A elaboração do plano de contratações anual é obrigatória?

A Lei 14.133/2021, que dispõe sobre normas gerais de licitações e contratos para a Administração Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, estatui que a partir de documentos de formalização de demandas os responsáveis pelo planejamento das contratações poderão elaborar plano de contratações anual:

“Art. 12. No processo licitatório, observar-se-á o seguinte:

I – os documentos serão produzidos por escrito, com data e local de sua realização e assinatura dos responsáveis;

II – os valores, os preços e os custos utilizados terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 52 desta Lei;

III – o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo;

IV – a prova de autenticidade de cópia de documento público ou particular poderá ser feita perante agente da Administração, mediante apresentação de original ou de declaração de autenticidade por advogado, sob sua responsabilidade pessoal;

V – o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade, salvo imposição legal;

VI – os atos serão preferencialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico;

VII – a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.       (Regulamento)

§ 1º O plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput deste artigo deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos.” (grifou-se)

Ao utilizar a expressão “poderão” a norma estabelece, então, apenas uma faculdade, de onde se conclui inexistir, em face do que prescreve o inciso VII do art. 12 da Lei 14.133/2021, a obrigação de a Administração elaborar planos de contratações anual.

Não se pode perder de vista, porém, que o plano de contratações anual é instrumento indispensável ao planejamento das contratações da Administração – planejamento este, aliás, que foi elevado a princípio pela nova Lei de Licitações e Contratações –, uma vez que consolida as contratações pretendidas ao longo do período e com isso proporciona a melhor racionalização dos recursos a serem empregados, indo ao encontro dos princípios da eficácia e da economicidade, que igualmente submetem aqueles que utilizam verbas públicas.

É como aponta a doutrina:

“O planejamento macro da administração, relativo à administração científica, é materializado também, no plano de contratações anual – PCA. Esse plano é mais uma ferramenta de planejamento da administração. Uma ferramenta que proporciona uma visão global e sistêmica do que se pretende contratar para o próximo ano, viabilizando assim adequada aplicação de juízo de prioridade, fruto do planejamento estratégico da instituição.

(…)

A ausência do planejamento em meio ao processo de contratação pública encerra incomoda irregularidade[1], com potencial para comprometer de forma significativa qualidade do projeto básico, termo de referência e anteprojeto que venham a ser desenvolvidos, e dar ensejo a prejuízos à Administração.

(…)

O planejamento tende a proporcionar uma contratação eficiente e a contratação eficiente implica a concretização do direito fundamental à boa administração.

Mais ainda. O planejamento das contratações é imposto ao administrador pelo princípio da indisponibilidade do interesse público. Não se contrata sem planejar: a uma, porque os recursos investidos pertencem à sociedade, e, a duas, porque o interesse a ser atendido é o interesse coletivo. Portanto, nem o investimento pode ser realizado sem critério, nem sequer se pode correr o risco de não atender com eficácia o interesse público. Recorde-se que a eficácia e o interesse público foram alçados à condição de princípios pelo art. 5° da Lei 14.133/2021.”[2]

A elaboração do plano de contratações anual busca evitar, ainda, fracionamentos indevidos da despesa, falha essa comumente verificada quando o planejamento não ocorre, e dar maior transparência as contratações públicas, já que o documento deve, após a sua devida aprovação pela autoridade competente, ser divulgado e mantido a disposição para consulta em sítio eletrônico oficial do ente.

Ademais, a Administração deve observar o conteúdo desse, o que significa que as prioridades ali estabelecidas devem ser seguidas e que eventuais objetos não previstos devem, como regra, ensejar a alteração do documento para posterior contratação.

Essa, aliás, a previsão constante no Decreto 10.947/2022, editado pela Administração Pública Federal com vistas a disciplinar, no seu âmbito, o plano de contratações anual e implementar o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações, aqui citado de forma ilustrativa:

“Art. 17.  O setor de contratações verificará se as demandas encaminhadas constam do plano de contratações anual anteriormente à sua execução.

Parágrafo único.  As demandas que não constarem do plano de contratações anual ensejarão a sua revisão, caso justificadas, observado o disposto no art. 16.

Art. 18.  As demandas constantes do plano de contratações anual serão formalizadas em processo de contratação e encaminhadas ao setor de contratações com a antecedência necessária ao cumprimento da data pretendida de que trata o inciso V do caput do art. 8º, acompanhadas de instrução processual, observado o disposto no § 1º do art. 11.”

