A NATUREZA DO PARECER EXARADO POR FORÇA DO DISPOSTO NO ART. 38, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 8.666/1993

Prosseguindo no exame do tema que circunda a atuação da Assessoria Jurídica no exame prévio de legalidade dos atos relativos à aplicação das normas licitatórias, considerando termos estabelecido que os pareceres são classificados em facultativos, obrigatórios e vinculantes, e que tal classificação indica a limitação da atuação da autoridade competente, no que concerne à possibilidade ou não de decidir de forma diversa daquela manifestada no parecer, passaremos, adiante, a analisar a natureza jurídica do parecer emitido sobre as minutas dos editais de licitação, contratos, convênios e seus aditamentos, a fim de esclarecer o campo de atuação do assessor jurídico e da discricionariedade da autoridade competente.

Este tema será dividido em dois trabalhos. Neste, abordaremos apenas o parecer emitido na análise prévia das minutas de que trata o dispositivo acima epigrafado, dada a maior necessidade de aprofundamento. No próximo, iremos estudar alguns problemas pontuais sobre esse dispositivo, bem como a natureza jurídica dos demais atos da assessoria jurídica na aplicação das normas da Lei no. 8.666;1993, com ênfase nos atos de dispensa e inexigibilidade de licitação.

A natureza do ato de aprovação das minutas de editais e de contratos: facultativo, obrigatório ou vinculativo?

A mais relevante manifestação prevista na Lei Geral de Licitações e Contratos é, sem dúvida, o parecer sobre as minutas de editais, contratos convênios e seus aditamentos. É aqui que surge com maior força de intervenção a manifestação do Assessor Jurídico. A Lei regedora da espécie, em seu art. 38, parágrafo único, encerra o seguinte comando:

As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei no. 8.883, de outubro de 1994)

A finalidade da norma é bastante clara ao exigir exame prévio de juridicidade das minutas, aliás, como em qualquer ato de advocacia preventiva, seria o de antecipar possíveis vícios de legalidade nas tais minutas, evitando assim, dano maior para a Administração com possíveis impugnações e até mesmo ações judiciais com vista à anulação dos referidos atos. 

Avançando sobre a questão da natureza do ato de aprovação esculpido no art. 38, parágrafo único da lei geral de licitações e contratos, é de se notar que a norma confere atribuição atípica ao advogado público na medida em que, além de determinar que o gestor submeta previamente tais minutas ao seu órgão consultivo jurídico, também outorga a este a competência de aprová-los, o que significa admitir, por consectário lógico, que a Lei também lhe atribuiu competência para desaprová-los. Nesse contexto, não parece pairar dúvidas sobre o caráter vinculante que assume essa manifestação, porquanto o legislador não teria exigido a mera oitiva do órgão consultivo. Não se conformou com a simples opinião técnica do jurisconsulto. A norma exige o seu “de acordo”. Todavia, ainda há muita discrepância na doutrina.

Coelho Motta[1], calcado na doutrina de Hely Lopes Meirelles, é de opinião no sentido de que o parecer decorrente da aplicação do dispositivo sub examine enquadra-se na categoria dos pareceres obrigatórios, mas de conteúdo não-vinculante. Conclui, o festejado mestre, que:

“(…) o parecer jurídico só terá o caráter vinculante quando estabelecido na Lei de regência do órgão/entidade, ou mesmo (consoante abalizada opinião dos mestres Dallari e Ferraz), quando despacho normativo ordenar que o conteúdo do parecer, tendo por objeto situação específica a ser tratada em caráter uniforme, determina obrigatoriamente a decisão administrativa.”

