Renila Lacerda Bragagnoli
Advogada da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba – Codevasf. Chefe da Unidade de Assuntos Administrativos (Consultivo) da Assessoria Jurídica.
Mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires/UBA (2019-2020) Especialização (2018) em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP/DF).
A Medida Provisória nº 951, de 15 de abril de 2020, alterou, mais uma vez, a Lei nº 13.979/2020, especialmente no que envolve matérias de licitações, prevendo, desta feita, a possibilidade do Sistema de Registro de Preços, para os casos de dispensa de licitação com fulcro à aquisiçãobens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, além de dispor sobre a suspensão dos prazos prescricionais em matérias sancionatórias.
Sobre a aplicação da Lei nº 13.979/2020 às estatais, já analisamos a plena possibilidade de utilização da nova legislação pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, à medida que se trata de uma norma geral de licitações e contratos públicos e portanto, plenamente aplicável a todos os entes, não havendo maiores dificuldades em se admitir que a Lei nº 13.979/2020 se aplica às estatais, já que seu alcance não é relativo ao sujeito, e sim ao objeto da contratação[1].
Assim, a aplicação das normas especiais e temporárias para dispensa de licitações, licitações e contratos cujo objeto se destinam ao enfrentamento da pandemia pelas estatais já era matéria entendida como pacífica.
No entanto, após a edição da MP 951/2020, a plena utilização da Lei pelas empresas públicas e sociedade de economia mista ganha um novo viés, dado referir-se, o novo normativo, na parte que interessa a este artigo, ao sistema de registro de preços e à suspensão dos prazos prescricionais.
Nessa toada, a MP em referência inseriu três novos parágrafos ao art. 4º da Lei nº 13.979, dispondo, in verbis, sobre o Sistema de Registro de Preços:
Art. 4º […]
§ 4º Na hipótese de dispensa de licitação de que trata o caput, quando se tratar de compra ou contratação por mais de um órgão ou entidade, o sistema de registro de preços, de que trata o inciso II do caput do art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderá ser utilizado.
§ 5º Na hipótese de inexistência de regulamento específico, o ente federativo poderá aplicar o regulamento federal sobre registro de preços.
§ 6º O órgão ou entidade gerenciador da compra estabelecerá prazo, contado da data de divulgação da intenção de registro de preço, entre dois e quatro dias úteis, para que outros órgãos e entidades manifestem interesse em participar do sistema de registro de preços nos termos do disposto no § 4º e no § 5º.
Desta maneira, admitiu o procedimento auxiliar das licitações conhecido como Sistema de Registro de Preços para os casos de dispensa de licitação, admitindo a utilização do SRP quando se tratar de compra ou contratação por mais de um órgão ou entidade com vistas ao atendimento dos fins que a própria legislação especifica, aduzindo, ainda, que o órgão ou entidade gerenciador da compra estabelecerá prazo, contado da data de divulgação da intenção de registro de preço, entre dois e quatro dias úteis, para que outros órgãos e entidades manifestem interesse em participar do sistema de registro de preços, de acordo com a IRP prevista no Decreto nº 7.892/2013.
Apesar de inusitada e inovadora, é uma medida excepcional que demanda um ajuste no sistema que rege registro de preços, ou a instituição de uma nova rotina ou procedimento para se operacionalizar tal possibilidade, porém voltamos nossos olhos ao que dispõe o § 5º, admitindo que na hipótese de inexistência de regulamento específico, o ente federativo poderá aplicar o regulamento federal sobre registro de preços, ou seja, ao admitir que haverá ente federativo que ainda não regulamentou, em âmbito próprio, o sistema de registro de preços, de pronto autoriza a utilização, por parte destes, a utilização do Decreto nº 7.892/2013, que regula o tema na esfera federal.
Melhor sorte não acudiu às empresas estatais, tendo em vista que desde a publicação da Lei nº 13.303, ocorrida em 30 de junho de 2016, não há a regulamentação anunciada por seu art. 66, de que o Sistema de Registro de Preços especificamente destinado às licitações das empresas estatais seria regido pelo disposto em decreto posterior do Poder Executivo, que ainda não foi editado.
Nessa esteira, ao estender aos entes federativos sem regulamentação a utilização do Decreto nº 7.892/2013, mais uma vez deixou à margem o assunto referente ao sistema de registo de preços das empresas estatais.
Como cediço, a utilização do SRP disciplinado pelo Decreto nº 7.892/2013 pelas empresas estatais é matéria polêmica desde a edição da Lei da Estatais, de maneira que, ante à mora legislativa em regular o art. 66 da Lei nº 13.303, já aduzimos em nossa obra[2]:
Diante desse vácuo normativo, há duas possibilidades viáveis: utilização do SRP da Lei n.º 8.666/93 e regulado pelo Decreto n.º 7.892/13 ou o SRP previsto no art. 32 da Lei do RDC, n.º 12.462/11 […] Até a eleição de qual procedimento adotar para realizar o Sistema de Registro de Preços, o assunto reveste-se de relativa tranquilidade jurídica. O tema começa a tornar-se tormentoso quando se trata das adesões. Vejamos: a Lei das Estatais inaugurou um novo regime, especialmente contratual, modulado sob relação horizontalizada entre contratante e contratado, como então, por exemplo, uma estatal poderá fazer adesão a um SRP realizado pela Administração Direta, que licitou e contratará com base em todas as normas de direito público da Lei n.º 8.666/93? E mais, como um órgão da Administração Direta poderá aderir a um SRP realizado por uma estatal, se as disposições contratuais serão, em grande monta, de direito privado?
