Acórdão 2.977/2021 – TCU- Plenário
Em recente Acórdão nº 2.977/21, o Plenário do TCU examinou o cabimento e o procedimento do credenciamento para fins de contratação de serviços de promoção e organização de eventos no âmbito do Sistema S.
Resumidamente, de acordo com a representação formulada pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logística (SELOG), é cabível o uso de credenciamento para tal objeto contratual, mas recomendou a reformulação no procedimento desenvolvido pela Entidade, supostamente por não privilegiar questões de ordem legal e econômica (vantajosidade), que devem nortear as contratações do Sistema S.
A Entidade, por sua vez, justificou que a opção por não licitar, mas por credenciar empresas interessadas em contratarserviços de promoção e organização de eventos decorre do fato de que há dificuldades de contratação deste objeto em virtude dapluralidade de eventos que promove em localidades diferentes e simultaneamente. A pedido do TCU, ainda, a Entidade detalhadamente descreveu como se constitui a remuneração das empresas credenciadas, como os preços unitários dos bens e serviços são determinados, e a metodologia do seu procedimento.[2]
A partir dessas informações, a SELOG constatou que: (i) a entidade estabelece o valor estimado para a contratação, escolhendo, depois, o orçamento de menor valor apresentado pela credenciada”; bem como (ii) verificou que há um “procedimento criterioso para definição dos preços de itens e serviços contratados para cada evento realizado”, porém, “os preços dos itens e serviços que compõem o orçamento do evento são definidos pelas próprias credenciadas”, por consequência viola a premissa do instituto, “que é a fixação, pela administração, do preço a ser pago pela execução do objeto do contrato oriundo do credenciamento”.
Registrou, então, a SELOG que o credenciamento é cabível para fins de contratação de serviços de promoção de eventos, desde que tais serviços “sejam dotados de certa simplicidade e sem nenhuma exigência técnica relevante”. Além disso, entendeu que para o caso em tela “a remuneração da contratação não se resume à taxa de administração paga à credenciada, mas também envolve o custo dos itens/serviços necessários ao evento”, sendo, portanto, “indispensável que o custo dos itens/serviços esteja estabelecido no edital”.
Assim, na visão da SELOG, o credenciamento estava sendo usado de forma equivocada ao não definir, em edital, o preço uniforme dos diversos itens e serviços que podem vir a integrar os eventos. Apesar do uso equivocado do procedimento, não foram verificadas condutas antieconômicas, já que ainda assim o credenciamento e sua metodologia atenderam às necessidades da Entidade ao facilitar a sua atuação e finalidade institucional.
No que concerne ao mérito, levando em conta a ideia de que o uso do credenciamento é válido se o “preço uniforme dos diversos itens e serviços que se avalia que poderão integrar os eventos” for definido no edital, pois essa definição de preços é um requisito inerente ao credenciamento”, a SELOG recomendou: (a) o encerramento do Credenciamento 4/2020, tendo em vista a ausência de requisito inerente ao credenciamento, que é a definição, em edital, do preço uniforme dos diversos itens e serviços que se avalia que poderão integrar os eventos; (b) revisão as normas reguladoras internas do credenciamento, em função da falta de preço fixado em edital, caso ainda entenda que tal instituto é o instrumento mais adequado; (c) pelo mesmo motivo, pode a entidade alternativamente, caso entenda que a complexidade dos diferentes eventos impossibilita o estabelecimento prévio dos preços dos itens e serviços, dar início ao devido procedimento licitatório preferencialmente o pregão eletrônico, abstendo-se de realizar contratação de serviços de promoção de eventos por credenciamento.
Na sua proposta de deliberação, o Ministro Relator do Acórdão sublinhou que é possível realizar contratações diretas mediante credenciamento, relembrando o esclarecedor Parecer da AGU 7/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU sobre o tema.[3] Também recordou da Instrução Normativa 5/2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que definiu o credenciamento e detalhou, no anexo VII-B, os procedimentos a serem adotados para sua utilização.[4] Destacou, ainda, que, mais recentemente, a Nova Lei de licitações e contratações públicas (Lei 14.133/2021), incorporou em seus dispositivos, mais precisamente nos art. 6º, inc. XLIII, art. 74, art. 78 e art. 79 entendimentos doutrinário e jurisprudencial do TCU acerca do credenciamento.[5] Nesse compasso, o voto recuperou alguns Acórdãos do próprio plenário do TCU que expressam o contexto que justifica a opção de uso do credenciamento para contratação direta:
Embora não esteja previsto nos incisos do art. 25 da Lei 8.666/1993, admite-se o credenciamento como hipótese de inexigibilidade inserida no caput do referido dispositivo legal, porquanto a inviabilidade de competição configura-se pelo fato de a Administração dispor-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam as condições por ela estabelecidas, não havendo, portanto, relação de exclusão. Para a regularidade da contratação direta, é indispensável a garantia da igualdade de condições entre todos os interessados hábeis a contratar com a Administração, pelo preço por ela definido.”[6]
O credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art. 25 da Lei 8.666/1993 (cujos incisos são meramente exemplificativos). Adota-se o credenciamento quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Nessa situação, a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados.”[7]
Também foram citadas outras decisões que identificaram situações específicas nas quais é possível e legítimo o uso do credenciamento: (i) contratação de pessoas físicas e jurídicas para a prestação de serviços de produção de coberturas e programas jornalísticos, de vídeos institucionais e empresariais, documentários, bem como, serviços de produção de áudio para programas de rádio, locução, spots e gravações externas[8]; (ii) contratação de profissionais de saúde, tanto para atuarem em unidades públicas de saúde quanto em seus próprios consultórios e clínicas[9]; (iii) contratação de passagens aéreas em linhas regulares domésticas, sem a intermediação de agência de viagem[10]; (iv) contratação de instituições financeiras visando à prestação do serviço de pagamento da remuneração de servidores públicos[11].
