A Lei Complementar nº 123/2006, que instituiu o Estatuto das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, estabelece uma série de normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado a tais categorias empresariais no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
De longa data há divergência acerca da aplicabilidade desse diploma legal às licitações promovidas pelos Serviços Sociais Autônomos. Edgar Guimarães e Jair Eduardo Santana defendem que tal tratamento diferenciado não é obrigatório para o Sistema “S”, nos seguintes termos:
“A LC n° 123/06 consigna de forma clara a sua abrangência ao fixar as normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às MEs/EPPs no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Não estão incluídos nesse rol os entes que compõem o Sistema “S”, pois, como dito anteriormente, mencionadas entidades não integram a estrutura organizacional da Administração Pública brasileira. Inexiste, portanto, qualquer comando normativo expresso que, de forma compulsória, obrigue o Sistema “S” a respeitar, por ocasião das suas licitações instauradas com recursos próprios, o regime jurídico favorecido a que se referem os artigos 42 a 45 e 47 a 49 da LC n° 123/06.”[1]
A extinta Controladoria Geral da União, por seu turno:
“41. As disposições da Lei nº 123/2006 (Lei das Microempresas) é aplicável nas contratações de bens e serviços das entidades do Sistema “S”?
Sim. Até a adaptação dos regulamentos das entidades do Sistema “S”, cabe adotar as regras previstas no capítulo V da Lei Complementar nº 123/2006, visando a satisfação do interesse público e o alcance dos objetivos específicos reservados a micro e pequenas empresas.” [2]
Compulsando-se a jurisprudência majoritária do TCU, infere-se que em muitos julgados a Corte de Contas tem defendido a aplicabilidade das normas gerais de licitações e contratos às Entidades do Sistema “S”, sob o argumento de que, à luz do art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, cabe à União legislar privativamente sobre tais normas gerais, razão pela qual os Regulamentos próprios dessas entidades deveriam respeitar esses parâmetros. Ademais, não se pode perder de vista que a própria Constituição Federal prescreve, no art. 170, IX, como princípio da ordem econômica, o tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte.
Não se pode olvidar, porém, que a jurisprudência do TCU acerca do Regime Jurídico aplicável ao Sistema “S” tem mudado drasticamente nos últimos tempos, mormente após importantes julgados do Supremo Tribunal Federal, a exemplo do RE 789.874-DF e do MS 33.442-DF.
E o recente Acórdão, abaixo colacionado, bem espelha essa mudança de paradigma no âmbito da Corte de Contas. No caso em tela, o Ministro Relatou entendeu que as Entidades do Sistema “S” não estão obrigadas a seguirem a Lei Complementar 123/06 em suas licitações, quando seus Regulamentos próprios não disciplinarem tais benefícios. Segundo essa leitura, portanto, a adoção da norma é totalmente discricionária:
“ACÓRDÃO Nº 1784/2018 – TCU – Plenário
7. Incorporo o parecer da unidade técnica a estas razões de decidir, sem prejuízo de discordar das considerações anunciadas para a falta de submissão aos arts. 44, 47 e 48 da LC n.º 123, de 2006.
8. O tratamento diferenciado previsto pelos arts. 44, 47 e 48 da LC n.º 123, de 2006, em prol das ME e das EPP não se aplicaria necessariamente às entidades do Sistema “S”, inobstante a possibilidade de esse tratamento passar a ser inserido nos regulamentos próprios dessas entidades.
9. Desde a prolação da Decisão 907/1997-Plenário, o TCU já entendeu que as entidades do Sistema “S” não integrariam a administração federal indireta e, como destinatários de recursos públicos, poderiam editar os seus regulamentos próprios, observando, em todo caso, os princípios gerais da administração pública, a exemplo dos princípios da legalidade, da moralidade, da finalidade, da isonomia, da igualdade e da publicidade.
10.Não se mostra adequada, assim, a proposta da unidade técnica no sentido de que as aludidas entidades deveriam necessariamente respeitar os arts. 44, 47 e 48 da LC n.º 123, de 2006, até porque as suas disposições seriam dirigidas “à administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal”, não se impondo sobre as entidades do Sistema “S”.
11.Bem se sabe que, ao estabelecer o prazo limite para as entidades paraestatais adotarem as providências necessárias à adaptação dos respectivos normativos, o art. 77 da LC n.º 123, de 2006, se referia especificamente às questões tributárias e contributivas, em face do “Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidas pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte” dentro do “Simples Nacional”, não tendo o Decreto n.º 6.204, de 2007, com a subsequente modificação introduzida pelo Decreto n.º 8.538, de 2015, feito qualquer exigência ou referência em relação às entidades paraestatais, ao regulamentar os arts. 42 a 45 e 47 a 49 (aquisições públicas) da referida LC n.º 123, de 2006.
12.A despeito, no entanto, de isso não ser legalmente imposto ao Sistema “S”, as correspondentes entidades podem passar a prever o subjacente tratamento diferenciado nos seus regulamentos próprios, em homenagem ao princípio da isonomia.
13.Entendo, portanto, que o TCU deve conhecer da presente representação para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente, promovendo, contudo, a revogação da referida cautelar suspensiva, por perda da sua utilidade, sem prejuízo de promover o envio de determinações corretivas, em vez do mero envio de ciência das falhas suscitado pela unidade técnica”.
Então, qual é a sua opinião a respeito do tema?