Publicado no Diário Oficial de 23.09.2019 o Decreto nº 10.024/2019 regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal, revogando o Decreto nº 5.450/05 e o Decreto nº 5.504/05, tendo vigência a partir de 28 de outubro de 2019.
Apesar de ser um normativo que já era esperado há um bom tempo no âmbito de quem atua com licitações e contratos, não obstante o avanço em temas como orçamento sigiloso e modos de disputa, bem semelhantes ao regime instituído pela Lei nº 13.303/16, o art. 1º do Decreto em referência, de certa maneira, uma insegurança para sua utilização por parte das empresas estatais. Vejamos:
Art. 1º Este Decreto regulamenta a licitação, na modalidade de pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal.
§ 1º A utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, pelos órgãos da administração pública federal direta, pelas autarquias, pelas fundações e pelos fundos especiais é obrigatória.
§ 2º As empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, nos termos do regulamento interno de que trata o art. 40 da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, poderão adotar, no que couber, as disposições deste Decreto, inclusive o disposto no Capítulo XVII, observados os limites de que trata o art. 29 da referida Lei.
§ 3º Para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns pelos entes federativos, com a utilização de recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, tais como convênios e contratos de repasse, a utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, ou da dispensa eletrônica será obrigatória, exceto nos casos em que a lei ou a regulamentação específica que dispuser sobre a modalidade de transferência discipline de forma diversa as contratações com os recursos do repasse.
Assim, de uma rápida análise do §2º acima transcrito, percebe-se que o Decreto facultou às estatais a utilização do pregão eletrônico, assunto que ficará a cargo do regulamento interno de licitações e contratos de cada entidade, fazendo ainda o destaque de que aplicação será apenas no que couber.
O §3º, ao impor à obrigatoriedade de utilização do pregão eletrônico quando se tratar de aquisição de bens e a contratação de serviços comuns com a utilização de recursos da União, também traz a exceção de sua não aplicação quando houver lei ou regulamentação específica, o que confirma o postulado do §2º, sobre a faculdade das estatais utilizarem-se do pregão eletrônico, dado que a Lei nº 13.303/16 é legislação específica e aplicada para as empresas públicas e sociedades de economia mista, podendo, de acordo com o que dispõe, ser usada para os mesmos objetivos do Decreto nº 10.024/19, com rito semelhante, inclusive.
Diante da inovação, há que se questionar os limites da discricionariedade da aplicação do Decreto nº 10.024/19 às empresas estatais, sob a perspectiva de, em se admitindo o uso, haver derrogação do uso das disposições da Lei das Estatais, no que for conflitante com o novo Decreto.
A reflexão é imperiosa pois, por exemplo, o art. 40 do Decreto nº 10.024/19 prevê:
Art. 40. Para habilitação dos licitantes, será exigida, exclusivamente, a documentação relativa:
[…]
IV – à regularidade fiscal e trabalhista;
V – à regularidade fiscal perante as Fazendas Públicas estaduais, distrital e municipais, quando necessário; e
VI – ao cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição e no inciso XVIII do caput do art. 78 da Lei nº 8.666, de 1993.
E como cediço, uma das grandes inovações da Lei das Estatais foi deixar em aberto do sistema de habilitação das licitações das entidades que regula, não fazendo quaisquer menções à regularidade fiscal, trabalhista e apresentação da certidão de que não emprega menor, nos termos da Constituição Federal. É matéria, portanto, peculiar a cada estatal regulamentadora.
Desta maneira, caso uma empresa estatal entenda, via seu regulamento, pela aplicação do Decreto nº 10.024/19, haverá uma espécie de “repristinação” ao sistema de habilitação da Lei nº 8.666/93, que sequer tem aplicação subsidiária à Lei nº 13.303/16? Estariam as empresas estatais autorizadas a praticar uma teoria do conglobamento, pinçando o Decreto nº 10.024/19 o que entendesse conveniente e mesclando com o regime da Lei das Estatais?
Entendo a afirmativa como verdadeira, haverá tantos “pregões eletrônicos” quantas forem as estatais que optarem pela utilização do Decreto em análise, dada a possibilidade de moldar o uso a partir do regulamento interno. E isso, sem sombra de dúvidas, além de afastar toda a modernização e inovação que trouxe a Lei das Estatais, atrairá uma grande insegurança jurídica.
