Projeto de Lei Propõe Alterações no Estatuto Jurídico das Estatais e na Nova Lei de Licitações

Introdução

O Projeto de Lei nº 2225/2023, de autoria do Deputado Daniel Soranz, busca modificar a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016 (Estatuto Jurídico das Empresas Estatais) e a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). O objetivo principal é ampliar a adesão ao Sistema de Registro de Preços (SRP), promovendo maior eficiência e segurança jurídica nas contratações públicas.

Principais Alterações Propostas:

1. Ampliação da Adesão ao Sistema de Registro de Preços para Órgãos da Administração Direta.

O projeto propõe a alteração do § 1º do Art. 66 da Lei nº 13.303/2016, permitindo que órgãos da Administração Direta, vinculados a empresas públicas ou sociedades de economia mista, possam aderir ao Sistema de Registro de Preços. A legislação atual não é clara sobre a possibilidade de a Administração Direta utilizar esse sistema, o que tem gerado insegurança jurídica e interpretações divergentes por parte de órgãos de controle.

Redação proposta para o Art. 66, § 1º:

“Poderá aderir ao sistema referido no caput qualquer órgão ou entidade responsável pela execução das atividades contempladas no art. 1º desta Lei, bem como o órgão ou entidade da Administração Direta ao qual a empresa pública ou sociedade de economia mista esteja diretamente vinculada.” (NR)

2. Prorrogação de Vigência e Ajuste de Quantidade nas Atas de Registro de Preços.

O projeto também sugere mudanças no Art. 84 da Lei nº 14.133/2021, permitindo que as atas de registro de preços, inicialmente com vigência de um ano, possam ser prorrogadas por até quatro vezes, desde que se comprove a manutenção de vantagem econômica. Além disso, possibilita ajustes quantitativos e reajustes de preços baseados em índices oficiais durante as prorrogações, desde que haja anuência do fornecedor e a devida publicação no Diário Oficial antes do vencimento.

Redação proposta para o Art. 84:

“O prazo de vigência da ata de registro de preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, por até 4 (quatro) vezes, desde que comprovado o preço vantajoso. 

§ 1º O contrato decorrente da ata de registro de preços terá sua vigência estabelecida em conformidade com as disposições nela contidas.

§ 2º Na prorrogação de vigência também poderá haver alteração quantitativa e reajuste do preço pelo índice oficial do governo em cada período de prorrogação.

§ 3º A prorrogação deverá ter o prévio aceite do fornecedor e ser publicada na imprensa oficial antes do seu vencimento.” (NR)

3. Justificativa das Propostas

O Deputado Daniel Soranz justifica as alterações como uma resposta às inseguranças jurídicas presentes na Lei nº 13.303/2016. A falta de clareza sobre a possibilidade de adesão dos órgãos da Administração Direta ao Sistema de Registro de Preços tem levado órgãos de controle a recomendar a proibição dessa prática, mesmo quando há uma clara vinculação entre a entidade e o órgão.

Além disso, a flexibilização da prorrogação das atas de registro de preços e a possibilidade de ajustes quantitativos buscam atender melhor às demandas operacionais das administrações públicas, que muitas vezes enfrentam dificuldades com a atual limitação de prorrogações, especialmente em contratos de longa duração ou que envolvam compras planejadas.

4. Reflexões sobre as Alterações Propostas

Embora as propostas representem um avanço na eficiência das contratações públicas, a tentativa de harmonizar os regimes jurídicos aplicáveis à Administração Direta e às empresas estatais poderá não alcançar plenamente os objetivos desejados. Isso se deve à distinção fundamental entre os regimes de contratação das empresas estatais e da Administração Direta, estabelecida pelo Decreto nº 200/1967.

Enquanto as empresas estatais, por sua natureza de direito privado, possuem maior flexibilidade em suas contratações, a Administração Direta opera sob um regime mais rígido, como destaca Filho (2021) [1], exigindo um controle estrito, especialmente no cumprimento dos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme previsto no art. 37 da Constituição Federal. A proposta de permitir que a Administração Direta participe das atas de registro de preços das empresas estatais, mesmo em situações de vínculo institucional, pode gerar incongruências jurídicas ao combinar regimes distintos, o que pode comprometer a integridade dos processos licitatórios.

