Por Angelina Leonez[1]
Introdução
A Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021) trouxe grande enfoque à etapa de planejamento das contratações públicas, nomeada em seu texto como fase preparatória.
Esta fase foi bem detalhada no texto da NLLC e dele podem ser destacados diversos dispositivos capazes de robustecer o planejamento e, por consequência, trazer maior alcance do objetivo pretendido com a contratação.
A NLLC, em seu artigo 1º no §1º, deixa bem explícito que seus dispositivos não abrangem as empresas públicas e sociedades de economia mista, no entanto, isso não quer dizer que há vedação em replicar o que está disposto em seu texto às estatais, desde que respeitado o regramento da Lei nº 13.303/2016.
Considerando o poder regulamentar e as particularidades do regime jurídico das estatais, o presente texto busca analisar se quanto à etapa de planejamento é possível reproduzir os dispositivos previstos na NLLC nestas entidades.
- Breves apontamentos sobre o poder regulamentar das estatais
As estatais integram a administração indireta e podem ser identificadas por dois principais tipos: as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A Lei das Estatais, 13.303/2016, traz a seguinte definição a respeito:
Art. 3º Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
Parágrafo único. Desde que a maioria do capital votante permaneça em propriedade da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, será admitida, no capital da empresa pública, a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 4º Sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.
§ 1º A pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista tem os deveres e as responsabilidades do acionista controlador, estabelecidos na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e deverá exercer o poder de controle no interesse da companhia, respeitado o interesse público que justificou sua criação. (BRASIL, 2016)
As estatais, portanto, são entidades criadas por lei e possuem personalidade jurídica de direito privado, podendo ter como finalidade a prestação de serviço público ou a exploração de atividade econômica.
O texto constitucional (artigo 22, Inciso XXVII) delega à União a competência de legislar sobre as normas gerais de licitação e contratação para a administração pública direta, autárquica e fundacional no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
No entanto, a Emenda Constitucional nº 19/1998 trouxe uma alteração ao trecho, adicionando que compete à União legislar também sobre as normas gerais de licitação e contratação para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do artigo 173, § 1º, III da CF, vejamos:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…)
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (BRASIL, 1.998)
Neste sentido, o artigo 173 da CF define que a lei estabelecerá o estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviço, dispondo sobre a licitação e contratação de obras, serviços, bens e alienações:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias .
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (BRASIL, 1998)
Sobre o texto constitucional que prevê o estatuto jurídico para as estatais, Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres comentam que:
Assim, segundo o dispositivo constitucional, admite-se que a lei estabeleça estatuto jurídico para as estatais que explorem atividade econômica, dispondo, entre outras coisas, sobre a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Na verdade, o constituinte, ao tempo que proibiu privilégios fiscais às empresas estatais; reconheceu, notadamente em relação àquelas que exploram atividade econômica, a necessidade de flexibilização de parte das amarras inerentes ao regime jurídico administrativo, para que elas possam se ajustar ao ambiente competitivo próprio das empresas privadas, obviamente, sem se distanciar dos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.[2]
Em consonância com o dispositivo da constituição, as estatais ganharam estatuto jurídico próprio, quando foi promulgada a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, também conhecida como a Lei das Estatais. A Lei nº 13.303/2016 abrange:
( …) toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos. (BRASIL, 2016, Art. 1º)
Destaca-se aqui que o artigo 1º da Lei nº 13.303/2016 determina que o diploma é aplicável a todas as estatais, inclusive aquelas prestadoras de serviços públicos.
Neste aspecto, Alexandre Santos Sampaio subdivide as estatais em 03 tipos de acordo com sua atuação:
(….) existem três tipos de empresas estatais: empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público strictu sensu, como uma Companhia estatal de águas e esgoto; empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na atividade econômica em regime de monopólio e, inclusive, possuem benefícios da fazenda pública, tais como o regime de precatórios e imunidade tributária. Tem-se neste seguimento, por exemplo, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ECT; e, por fim, empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam num mercado competitivo diretamente com empresas privadas. Neste seguimento, pode-se citar a Caixa Econômica Federal – CEF e o Banco do Brasil – BB.[3]
Dito isso, percebe-se, já nestas definições, algumas distinções das estatais em comparação à administração direta, especialmente quanto a sua autonomia. Tanto é que, como já dito, estas empresas ganharam um regramento jurídico próprio.
Um aspecto importante sobre a autonomia e liberdade das estatais é com relação ao seu poder regulamentar, o artigo 40 da Lei das Estatais trata a respeito:
Art. 40. As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto nesta Lei, especialmente quanto a: (Vide Lei nº 14.002, de 2020)
I – glossário de expressões técnicas;
II – cadastro de fornecedores;
III – minutas-padrão de editais e contratos;
IV – procedimentos de licitação e contratação direta;
V – tramitação de recursos;
VI – formalização de contratos;
VII – gestão e fiscalização de contratos;
VIII – aplicação de penalidades;
IX – recebimento do objeto do contrato. (BRASIL, 2016)
Nota-se que, cabe à estatal elaborar regulamento próprio sobre licitações e contratos, desde que seja compatível com a Lei das Estatais.
