A DURAÇÃO DOS CONTRATOS NA LEI 14.133/21

A Lei 14.133/21, Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, alterou fundamentalmente as regras sobre a duração dos contratos e, consequentemente, a disciplina contratual sobre os prazos de vigência. Na edição da Lei 8.666/93, ainda vigente, havia uma preocupação clara em evitar contratos com prazos muito longos que pudessem, sob o olhar de um legislador desconfiado, por meio da rotatividade de contratados, preservar a isonomia e evitar um ambiente propício a eventuais desvios e imoralidades.

A Lei 8.666/93 também procurou caminhar ao lado de normas orçamentárias e fiscais, em especial, a Lei 4.320/67, vinculando, como regra, a vigência dos contratos à duração do exercício financeiro, admitindo seu extravasamento apenas em restritas exceções.[1]

O cenário criado pela Lei 14.133/21 é outro. A regra geral, disposta no art. 105, é a de que a duração dos contratos “será a prevista em edital”. Ao longo dos artigos que tratam do tema, verificam-se regras muito diferentes daquelas a que já estávamos habituados:

  1. Possibilidade de vigência inicial de até 5 anos, para contratos de serviços e fornecimento considerados de natureza continuada;
  2. Possibilidade de prorrogação desses contratos, chegando a 10 anos de vigência;
  3. Contratos específicos, celebrados por dispensa de licitação, com vigência inicial de até 10 anos;
  4. Contratos com prazos indeterminados, quando versarem sobre serviços prestados em regime de monopólio;
  5. Contratos de receita podendo chegar a 35 anos de vigência;
  6. Prorrogação automática de contratos de escopo ou resultado, enquanto o objeto não for concluído.

Como se percebe, o olhar do legislador da Lei 14.133/21 sobre os contratos é “funcional”, ou seja, mirando na maior vantagem econômica e na melhor forma de satisfazer do interesse envolvido.[2] Essa percepção se reforça diante ampliação do rol de possíveis regimes de contratação, entre eles o fornecimento com prestação de serviço associado.

Certamente que uma premissa não afasta a outra. Buscar melhores resultados para a contratação não afasta o dever de cuidado com eventuais efeitos colaterais indesejados. Por isso, ao tempo em que se comemoram tais novidades, deve haver uma preocupação genuína com a sua implementação prática.

De plano, para as duas situações que deverão trazer mais impacto à generalidade das organizações – contratações de serviços e fornecimentos contínuos e prorrogação automática da vigência de contratos de escopo – alguns reflexos imediatos podem ser visualizados.

Na contratação de serviços e fornecimentos contínuos, a forma ampla com que a Lei os definiu – “serviços contratados e compras realizadas pela Administração Pública para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas” – permite que uma gama significativa de serviços e produtos entre nesta classificação, viabilizando contratos de longa duração, seja em decorrência de sucessivas prorrogações ou da fixação, desde logo, de um prazo de vigência maior. Uma análise não especializada poderia levar à conclusão de que, com a nova Lei, as contratações com prazo inicial de vigência maior passarão a ser regra e as prorrogáveis, exceção, o que seria um engano grosseiro.

Para fixar um prazo de vigência maior do que os costumeiros 12 meses, será necessário demonstrar, na fase preparatória da licitação, que a solução é a melhor quando comparada com a possibilidade de prorrogações sucessivas. Já era assim para as contratações excepcionais da Lei 8.666/93, por expressa orientação do Tribunal de Contas da União; agora, é exigência do art. 106, inc. I da Lei 14.133/21.

O estudo técnico preliminar, documento da fase preparatória da contratação que define a solução para o problema existente, declarando-a tecnicamente adequada e economicamente viável, deverá levar à conclusão de que o contrato com um prazo maior será mais vantajoso para a Administração. Os levantamentos realizados nesta fase – os quais, rigorosamente, não se equiparam a suposições baseadas em conhecimento empírico – devem ser convergentes nesse sentido. [3] Portanto, celebrar contratos com prazos maiores dependerá de estudos técnicos preliminares consistentes, sob a responsabilidade de agentes capazes. Nesse contexto, ainda existirão casos em que esforços prévios resultarão inócuos, pois somente a experimentação prática permitirá provar cabalmente a vantagem do modelo de contratação. Assim, sendo pragmáticos – não pessimistas -, tais contratos não serão a maioria, ao menos até que as interpretações em torno da nova Lei adquiram certa maturidade, especialmente influenciada pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB. De todo modo, deve restar claro que, se por um lado a Lei traz a “facilidade” de não licitar anualmente, por outro, exige precisão na fase de planejamento.

Tais contratos exigem, ainda, que se dê a devida atenção à fase de gestão, a qual é precária na maioria das organizações, em decorrência de falhas de governança e gestão das contratações. Com efeito, embora tenham sido eliminados problemas relacionados à prorrogação do prazo de vigência – como a extinção do contrato em decorrência de ausência de um termo aditivo formalizado em tempo hábil ou a desistência da empresa em prorrogar -, não estão dispensadas, também nesses contratos, as avaliações periódicas que demonstrem a vantagem na sua manutenção, conforme condiciona o citado art. 106, em seu inciso II. Portanto, o ônus de gerir e fiscalizar o contrato permanece o mesmo, com um agravante de responsabilidade: os danos decorrentes de falhas no acompanhamento e fiscalização podem ser bem maiores.  