Assim, considerando as normas que tratam do instituto, as manifestações institucionais, a doutrina[12] e a própria jurisprudência do TCU, formulou o Ministro Relator o seu enunciado:
o credenciamento é legítimo quando a administração planeja a realização de múltiplas contratações de um mesmo tipo de objeto, em determinado período, e demonstra que a opção por dispor da maior rede possível de fornecedores para contratação direta, sob condições uniformes e pré definidas, é a única viável ou é mais vantajosa do que as alternativas sob avaliação para atendimento das finalidades almejadas, tais como licitação única ou múltiplas licitações, obrigando-se a contratar todos os interessados que satisfaçam os requisitos de habilitação, sem exclusão, e que venham a ser selecionados segundo procedimento objetivo e impessoal, a serem remunerados na forma estipulada no edital, aplicável igualmente a todas as contratações.
A definição de credenciamento apresentada, segundo o Ministro Relator, ainda se harmoniza com dois alicerces da contratação pública, os principios da isonomia e da eficiência:
“ 21. A isonomia, pela adoção de procedimento que garanta a “igualdade de condições a todos os concorrentes”, nos termos do art. 37, XXI, da Constituição: (…) 22. A eficiência, pela demonstração de que a decisão pelo credenciamento (múltiplas contratações diretas sob condições padronizadas e isonômicas) é vantajosa e foi tomada com base em adequada avaliação do contexto, consideradas as características e particularidades do objeto (suscetível de plúrimas contratações sob regime padrão), as finalidades almejadas pela administração, as condições do mercado, a viabilidade de prévia definição da justa remuneração, as análises das alternativas concorrentes e a sustentabilidade jurídica da decisão (legislação e doutrina pertinente, precedentes judiciais, administrativos e dos tribunais de contas). “
Feitas a trajetória jurídica e as considerações conceituais do instituto no ordenamento jurídico, entendeu o TCU que mesmo inexistente a previsão expressa no Regulamento, é possível o uso do credenciamento para contratação de empresas organizadoras de eventos, desde que “’os serviços sejam dotados de certa simplicidade e sem nenhuma exigência técnica relevante’ , ou, em outros termos, sejam serviços suscetíveis de múltiplas contratações em condições padronizadas (art. 79, I, in fine, da Lei 14.133/2021)”.
Com base na documentação e argumentação da Entidade, o ministro relator ressaltou que efetivamente a seleção das empresas vem sendo precedida de método objetivo e imparcial, cujo teor está estabelecido em procedimento detalhado e criterioso (instrução de trabalho IT-E-ADM-EVE-01) para definição dos preços de itens e serviços contratados para cada evento realizado.
“Ainda que se possa discutir aperfeiçoamentos e correções de aspectos duvidosos, que poderão ser promovidos em regulamentação por vir, não estão presentes razões determinantes do encerramento no novo modelo, nem tampouco elementos suficientes para concluir que há alternativas melhores, menos onerosas e mais vantajosas, para atendimento das necessidades da entidade.”
Dessa maneira, entendeu o Ministro Relator que a sistemática de credenciamento da Entidade como vem sendo implementada atende ao enunciado formulado no seu voto, “estabelecendo as condições de legitimidade de adoção do credenciamento como instrumento de realização de múltiplas contratações diretas sob condições padronizadas”.
Porém, também ficou registrado, ao fim, que a Nova Lei (Lei 14.133/21) “que deve balizar o mencionado regulamento, dispôs expressamente sobre credenciamento (…), e determina, em seu artigo 79, parágrafo único, que os procedimentos específicos sejam definidos em regulamento”. Por consequência, sugeriu o TCU que, para o futuro, o Serviço Social Autônomo “discipline as premissas gerais e os procedimentos operacionais de credenciamento para contratação direta, considerando o disposto na Lei 14.133/2021 e na regulamentação federal pertinente”.
Em resumo, é possível o uso de credenciamento para contratação de serviços de promoção e organização de eventosno âmbito do Sistema S.
O conteúdo deste artigo reflete a posição do autor e não, necessariamente, a do Grupo JML.