O professor Murilo Jacoby Fernandes analisa o artigo 40 da Lei nº 13.303/2016 da seguinte maneira:
Não obstante, o uso da expressão “especialmente” no caput, o referido artigo deixa claro que a relação apresentada no parágrafo anterior não é exaustiva. Desde que não haja incompatibilidade com o disposto na lei, as estatais podem e devem inovar em suas licitações e contratos com vistas a melhor cumprirem sua missão institucional.[4]
Além do artigo 40, a Lei nº 13.303/2016 traz outros dispositivos que demonstram a necessidade de uma norma regulamentadora a ser estabelecida por cada estatal, como o artigo 8º (eventuais obrigações e responsabilidades que a estatal assuma em condição distinta dos pares privados), o artigo 12 (adequação contínua do Código de Conduta Integridade e práticas de governança corporativa), artigos 63 e 86 (detalhamento dos procedimentos auxiliares de licitação).
Os autores Arthur Lima e Renila Bragagnoli redigiram a respeito da permissão para que cada estatal elabore seu regulamento interno sobre licitações:
A Lei nº 13.303/16, além de dispor de um novo regime licitatório e contratual para as empresas estatais, foi bastante discricionária (e compulsória), permitindo que cada empresa estatal crie e molde seu próprio regulamento de licitações (art. 40), levando em consideração suas peculiaridades e especificidades de mercado, de maneira que cada normativo interno possa responder satisfatória e igualitariamente às empresas que prestam serviços públicos e às que desenvolvem atividade econômica.[5]
Com a recente publicação da Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC (que embora não abranja as estatais), todo o regramento e procedimentos relacionados às licitações e contratos estão no centro de discussão, o que pode ser uma ótima oportunidade para as estatais absorverem o que há de novo, e bom, trazendo para seus regulamentos, já que elas têm esta faculdade de regulamentar.
- Ferramentas de planejamento na NLLC que podem servir de exemplo as estatais
Como dito anteriormente, a Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC (Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021) deu grande ênfase à fase preparatória das licitações, consagrando esta etapa como um dos pilares do processo.
Uma observação importante, não obstante, o planejamento ter como base legal a própria Constituição Federal e o Decreto- Lei nº 200/196, ele foi destacado como um dos princípios a serem observado na aplicação da Lei nº 14.133/2021:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). (BRASIL,2021)
Por outro lado, a Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), não é vocacionada para orientar tão minuciosamente a fase de planejamento das contratações.
É preciso reforçar aqui que, já no artigo 1º, §1º, da NLLC está claro que as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303/2016, não estão abrangidas pela Lei nº 14.133/2021, ressalvado o disposto no art. 178 (que trata dos crimes em licitações e contratos administrativos).
No entanto, o respeitado autor Marçal Justen Filho trata em seu texto sobre a aplicabilidade da NLLC às estatais:
De modo geral, a ausência de aplicação da Lei 14.133 às sociedades estatais decorre do pressuposto de que as suas regras são dotadas de rigidez incompatível com a atividade empresarial. O regime jurídico das sociedades estatais é menos severo e formalístico do que o adotado para as entidades administrativas com personalidade de direito público. As regras sobre procedimento licitatório e regime contratual, quando vinculadas à natureza pública da entidade administrativa, não incidem sobre as sociedades estatais.
Mas há normas da Lei 14.133 que não refletem o regime de direito público e que, por decorrência, são aplicáveis às sociedades estatais.[6]
Para Marçal, apenas algumas regras da Lei nº 14.133/2021 poderiam ser aplicáveis as estatais. Ainda neste aspecto, recentemente o Acórdão 362/2022 – Plenário reconheceu que embora a Lei nº 14.133/2021 não se aplique à estatal: “em princípio, não haveria óbices que a entidade o aplicasse de forma analógica com o intuito de melhor atender o interesse público”. O caso em tela fazia referência ao artigo 40, § 4º, da Lei 14.133/2021.
Considerando o exposto até aqui e o poder regulamentar das estatais, segue uma breve análise de alguns pontos da Lei nº 14.133/2021 que poderiam ser absorvidos pelos regulamentos internos de licitação e contratos das empresas públicas e sociedades de economia mista, especialmente na fase preparatória das licitações, que é o enfoque deste texto.
2.1 Plano de Contratações Anual (artigo 12)
O Plano de Contratações Anual está previsto no artigo 12, inciso VII, da NLLC, e dentre seus objetivos está: racionalizar as contratações, subsidiar a elaboração do orçamento e garantir o alinhamento com o planejamento estratégico.
