Conforme já destacamos em post anterior aqui no Blog JML, a Lei 13.303/2016, ao estabelecer o estatuto jurídico das empresas públicas, das sociedades de economia mista e de suas subsidiáriasno âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, regulamentou o art. 173, § 1º, da Constituição Federal de 1988, prescrevendo um regime de licitações e contratos próprio e específico para as chamadas “estatais”, o que “exclui o regime tradicional de licitações, direcionado para a Administração Pública em geral, baseado na Lei n. 8.666/1993, na Lei n. 10.520/2002 (modalidade pregão) e na Lei n. 12.462/2012 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC)”.[1]
Esse novo marco legal apresenta algumas diretrizes a serem seguidas pelas estatais em seus processos licitatórios, sendo que dentre elas está a “adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº. 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (art. 32, IV).
Essa previsão – que num primeiro momento chega a causar estranheza, pois, como dito, a Lei das Estatais estabelece um novo regime de contratação para as entidades a ela submetidas, com mecanismos e procedimentos próprios, afastando a aplicação das demais normas gerais de licitação –comporta diversas correntes de interpretação.
A interpretação literal do art. 32, inciso IV, da Lei nº 13.303/16, em nosso entender, pode esvaziar o próprio conteúdo e a finalidade da Lei das Estatais. Isso porque, não há sentido lógico em uma norma criar um procedimento diferenciado e, ao mesmo tempo, prescrever a preferência por certa modalidade prevista em outro dispositivo legal se referida modalidade tivesse que seguir na íntegra a norma anterior. Portanto, entender que o pregão realizado pelas empresas estatais deve seguir a íntegra da Lei nº 10.520/02 acaba por esvaziar o conteúdo da Lei nº 13.303/16.
Para nós, como as normas estabelecem procedimentos bem distintos,deve ser realizada uma interpretação lógico-sistemática do dispositivo, no sentido de que as estatais devem conformar os ditames da Lei nº. 10.520/02 e da Lei das Estatais, definindo em seus próprios Regulamentos o procedimento a ser adotado na hipótese de pregão. Em outras palavras, cabe aos Regulamentos de cada entidade estabelecer de forma clara quais dispositivos da Lei 10.520/02 seriam aplicáveis no âmbito dos pregões realizados pelas estatais, lembrando, todavia, que em nossa visão, apenas os aspectos procedimentais previstos na Lei do Pregão é que podem ser adotados pelas estatais.
Isso significa, por exemplo, que em matéria de sanções administrativas (tema que deve ser interpretado de modo restritivo e com atenção a diversos princípios constitucionais, dentre eles o da legalidade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa) as empresas estatais devem seguir o que prescreve a Lei 13.303 e não a Lei 10.520. Inclusive, observa-se que a Lei 13.303 estipulou um regime sancionatório um pouco mais brando do que as demais leis de licitação (Lei 8.666 e Lei 10.520), sendo que no regime da Lei das Estatais a penalidade mais grave é a da suspensão do direito de licitar por prazo não superior a dois anos (art. 83, III).
Assim, em função do princípio da legalidade e em respeito ao regime jurídico traçado em lei especificamente para as empresas estatais, mesmo quando se adotam os procedimentos para a modalidade pregão, entende-se que as sociedades de economia mista e empresas públicas não devem aplicar literalmente e na integralidade os termos da Lei 10.520. Ao revés, devem compatibilizar os procedimentos para a modalidade pregão através de disciplina em seus próprios regulamentos, os quais não podem extrapolar os limites traçados na Lei 13.303. Por essa razão inviável, em nosso ver, a aplicação da sanção prevista no art. 7º, da Lei 10.520, que não guarda compatibilidade com o novo regime jurídico aplicável às estatais.