A par de todas essas inquietudes, ponderamos que
Diante da redação lacônica, os autores inauguram uma visão mitigada, ao admitir que as estatais poderão aderir ao SRP realizado pela administração direta desde que haja “compatibilidade das condições registradas com o regime da Lei n.º 13.303/2016; e a previsão específica no regulamento interno”[3], compatibilidade que deverá ser inequivocamente demonstrada na instrução do processo administrativo.
Assim, a utilização, pelas estatais, do Decreto nº 7.892/2013 é possível e as adesões decorrentes do sistema de registro de preços deve ser medida harmonizada com as disposições da Lei nº 13.303/2016, devendo tal utilização, ser devidamente prevista, autorizada e disciplinada no Regulamento Interno de Licitações e Contratos de cada empresa estatal, tendo em conta que o Decreto em referência regulamenta a Lei nº 8.666/1993[4], legislação que não é compatível com o regime jurídico das empresas estatais, conforme dito alhures.
Destarte, para que as novas disposições da Lei nº 13.979/2020, no que tange à utilização do sistema de registro de preços nos casos de dispensa de licitação, recentemente admitido pela Medida Provisória nº 951/2020, sejam plenamente viáveis de utilização por parte das empresas públicas e sociedades de economia mista, é necessário que o trâmite administrativo acima exposto já tenha sido normatizado, no sentido de disciplinar a utilização do Decreto nº 7.892/2013 por cada estatal, tendo em vista que o §5º do art. 4º da Lei nº 13.979 foi expresso em admitir a utilização do Decreto federal apenas ao ente federativo que ainda não dispõe de regulamentação, ficando as empresas estatais submetidas, mais uma vez, a mora (esquecimento) legislativo.
Ainda em relação à aplicação com ressalvas da Lei n 13.979 às empresas estatais por ocasião da edição da Medida Provisória nº 951, trazemos à baila as disposições do art. 6ª-D:
Art. 6º-D Fica suspenso o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei nº 8.666, de 1993, na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e na Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.
Diante da nova disposição, suspendeu-se o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei Geral de Licitações[5], na Lei do Pregão[6] e na Lei do Regime Diferenciado de Contratações[7], respectivamente, não aduzindo sobre as suspensão para as sanções previstas na Lei nº 13.303/2016[8], que, por ser norma que também versa sobre licitações e contratos, tem seu próprio regime sancionatório. No entanto, pelas recentes alterações na Lei nº 13.979/2020 os prazos de prescrição para os licitantes e/ou contratados em processos sancionatórios levados a cabo pelas empresas estatais não foram suspensos, estando estes fluindo normalmente.
Ao falar sobre o regime sancionatório da Lei nº 13.303, rememoramos que a Lei findou a discussão acerca da extensão da penalidade de suspensãotemporária de participar em licitação e impedimento de contratar, já que é sabido que “o STJ entende que se estende a toda Administração Pública, sem distinção (MS 19.657/DF; RMS 326.628/SP) e o Tribunal de Contas da União, que tem efeitos apenas perante o órgão/entidade sancionadora (Acórdão n.º 504/2015 – Plenário; Acórdão n.º 2.962/2015 – Plenário)”[9], e a Lei das Estatais,
Expressamente, a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar é com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 (dois) anos. Ou seja, apesar de ser a penalidade máxima que poderá ser imputada aos contratados, a vedação produz efeitos proibitórios apenas em relação à estatal que impôs a sanção.[10]
Dessa maneira, no período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, a aplicação da Lei nº 13.979/202 foi mitigada em relação às empresas estatais após a edição da Medida Provisória nº 951/2020, especificamente no que tange à regulamentação do Sistema de Registros de Preço e a não suspensão da prescrição dos prazos referentes aos processos sancionatórios.
Referências
BRAGAGNOLI, Renila Lacerda. Lei n.º 13.303/2016: reflexões pontuais sobre a lei das estatais [livro eletrônico]. Curitiba: Editora JML, 2019. Disponível em https://editora.jmlgrupo.com.br/
BRAGAGNOLI, Renila Lacerda. Ponderações sobre a utilização da Lei nº 13.979/2020 pelas empresas estatais. Disponível em https://ronnycharles.com.br/ponderacoes-sobre-a-utilizacao-da-lei-no-13-979-2020-pelas-empresas-estatais/
TORRES, Ronny Charles Lopes de. BARCELOS, Dawison. Licitações e Contratos nas Empresas Estatais. Regime licitatório e contratual da Lei n.º 13.303/2016. Salvador: Juspodivm, 2018.
I – advertência;
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
I – convocado dentro do prazo de validade da sua proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 40 e no art. 41 desta Lei;
II – deixar de entregar a documentação exigida para o certame ou apresentar documento falso;
III – ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado;
IV – não mantiver a proposta, salvo se em decorrência de fato superveniente, devidamente justificado;
V – fraudar a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato;
VI – comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal; ou
VII – der causa à inexecução total ou parcial do contrato.
§ 1º A aplicação da sanção de que trata o caput deste artigo implicará ainda o descredenciamento do licitante, pelo prazo estabelecido no caput deste artigo, dos sistemas de cadastramento dos entes federativos que compõem a Autoridade Pública Olímpica.
§ 2º As sanções administrativas, criminais e demais regras previstas no Capítulo IV da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se às licitações e aos contratos regidos por esta Lei.
I – advertência;
II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por prazo não superior a 2 (dois) anos.