administrativa dos débitos quando o valor total atribuído ao mesmo devedor, sem juros ou atualizações, não ultrapassar o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
A documentação comprobatória da responsabilidade permanecerá arquivada para eventual início do processo de cobrança, caso haja novos débitos de mesma natureza relativos ao devedor, cujo valor total seja superior ao atual limite de R$ 1.000,00, observado o prazo prescricional de cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Se houver início do processo de cobrança, logo os valores dos débitos deverão ser consolidados para fins de apuração e cobrança administrativa.
Ressalta-se que não há a dispensa de formalização de processo administrativo material e formal para a aplicação da sanção administrativa de multa em si nas licitações e nos contratos, mas sim a dispensa de processo administrativo de cobrança administrativa se ao terceiro for imputada uma multa de até R$ 1.000,00.
Em outras palavras, não se afasta o dever-poder de o agente público apurar irregularidades praticadas no seio de uma licitação ou no curso de uma execução contratual, sob pena de o mesmo cometer irregularidade funcional e estar sujeito a sua responsabilização.
A referida instrução prescreveu ainda a possibilidade de o sujeito, que teve contra si uma imputação de multa, solicitar por escrito e formalmente o parcelamento da multa, que poderá ser feito sobre o montante total ou parcial em até doze parcelas mensais e sucessivas. Dentre vários pontos operacionais de tal operação de parcelamento, parece-me que existe um ponto passível de ser aprimorado, qual seja, o parcelamento do débito não pode ultrapassar o prazo de vigência originário do contrato. Na práxis administrativa, é muito comum que a imputação de multa decorra após um processo administrativo alongado temporalmente, com o devido respeito aos princípios constitucionais, o que per si ensejará uma transposição de algumas semanas ou até meses. Ademais, nada impede que o processo se inicie antes de acabar o período contratual e termine depois, por conseguinte limitar o parcelamento ao prazo contratual poderá restringir sem qualquer relação lógica esta possibilidade de facilitação ao apenado e também de arrecadação efetiva do Poder Público.
A inadimplência no pagamento das parcelas gerará o cancelamento automático do parcelamento e recomeçará a contar prazo prescricional suspenso, sendo que considerará, para os fins da Instrução Normativa, cancelado aquele que inadimplir três parcelas consecutivas ou não.
Ainda, outro ponto disciplinado na Instrução Normativa foi a compensação total ou parcial dos débitos de multas em licitações e contratos com os créditos devidos pela Administração decorrentes do mesmo contrato ou de outros contratos administrativos que o interessado possua com o mesmo órgão ou entidade sancionadora.
Numa leitura rápida, pareceria que somente o interessado poderia solicitar formalmente a compensação. Entrementes, o parágrafo primeiro do artigo 8º da Instrução Normativa previu que a Administração poderá fazer de ofício tal compensação. Ao meu ver, é equivocada a compensação como critério obrigatório e ex officio, mesmo quando se tratar do mesmo contrato como fato gerador da penalidade e do crédito. Explica-se.
Não poderá a Administração resolver retirar parte de um crédito devido a uma pessoa pela execução de uma obrigação sem qualquer tipo de autorização. Por uma questão de lealdade, boa-fé e confiança legítima entre Administração Contratante e Terceiro Contratado (e Colaborador do Estado) deverá haver alguma cláusula que preveja essa possibilidade no ato convocatório e/ou no contrato e desde que se relacione entre crédito e débito com o próprio órgão ou entidade contratante.
Não é possível juridicamente, além de existir óbices orçamentários e financeiros,[1] que um crédito contratual com uma autarquia federal X seja compensado por meio de um débito de multa da empresa com uma autarquia federal Y. Cada relação negocial e contratual deverá ser tratada de maneira isolada. Do ponto de vista de risco e incerteza para a pessoa (colaboradora do Estado), isso poderá gerar insegurança jurídica a ser precificada em novas relações negociais. Todo comportamento enseja uma consequência. Assim, parece que fragilizaria a relação do parceiro colaborador do Estado se houver a possibilidade de compensação com outro crédito, até porque ela poderá ter uma estratégia de discutir aquele débito com o órgão W quando tiver um montante financeiro que virá de um recebimento de outro órgão T para então contratar uma assessoria para questionar a licitude da imputação do órgão W.
Por uma questão de prioridade em razão da importância da espécie de verbas envolvidas (trabalhistas e previdenciárias) e de potencialidade da sua responsabilização subsidiária e solidária, ficou estabelecido que as retenções para adimplemento das obrigações de natureza trabalhista e previdenciária dos contratos de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra têm prioridade em relação aos demais pedidos de compensação.
E, para finalizar este rápido ensaio, a Instrução Normativa trouxe ainda a possibilidade (e não obrigatoriedade) de suspensão da cobrança das multas devidas pela pessoa devedora até sessenta dias após o término do estado de calamidade pública de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Para tanto, o interessado deverá requerer formalmente esta suspensão e podendo até cumulá-lo com o parcelamento.