Por outro lado, a possibilidade de prorrogar as atas de registro de preços por até quatro vezes impõe um desafio adicional ao gestor público, que deverá adotar um controle rigoroso para evitar que essa flexibilização resulte em custos desnecessários nas contratações. A proposta de incluir expressamente na legislação a permissão para ajustes quantitativos e de preços durante as prorrogações ajudará a esclarecer eventuais dúvidas ou controvérsias, garantindo maior segurança jurídica e administrativa.

O controle eficaz das contratações pressupõe a realização de revisões periódicas, um monitoramento contínuo dos contratos e a constante reavaliação das condições de mercado. Isso é essencial para garantir que os recursos públicos sejam aplicados de forma eficiente e econômica, em conformidade com os princípios da administração pública.

O princípio do planejamento, consagrado no parágrafo único do art. 11 da Lei nº 14.133/2021[2], estabelece que todas as contratações públicas devem ser precedidas por estudos técnicos detalhados, assegurando a previsibilidade e o controle. Prorrogações sucessivas, sem planejamento adequado, podem comprometer a efetividade das contratações, contrariando os princípios da eficiência, legalidade e moralidade que regem a administração pública. Além disso, a extensão prolongada das atas de registro de preços não pode resultar em dependência excessiva de determinados fornecedores, sob o risco de comprometer a competitividade e violar o princípio da isonomia, ao dificultar a entrada de novos concorrentes.

Assim, flexibilizações excessivas nas prorrogações, sem mecanismos robustos de controle e planejamento, podem comprometer a eficiência das contratações públicas e gerar desequilíbrios, infringindo os princípios fundamentais da licitação e da gestão pública, como a economicidade, isonomia e eficiência, previstos tanto na Lei nº 14.133/2021 quanto na Constituição Federal.

 5. Conclusão

O Projeto de Lei nº 2225/2023 apresenta mudanças significativas para o aprimoramento das contratações públicas ao buscar maior flexibilidade e eficiência através da ampliação do uso do Sistema de Registro de Preços e da possibilidade de prorrogação das atas. No entanto, essas alterações também trazem desafios complexos, especialmente no que tange à harmonização dos regimes jurídicos da Administração Direta e das empresas estatais, além da necessidade de garantir que o planejamento e a gestão eficiente sejam preservados.

Embora a proposta tenha o potencial de simplificar processos e promover maior agilidade nas aquisições, é essencial que os princípios fundamentais da administração pública, como a legalidade, economicidade e competitividade, sejam rigorosamente observados. O equilíbrio entre flexibilidade e controle, planejamento e transparência será crucial para que as inovações legislativas alcancem o objetivo de otimizar as contratações, sem comprometer a integridade do sistema de licitações e a gestão dos recursos públicos.

O projeto de lei segue em tramitação na Câmara dos Deputados, onde aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Após análise e eventual aprovação pela CCJC, o texto será submetido ao plenário da Câmara e, em seguida, ao Senado Federal, ao qual caberá analisar detalhadamente as implicações dessas mudanças, buscando aperfeiçoar o texto e assegurar que as medidas propostas estejam em conformidade com os princípios constitucionais e as melhores práticas de governança pública.

Bibliografia:

Brasil. Lei 14.133, de 1º de abril de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: Set 24.

Brasil. Decreto 200 de 25 de fevereiro de 1967. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em: Set 24.

Brasil. Projeto de Lei 2225 de _ de 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2358824#:~:text=PL%202225%2F2023%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%2013.303,1%C2%BA%20de%20abril%20de%202021. Acesso em: Set 24.


[1] Filho. José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 35 ed. São Paulo, Atlas, 2021, p. 493.

[2] Art. 11.O processo licitatório tem por objetivos: Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: Set 24.

Roberta Luanda Ambrósio

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