O mesmo se pode dizer em relação à prorrogação automática do prazo de vigência de contratos de escopo ou resultado, considerados pela Lei 14.133/21 como “aqueles que impõem ao contratado o dever de realizar a prestação de um serviço específico em período predeterminado”. O afastamento do risco de perda do contrato em razão do decurso do prazo de vigência antes do término do objeto, decorrente, justamente, de falha de fiscalização, não afasta o dever de fiscalizar. A opção legal privilegia o interesse público, mas não retira do fiscal do contrato o dever que sempre lhe pertenceu, de acompanhar e anotar ocorrências que afetarão o prazo de execução e a eficácia do contrato. Se houvesse dúvida quanto a isto, a simples leitura do parágrafo único a eliminaria: havendo culpa do contratado pela não conclusão do objeto no prazo inicialmente previsto, ele deverá ser constituído em mora, sendo-lhe aplicáveis as respectivas sanções administrativas, podendo, ainda, a Administração, optar pela extinção do contrato.

Por fim, cabe alertar que contratos de longo prazo escapam, a rigor, de uma efetiva gestão positiva de riscos, pois é impossível conhecer todos os eventos, ainda que previsíveis, que podem interferir no seu equilíbrio econômico-financeiro ao longo dos anos.[4] O impacto que tal condição, até então discutida no âmbito de contratos mais complexos, produzirá em contratações de objetos corriqueiros, de natureza continuada, pela Administração Pública ainda não é de todo compreensível. Todavia, é certo que já desperta atenção e fomenta estudos.

BIBLIOGRAFIA

FORTINI, Cristiana; PAIM, Flaviana Vieira. A nacionalização de regras federais sobre terceirização por meio da nova lei de licitações. In Terceirização na Administração Pública – Boas práticas e atualização à luz da nova Lei de Licitações, coord. FORTINI, Cristiana; PAIM, Flaviana Vieira. Belo Horizonte: Ed. Forum, 2022, pp. 25 a 45.

FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio de Lima; CAMARÃO, Tatiana (coord.). Comentários à lei de licitações e contratos administrativos – Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, Vol. 2. Belo Horizonte: Ed. Fórum.

SANTOS, José Anacleto Abduch. Duração e prorrogação dos contratos administrativos. Coluna Jurídica JML, disponível em https://www.jmleventos.com.br/pagina.php?area=coluna-juridica&acao=download&dp_id=238, acesso em 19.5.22.

 


[1] Muito embora a aplicação desta regra ao extremo, ou seja, vinculando os prazos contratuais ao dia 31 de dezembro do ano em que eram celebrados, acabou não vingando durante a vigência da Lei 8.666/93, por pura impossibilidade de aplicação.

[2] Nesta mesma linha, José Anacleto Abduch Santos foi preciso ao escrever que “[a] previsão normativa de que a duração do contrato será ‘a prevista em edital’ (art. 105) significa que a duração do contrato será adequada a cada contratação – em juízo de proporcionalidade, razoabilidade e devidamente justificada – à satisfação concreta do interesse público.” (SANTOS, José Anacleto Abduch. Duração e prorrogação dos contratos administrativos. Coluna Jurídica JML, disponível em https://www.jmleventos.com.br/pagina.php?area=coluna-juridica&acao=download&dp_id=238, acesso em 19.5.22).

[3] A respeito, Cristiana Fortini e Christianne de Carvalho Stroppa escrevem que “[a] escolha por prazos mais longos não pode ser motivada apenas pela pretensão de se evitarem licitações constantes. Claro que esse argumento não é desprezível, porque o tempo e as despesas com licitação não são irrelevantes. Mas há de se considerar que um vínculo de maior extensão pode implicar – ou ao menos poderia, já que o legislador fez uma verdadeira confusão – maior compromisso da Administração Pública para com o contratado. Afinal, a formatação da proposta considera as especificações editalícias, entre elas o prazo da avença. Prazos maiores podem justificar uma maior agressividade da proposta (valores mais baixos). Nisso, a tal vantagem econômica perseguida pelo legislador no art. 106, I.” (FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio de Lima; CAMARÃO, Tatiana (coord.). Comentários à lei de licitações e contratos administrativos – Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, Vol. 2. Belo Horizonte: Ed. Fórum, p. 332).

[4] A propósito do assunto, Cristiana Fortini e Flaviana Vieira Paim alertam que “contratos de longo prazo podem apresentar outros riscos ou ainda elevar riscos que atualmente são bastante comuns e conhecidos em contratos anuais com previsão de prorrogações, especialmente naqueles em que se verifica baixa margem de lucratividade e de despesas operacionais e administrativas, que certamente deverão ser precedidos de uma boa análise de riscos (matriz de riscos), alocando riscos presumíveis entre o contratante e o contratado, estabelecendo quais riscos serão assumidos pelo contratante, quais caberão ao contratado e quais serão compartilhados entre eles.” (FORTINI, Cristiana; PAIM, Flaviana Vieira. A nacionalização de regras federais sobre terceirização por meio da nova lei de licitações. In Terceirização na Administração Pública – Boas práticas e atualização à luz da nova Lei de Licitações, coord. FORTINI, Cristiana; PAIM, Flaviana Vieira. Belo Horizonte: Ed. Forum, 2022, p. 43.)

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