Nessa toada, muito embora o plano de contratações anual não seja imposto de forma direta pela Lei 14.133/2021 à Administração, é documento essencial para o correto planejamento das contratações o que leva ao entendimento de que deva, como prática de boa gestão e em prol do atendimento dos princípios que norteiam a atuação dos agentes públicos, ser elaborado por todos os entes da federação.

Marçal Justen Filho defende a ideia, asseverando:

“A Lei 14.133/2021 prestigia de modo intenso o dever de planejamento, que se constitui em um dos pilares da ampliação da eficiência e do combate ao desperdício de recursos públicos.

Uma das implicações do dever de planejamento consiste na previsão tempestiva quanto às contratações a serem promovidas – e, por decorrência, dos processos licitatórios a ela antecedentes.

A redação legal induz à facultatividade da elaboração do PCA. Mas essa interpretação exige cautela. A utilização do vocábulo “poderão” não deve ser o critério isolado para a interpretação.

A interpretação mais adequada consiste em reconhecer a existência de um dever de elaborar o PCA, cujo atendimento será vinculado às circunstâncias e características da realidade. Caberá ao regulamento dispor sobe as condições para a elaboração do PCA, inclusive determinando a sua implantação de modo progressivo e compulsório.”[3]

Releva destacar, inclusive, que a Administração Federal, por intermédio do Decreto 10.947/2022 antes referido, tornou obrigatória, como regra, a elaboração do plano de contratações anual:

“Art. 1º Este Decreto regulamenta o inciso VII do caput do art. 12 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre o plano de contratações anual e instituir o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações – PGC, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Parágrafo único.  O cumprimento do disposto neste Decreto é dispensável aos Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, sem prejuízo da observância do princípio do planejamento de que trata o art. 5º da Lei nº 14.133, de 2021.

(…)

Art. 3º O plano de contratações anual será elaborado no PGC, observados os procedimentos estabelecidos no manual técnico operacional que será publicado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia

(…)

Art. 6º Até a primeira quinzena de maio de cada exercício, os órgãos e as entidades elaborarão os seus planos de contratações anual, os quais conterão todas as contratações que pretendem realizar no exercício subsequente, incluídas:

I – as contratações diretas, nas hipóteses previstas nos art. 74 e art. 75 da Lei nº 14. 133, de 2021; e

II – as contratações que envolvam recursos provenientes de empréstimo ou de doação, oriundos de agência oficial de cooperação estrangeira ou de organismo financeiro de que o País seja parte.

§ 1º Os órgãos e as entidades com unidades de execução descentralizada poderão elaborar o plano de contratações anual separadamente por unidade administrativa, com consolidação posterior em documento único.

§ 2º O período de que trata o caput compreenderá a elaboração, a consolidação e a aprovação do plano de contratações anual pelos órgãos e pelas entidades.

Art. 7º Ficam dispensadas de registro no plano de contratações anual:

I – as informações classificadas como sigilosas, nos termos do disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, ou abrangidas pelas demais hipóteses legais de sigilo;

II – as contratações realizadas por meio de concessão de suprimento de fundos, nas hipóteses previstas no art. 45 do Decreto nº 93.872, de 23 de dezembro de 1986;

III – as hipóteses previstas nos incisos VI, VII e VIII do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021; e

IV – as pequenas compras e a prestação de serviços de pronto pagamento, de que trata o § 2º do art. 95 da Lei nº 14.133, de 2021.

Parágrafo único.  Na hipótese de classificação parcial das informações de que trata o inciso I do caput, as partes não classificadas como sigilosas serão cadastradas no PGC, quando couber.”

Recomendável, portanto, que ao regulamentar o plano de contratações anual os demais entes da federação sigam o exemplo da Administração Federal e tornem o documento em comento de cunho obrigatório, como regra.


[1] A classificação como irregularidade baseia-se nos critérios definidos por Celso Antonio Bandeira de Mello. Cf. BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo. 32. Ed. São Paulo: Malheiros, p. 482.

[2] SARAI, Leandro (organizador). Tratado da nova lei de licitações e contratos administrativos: lei 14.133/21 comentada por advogados públicos, São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 329-337.

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 273.

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