SISTEMA “S”. PREGÃO ELETRÔNICO: FIXAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL PARA O ENVIO DE DOCUMENTOS

Segundo os regulamentos próprios de licitações e contratos das Entidades do Sistema “S”, após concluída a etapa de lances e eventual negociação, identifica-se a proposta melhor classificada e o pregoeiro requisita ao seu autor que encaminhe os documentos necessários à comprovação de sua habilitação, assim como a proposta e planilha readequadas ao valor de seu lance final, se necessário, nos prazos, condições e especificações estabelecidas pelo instrumento convocatório[1]. Cabe ao edital, portanto, disciplinar a forma, meio e prazos de apresentação desses documentos.

Mas, não se pode esquecer que o pregão eletrônico se diferencia das demais modalidades licitatórias justamente por ser processado em meio eletrônico, o que importa dizer que os seus atos devem todos se desenvolver, a rigor, nesse mesmo meio (no próprio sistema eletrônico ou por e-mail[2]). Ademais, os prazos a serem definidos em edital para o envio dos documentos também devem ser compatíveis com essa especial sistemática, que preza pela celeridade.

Ou seja, ao determinar os prazos para o envio da documentação exigida do licitante melhor classificado no pregão eletrônico, cabe à Entidade agir com razoabilidade, mas sem prejudicar a agilidade inerente ao pregão.

Nessa linha, a lição de Marçal Justen Filho:

“A determinação do prazo, no âmbito do edital, deverá ser norteada pelo princípio da razoabilidade. Deve entender-se que o prazo será exíguo, compatível com a natureza do pregão. O procedimento do pregão é estruturado de molde a permitir que, evidenciado o não cumprimento dos requisitos de participação por parte do autor do lance vencedor, a licitação tenha seguimento, com a convocação de outros interessados. Isso significa que o autor do lance vencedor deverá dispor de prazo não superior ao tempo necessário e razoável, em face das circunstâncias.”[3]

Aliás, para o referido autor, 1 hora seria um tempo razoável e suficiente para o envio da documentação:

“(…) o ‘tempo necessário e razoável’ para exibição dos documentos corresponde a aproximadamente uma hora, a ser computada a partir do instante em que a fase de lances for encerrada. Mas essa alternativa deverá ser consagrada no próprio ato convocatório, inclusive para permitir a todos os interessados perfeita ciência das limitações temporais a que estarão sujeitos em caso de vitória na etapa competitiva.”[4]

O Tribunal de Contas da União, no entanto, já entendeu que o prazo de 1 hora seria muito exíguo (especialmente tendo em vista a quantidade de documentos a serem enviados/transmitidos):