Destaca-se o texto legal:
Art. 12. No processo licitatório, observar-se-á o seguinte:
(…)
VII – a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.
§ 1º O plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput deste artigo deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos. (BRASIL, 2021)
Podemos extrair do texto alguns pontos indispensáveis quando tratamos de planejar uma contratação: o Documento de Formalização da Demanda – DFD, o Plano de Contratação Anual, o planejamento estratégico e as leis orçamentárias. Todos estes instrumentos podem e devem ser observados também pelas estatais.
Neste aspecto, as estatais seriam beneficiadas em adotar tal dispositivo legal, uma vez que promovem alinhamento com o planejamento orçamentário, dão um norte às contratações e através da publicidade facilitam controle social e, ainda, permite ao mercado fornecedor que se prepare para as contratações vindouras.
2.2 O dever de planejar (artigo 18)
O artigo 18 da NLLC pode ser considerado um manual da fase preparatória das licitações, tão grande é seu detalhamento. Vejamos:
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;
II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso;
III – a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento;
IV – o orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação;
V – a elaboração do edital de licitação;
VI – a elaboração de minuta de contrato, quando necessária, que constará obrigatoriamente como anexo do edital de licitação;
VII – o regime de fornecimento de bens, de prestação de serviços ou de execução de obras e serviços de engenharia, observados os potenciais de economia de escala;
VIII – a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros, para os fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, considerado todo o ciclo de vida do objeto;
IX – a motivação circunstanciada das condições do edital, tais como justificativa de exigências de qualificação técnica, mediante indicação das parcelas de maior relevância técnica ou valor significativo do objeto, e de qualificação econômico-financeira, justificativa dos critérios de pontuação e julgamento das propostas técnicas, nas licitações com julgamento por melhor técnica ou técnica e preço, e justificativa das regras pertinentes à participação de empresas em consórcio;
X – a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual;
XI – a motivação sobre o momento da divulgação do orçamento da licitação, observado o art. 24 desta Lei.
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
I – descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
II – demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;
III – requisitos da contratação;
IV – estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;
V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;
VI – estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
VII – descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;
VIII – justificativas para o parcelamento ou não da contratação;
IX – demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;
XI – contratações correlatas e/ou interdependentes;
XII – descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
XIII – posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina. (BRASIL,2021)
Neste ponto, é possível notar que outra etapa que ganhou bastante destaque na NLLC é a do Estudo Técnico Preliminar-ETP.
Este documento não é exatamente uma novidade, inclusive, o ETP já constava da Instrução Normativa nº 05/2017, e o ETP Digital foi normatizado em 2020 (Instrução Normativa nº 40, de 22 de maio de 2020), e já é utilizado pelas entidades da administração direta e indireta que fazem uso do Portal de Compras do Governo Federal.
Vale destacar que o dispositivo, na esfera federal, foi atualizado recentemente pela Instrução Normativa SEGES/ME nº 58/2022, já nos moldes da NLLC.
O que se pode considerar uma inovação é a importância dada a esta etapa preliminar de estudo da contratação, detalhada no §1º do artigo 18 da NLLC.
É notório que o ETP, ao ser trazido e detalhado no texto legal, ganha protagonismo na nova lei e deixa de ser uma mera etapa formal para cumprir o seu real papel, que é de evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação.
Algumas estatais já se utilizam deste instrumento, mas vale uma análise do detalhamento previsto na NLLC para o ETP.
2.3 Participação de interessados na etapa preparatória (artigo 21)
O artigo 21 da NLLC prevê a audiência pública, com possibilidade de manifestação de todos os interessados, na etapa preparatória, da seguinte forma:
Art. 21.A Administração poderá convocar, com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, audiência pública, presencial ou a distância, na forma eletrônica, sobre licitação que pretenda realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar e elementos do edital de licitação, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados.
Parágrafo único. A Administração também poderá submeter a licitação a prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões no prazo fixado. (BRASIL, 2021)
Este dispositivo é interessante, pois permite ao mercado fornecedor e ao controle social participar da preparação do processo licitatório. As estatais, que ainda não o fazem, podem se valer de tal procedimento. Atores externos podem trazer contribuições valiosas à administração, desde que esse diálogo seja público e transparente.
2.4 Matriz de riscos (artigo 22)
O artigo 22 na NLLC trata da contemplação em edital da matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado.
Além disso, prevê que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar a taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida.
A matriz poderá estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem como os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual.
A matriz de riscos encontra-se prevista também na Lei nº 13.303/2016, cabe a estatal verificar quais pontos podem ser compatíveis entre as duas leis.