O mesmo raciocínio aplicado às certidões, podemos aplicar para o sistema sancionatório: a penalidade do art. 49 do Decreto[1] é mais gravosa do que a pena do art. 83, inciso III da Lei nº 13.303/16[2], e ambas se aplicam aos mesmos eventos, seja na licitação em si, seja na execução do contrato.
Sob a égide da Lei nº 10.520/02, era doutrinariamente aceitável aplicar as penalidades do art. 7º[3] aos eventos ocorridos durante a sessão, e à Lei das Estatais aos demais eventos pós certame e durante a execução do objeto, inclusive porque a própria Lei nº 13.303/16[4] indica pela adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520/02[5], o que, pelo Decreto nº 10.024/19, passa a ser facultativa.
A par dessas considerações, tendo em vista a insegurança jurídica relativa ao pinçamento de institutos do Decreto nº 10.024/19 para utilização pelas empresas estatais que optarem por utilizar o pregão eletrônico, inclusive sob o risco de descaracterizar os avanços que Lei nº 13.303/16 trouxe ao ordenamento jurídico, é de se reconhecer que o próprio sistema licitatório da Lei das Estatais já atende aos “novos” elementos que o Decreto em referência traz: orçamento sigiloso, meio de disputa aberto e aberto/fechado, critério de julgamento maior desconto, a contratação de serviços comuns de engenharia[6] e, para a aquisição de bens com regime de julgamento menor e maior desconto (mesmos critérios trazidos pelo Decreto), o prazo para apresentação de propostas é de 5 dias úteis[7], inferior ao do pregão eletrônico, que é de, no mínimo, 8 dias úteis[8].
Por fim, convém destacar a inovadora dispensa eletrônica trazida pelo Decreto nº 10.024/19, nos termos do art. 51[9], seria um instrumento relevante de utilização pelas empresas estatais, porém, ainda assim, a Lei nº 13.303/16 apresenta mais vantagens, em razão do valor: para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil reais) e para outros serviços e compras de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Vale o registo que é vedada a dispensa eletrônica para obras de engenharia, nos termos do art. 51, §3º c/c art. 4º do Decreto nº 10.024/19. E a dispensa de licitação, para obras, é permitida nos termos da Lei nº 13.303/16[10], devendo ser limitada apenas em razão do valor, e não ao objeto.
Destarte, tendo em vista que, em certos pontos o Decreto nº 10.024/19 vai de encontro aos avanços da Lei nº 13.303/16, ao passo que as inovações trazidas pelo normativo são, praticamente, a rotina o sistema licitatório da Lei das Estatais, é prudente que as empresas estatais não abram margem à utilização facultativa do pregão eletrônico nos moldes do Decreto nº 10.024/2019.
I – não assinar o contrato ou a ata de registro de preços;
II – não entregar a documentação exigida no edital;
III – apresentar documentação falsa;
IV – causar o atraso na execução do objeto;
V – não mantiver a proposta;
VI – falhar na execução do contrato;
VII – fraudar a execução do contrato;
VIII – comportar-se de modo inidôneo;
IX – declarar informações falsas; e
X – cometer fraude fiscal.
§ 1º As sanções descritas no caput também se aplicam aos integrantes do cadastro de reserva, em pregão para registro de preços que, convocados, não honrarem o compromisso assumido sem justificativa ou com justificativa recusada pela administração pública.
§ 2º As sanções serão registradas e publicadas no Sicaf.
I – advertência;
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 (dois) anos.
I – para aquisição de bens:
a. 5 (cinco) dias úteis, quando adotado como critério de julgamento o menor preço ou o maior desconto;
I – contratação de serviços comuns de engenharia, nos termos do disposto no inciso I do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993;
II – aquisição de bens e contratação de serviços comuns, nos termos do disposto no inciso II do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993; e
III – aquisição de bens e contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, nos termos do disposto no inciso III e seguintes do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, quando cabível.
§ 1º Ato do Secretário de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia regulamentará o funcionamento do sistema de dispensa eletrônica.
§ 2º A obrigatoriedade da utilização do sistema de dispensa eletrônica ocorrerá a partir da data de publicação do ato de que trata o § 1º.
§ 3º Fica vedada a utilização do sistema de dispensa eletrônica nas hipóteses de que trata o art. 4º.
I – para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda a obras e serviços de mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II – para outros serviços e compras de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizado de uma só vez;
[…]