“Pregão eletrônico para fornecimento de equipamentos: 1 – Chamamento simultâneo de licitantes para apresentação dos documentos de habilitação
No pregão eletrônico, o chamamento simultâneo de licitantes para apresentação da documentação de habilitação não tem amparo na lei de regência da modalidade (Lei n.o  10.520/2002), que prescreve o chamamento sequenciado de cada participante, de acordo com a ordem de classificação advinda da fase de lances. Além disso, quando necessário o envio da documentação de habilitação via fax, o pregoeiro deverá fixar prazo razoável ao licitante, zelando para que a linha disponibilizada esteja devidamente desocupada durante todo o prazo concedido. Com base nesse entendimento, o relator propôs e o Plenário decidiu considerar procedente representação envolvendo o Pregão Eletrônico para Registro de Preços n.o  37/2008, promovido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), que tinha por objeto a aquisição de 400 notebooks. Entre as possíveis irregularidades apontadas pela representante, estava a ‘estipulação de tempo exíguo, no caso 60 (sessenta) minutos, prorrogados por mais 30 (trinta) minutos, para envio da proposta e da documentação exigida no edital, apesar de ser grande o volume de documentos a serem encaminhados por meio da única linha de fax disponibilizada, e tendo em vista que tal medida foi requerida às licitantes que apresentaram as 10 (dez) melhores propostas de preços, e não apenas à melhor classificada’. Para o relator, ‘Não se pode admitir que, de dez empresas chamadas a apresentarem sua documentação, nada menos que sete não tenham conseguido fazê-lo, entre elas as mais bem classificadas na fase de lances. Acresce que as três que conseguiram enviar os documentos requisitados, todas foram desclassificadas, duas pelo […] prazo de garantia em desacordo com a segunda versão do edital, e uma por envio fora do prazo total […] fixado pelo pregoeiro’. A simples pressa administrativa ‘não é capaz sequer de explicar a adoção desse procedimento A menos que se possa licitamente presumir que a imensa maioria dos licitantes de ordinário desatendem as condições de habilitação, o que não é verdade’. A seu ver, não há outra leitura possível do que prescreve o inciso XVI do art. 4º da Lei n.o  10.520/2002, segundo o qual ‘se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor’. Outra irregularidade imputada ao pregoeiro foi a habilitação da empresa classificada em 11º lugar na fase de lances, que encaminhou a documentação – requisitada apenas das dez primeiras colocadas – por sua conta e risco. Mesmo assim, logrou ter sua documentação aprovada e terminou por ser declarada vencedora do certame, apesar de seu lance ser quase 50% superior ao da empresa mais bem classificada. Diante de tais irregularidades, e considerando que os equipamentos já foram entregues à Unirio, o relator propôs e o Plenário decidiu aplicar multa ao pregoeiro e converter os autos em tomada de contas especial. Acórdão n.º 558/2010-Plenário, TC-008.404/2009-1, rel. Min. Augusto Nardes, 24.03.2010.”[5] (grifou-se)
“[RELATÓRIO] 15. De fato, o prazo de 1 (uma) hora era insuficiente. Essa insuficiência pode ser comprovada a partir do seguinte raciocínio: o edital possuía 33 itens. Logo, no mínimo, seriam 33 lances e 33 documentos de habilitação. Estes, com uma média de 10 folhas cada (os documentos de habilitação da empresa Kether Copypel Material de Escritório e Informática Ltda. atingiram 14 folhas – fls. 326/339 -, enquanto os da empresa Multilaser Industrial Ltda. atingiram 19 folhas – fls. 340/358 -, de modo que 10 folhas por documento de habilitação é uma estimativa bem modesta), totalizaria 330 folhas. Ademais, os itens 8, 9 e 10 tiveram 19, 22 e 16 propostas recusadas por falta de apresentação de laudo técnico, o que soma 57 propostas. Somando-se a estas as 3 propostas aceitas, chega-se ao total de 60 propostas (apenas para os itens 8, 9 e 10 do edital), o que implica a remessa de 60 laudos. Porém, acompanhados dos laudos, o edital também exigia Termo de Garantia dos cartuchos de impressoras. Assim, considerando apenas os itens 8, 9 e 10 do edital, já se obtém o quantitativo de 120 documentos, que dariam 120 folhas, no caso de uma única folha por documento. Somando-se estas com as 330 dos documentos de habilitação das empresas chega-se ao total de 450 folhas a serem recebidas pelo fax da Eceme. Contudo, não há fax com essa capacidade de recepção, o que comprova a insuficiência do prazo definido no edital. Além de o prazo ser insuficiente, hipoteticamente, também poderiam ocorrer problemas na recepção, tais como travamento do aparelho, queda de energia, falta de papel, etc.
[ACÓRDÃO] 9.2.2.2. evite solicitar de forma generalizada a todos os licitantes o envio de documentação por meio diverso do sistema eletrônico, buscando restringir esse tipo de medida às empresas detentoras das propostas vencedoras do certame;
9.2.2.3. caso seja necessário exigir a remessa por meio diverso do sistema eletrônico de documentos referentes à proposta ou à habilitação das licitantes, procure estabelecer prazo razoável e meio adequado para que os concorrentes possam cumprir a exigência editalícia, de forma a evitar a injusta desclassificação de licitantes”.[6]

Em âmbito federal, o atual Decreto nº 10.024/2019 prevê expressamente que o prazo para o envio da documentação complementar à proposta e à habilitação, quando necessáriaà confirmação daqueles exigidos no edital e já apresentados[7], deve ser de pelo menos 2 horas[8], contado da solicitação do pregoeiro no sistema[9], o que, a nosso ver, é razoável e condizente com a sistemática célere do pregão eletrônico.