2.5 Pesquisa de preços (artigo 23)
O artigo 23 da NLLC traz extenso detalhamento sobre o levantamento do valor estimado, com metodologia de pesquisa de preços, parâmetros, fontes de obtenção de preços e possibilidades de pesquisa com base em notas fiscais, por exemplo. Embora muitos destes métodos já estejam explícitos na Instrução Normativa nº 73, de 05 de agosto de 2020, assim como foi feito para o ETP, o legislador trouxe para o texto da lei os procedimentos de pesquisa de preços.
Este artigo pode ser um bom norteador para as estatais revisarem suas normativas internas que tratam sobre pesquisa de preços, uma vez que a NLLC é um texto atual e exaustivamente debatido.
2.6. O planejamento de compras (artigo 40)
O artigo 40 da NLLC traz tópicos importantes a serem observados no planejamento das compras, vejamos:
Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:
I – condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;
II – processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente;
III – determinação de unidades e quantidades a serem adquiridas em função de consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas, admitido o fornecimento contínuo;
IV – condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material;
V – atendimento aos princípios:
a) da padronização, considerada a compatibilidade de especificações estéticas, técnicas ou de desempenho;
b) do parcelamento, quando for tecnicamente viável e economicamente vantajoso;
c) da responsabilidade fiscal, mediante a comparação da despesa estimada com a prevista no orçamento. (BRASIL, 2021)
Para além da expectativa anual de consumo a ser considerada no planejamento de compras, o texto faz menção a três importantes princípios a serem observados e que se aplicam também as estatais: da padronização, do parcelamento e da responsabilidade fiscal.
Conclusão
Sabe-se que uma fatia expressiva das contratações públicas no Brasil é realizada pela administração indireta, composta, dentre outras entidades, pelas estatais, que, por sua vez, podem ser divididas em dois tipos principais: as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
Atualmente, somente na esfera federal, existem 133 empresas estatais ativas, de acordo com o Panorama das Estatais disponibilizado pelo Ministério da Economia, as quais possuem estatuto jurídico próprio, a Lei das Estatais (Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016).
Considerando isso, nota-se que a Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC é um instrumento interessante de nivelamento de conhecimento para os diversos atores que participam das contratações públicas em todas as suas etapas.
No que se refere à etapa preparatória, é possível identificar um rico e vasto procedimental sobre o tema. Portanto, as estatais, mesmo que tenham seu regramento jurídico próprio, podem aproveitar a NLLC, que foi elaborada há pouco e encontra-se atual, pinçando apenas aqueles institutos que vierem agregar eficiência às suas contratações, valendo-se do seu poder regulamentar.
[1] Especialista em Gestão Pública e Gestão Estratégica de Pessoas. Pós-graduanda em Licitações e Contratos e Graduada em Administração pela UFRN. Servidora de órgão Federal, atuando como Pregoeira, Presidente da Comissão Permanente de Licitações, e Coordenadora de Licitações, Compras e Contratos. Autora de artigos e e-books sobre o tema Planejamento das Contratações, dentre outros materiais, palestrante e facilitadora na área de contratações públicas. Colunista do Portal Sollicita da coluna “Discutindo sobre Planejamento” e do Observatório da Nova Lei de Licitações da Editora Forum, Conteudista da Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, e membra do Instituto Nacional da Contratação Pública – INCP.
[2] BARCELOS, Dawison; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Licitações e contratos nas empresas estatais: Regime licitatório e contratual da Lei 13.303/2016. Salvador: Editora JusPodivm, 2018, p. 29.
[3] SAMPAIO, Alexandre Santos. A Não Incidência da Licitação nas Empresas Estatais: O embate entre a liberdade empresarial e a licitação pública. 2ª ed., ver. E atual. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 02.
[4] FERNANDES, Murilo Jacoby (org.). Empresas estatais: Lei nº 13.303/2016 doutrina e jurisprudência para empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias e sociedades de propósito específico. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 31.
[5] LIMA, Arthur. BRAGAGNOLI, Renila. A aplicação analógica da Nova Lei de Licitações e Contratos para as licitações regidas pela Lei das Estatais. 2022. Disponível em < https://www.olicitante.com.br/aplicacao-analogica-nova-lei-licitacoes-lei-estatais/ >. Acesso em 02 de julho de 2022.
[6] JUSTEN FILHO, Marçal. Nova Lei de Licitações aplica-se às estatais (ao menos, em parte). Disponível em < https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/nova-lei-de-licitacoes-aplica-se-as-estatais-ao-menos-em-parte-28122021#:~:text=Publicistas-,Nova%20Lei%20de%20Licita%C3%A7%C3%B5es%20aplica%2Dse%20%C3%A0s,(ao%20menos%2C%20em%20parte)&text=A%20Lei%2014.133%2F2021%20estabelece,estatais%20disciplinadas%20pela%20Lei%2013.303.> Acesso em 03 de julho de 2022.