Esse, porém, é um prazo mínimo, podendo, então, ser estipulado tempo maior no edital. Tudo depende da análise (razoável e proporcional) a ser realizada pela Entidade em cada caso, quando do planejamento do certame, tendo em vista a quantidade de documentos a serem remetidos pelos licitantes.

Da mesma forma se entende quanto à possibilidade de prorrogação do prazo, que, a critério da Entidade, pode ser prevista no instrumento convocatório, de modo que todos os licitantes tenham ciência e oportunidade de usufruir do mesmo direito (em respeito ao princípio da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório[10]), cabendo ao ente licitante, igualmente, estipular prazo de prorrogação razoável e proporcionalà quantidade de documentos a serem enviados, podendo ser,por exemplo, por igual período ao do prazo original(2 horas prorrogáveis por mais duas horas).Entende-se, todavia, que a concessão de tempo adicional depende da apresentação de justificativa hábil pelo licitante, evidenciando o justo motivo pelo qual não enviou a documentação no tempo regulamentar, podendo a Entidade negar (motivadamente) o pleito de prorrogação, caso entenda que a justificativa apresentada não é suficiente para tanto.


[1] Nesse sentido, por exemplo, o disposto no art. 21, XIII, do Regulamento do SEBRAE: “Art. 21. O julgamento do pregão eletrônico observará o seguinte procedimento: (…)XIII. Ordenados os lances em forma crescente de preço, o pregoeiro determinará ao autor do lance classificado em primeiro lugar, que encaminhe os documentos necessários à comprovação de sua habilitação, nos termos do art. 12 e nos prazos, condições e especificações estabelecidas pelo instrumento convocatório”.
[2] Nada impede, todavia, que sejam admitidos outros meios, como o envio dos documentos até mesmo por fax, conforme explica Julieta Mendes Lopes Vareschini: “a documentação deverá ser encaminhada na forma e no prazo estabelecidos no edital, podendo-se utilizar a tecnologia fac-símile, com o posterior envio dos originais.” VARESCHINI, Julieta Mendes Lopes. Licitações e Contratos no Sistema “S”. 7. ed. Curitiba: Editora JML, 2017, p. 368.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão (comentários à legislação do pregão comum e eletrônico). 6. ed. São Paulo: Dialética, 2013, p. 388.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão…, p. 389.
[5] TCU. Informativo de Licitações e Contratos nº 09/2010.
[6] TCU. Acórdão 3905/2008. Segunda Câmara.
[7] “26 (…) § 9º  Os documentos complementares à proposta e à habilitação, quando necessários à confirmação daqueles exigidos no edital e já apresentados, serão encaminhados pelo licitante melhor classificado após o encerramento do envio de lances, observado o prazo de que trata o § 2º do art. 38.”
[8] Tal qual já previa a Instrução Normativa nº 3/2011 (recentemente revogada pela IN 210/2019) do Ministério do Planejamento: “Art. 3º-A  O instrumento convocatório deverá estabelecer o prazo mínimo de 2 (duas) horas, a partir da solicitação do pregoeiro no sistema eletrônico, para envio de documentos de habilitação complementares, por fax ou outros meios de transmissão eletrônica, conforme prevê o § 2º do art. 25 do Decreto 5.450, de 31 de maio de 2005.”
[9]“Art. 38. (…) § 2º  O instrumento convocatório deverá estabelecer prazo de, no mínimo, duas horas, contado da solicitação do pregoeiro no sistema, para envio da proposta e, se necessário, dos documentos complementares, adequada ao último lance ofertado após a negociação de que trata o caput.”
[10]“[RELATÓRIO] 4.3 Ademais, o item 1.2.3.1 do edital prevê que ‘O tempo disposto acima [item 1.2.3] poderá ser prorrogado a critério do Pregoeiro’. Por conseguinte, a dilação do prazo não se deu de forma irregular, uma vez que encontra amparo no instrumento convocatório.” TCU. Acórdão 2769/2011. Segunda Câmara.

Ana Carolina Coura Vicente Machado

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