Marçal Justen Filho[2], ao comentar a norma em tela, também sustenta que o parecer ora tratado não possui caráter vinculante, verbis:

“A autoridade competente é vinculada ao parecer da assessoria jurídica? A resposta é negativa. Nada impede que a autoridade superior repute que o ato convocatório apresenta defeitos jurídicos, ainda que o parecer da assessoria jurídica seja favorável à aprovação. E a recíproca também é verdadeira. O ponto fundamental, no caso, é que a autoridade competente assume a responsabilidade exclusiva em caso de discordância em face do parecer da assessoria jurídica. A questão apresenta especial relevância nos casos em que a autoridade superior manifesta aprovação quando o parecer da assessoria jurídica opinara pela existência de defeito. É perfeitamente possível que a autoridade superior esteja correta e que o parecer da assessoria tenha incorrido em equívoco. Não se pode extrair, portanto, que um parecer contrário à aprovação vincularia a autoridade competente.”

Idêntica é a posição de Jessé Torres e Marinês Restellato, [3] para quem:

“A manifestação produzida pela assessoria jurídica, na forma estatuída pelo parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/93, é obrigatória, mas não vinculativa para o gestor público, que pode dela discordar, desde que apresente as razões de fato e de direito que lhes dê sustentação. Não há como se produzir orientação jurídica condicionada ao seu cumprimento quando tal orientação não é vinculativa, ou seja, quando seu cumprimento não é impositivo.”

Di Pietro[4], em sentido oposto, reconhece o caráter vinculante do ato de aprovação ao qual foi incumbido pela Lei de Licitações o órgão consultivo jurídico da Administração, afirmando que “é o caso também da manifestação prevista no art. 38, parágrafo único, da Lei no. 8.666, de 21-6-93, que torna obrigatório o exame e aprovação das minutas de edital de licitação e dos contratos por assessoria jurídica da Administração (destaques do original)”.

E nesse mesmo diapasão é a posição da nossa Corte Suprema. No julgamento do MS 24.584, o Relator, Ministro Marco Aurélio Mello, faz questão de distinguir em seu voto o pano de fundo que marcou este e o precedente imediatamente anterior de mesmo cunho, o MS 24.073, nos seguintes termos:

“Na oportunidade do julgamento, somei o meu voto ao do relator, porquanto envolvido, na espécie, simples parecer, ou seja, ato opinativo que poderia ser ou não considerado pelo administrador. A espécie dos autos é diversa. Conforme se depreende do Acórdão lavrado pelo Tribunal de Contas da União no processo TC 013.636/2002-0 (fls. 31 a 50), os impetrantes (omissis) teriam aprovado ou ratificado termos de convênio e aditivos, constando da decisão as irregularidades neles contidas. (…) Não há envolvimento de simples peça opinativa, mas de aprovação, pelo setor técnico da autarquia, de convênios e aditivos, bem como de ratificações. (…) Cumpre frisar ainda, que, na maioria das vezes, aquele que se encontra na ponta da atividade relativa à administração pública não possui condições para sopesar o conteúdo técnico-jurídico da peça a ser subscrita, razão pela qual lança mão do setor competente. A partir do momento em que ocorre, pelos integrantes deste, não a emissão de um parecer, mas a aposição de visto a implicar a aprovação do teor do convênio ou do aditivo, ou a ratificação realizada, constata-se, nos limites técnicos, a assunção de responsabilidade.”(grifamos)

Aliás, foi exatamente nessa direção que perfilhou o Ministro Joaquim Barbosa ao declarar seu voto-vista no já citado MS 24.584-DF. Na oportunidade, afirmou categoricamente que:

“A exigência legal de aprovação das minutas pela assessoria jurídica da Administração caracteriza, sem dúvida, vinculação do ato administrativo ao parecer jurídico favorável. Note-se que a lei não se contenta em estabelecer a obrigatoriedade da mera existência de um parecer jurídico de conteúdo opinativo ou informativo. Não. Ela condiciona a prática dos atos ao exame e à aprovação do órgão jurídico.”

Em que pese as valiosas lições dos mestres citados, concordamos com a doutrina de Di Pietro e o entendimento firmado pela jurisprudência do STF.

Observando sob outro prisma, não tenho dúvidas de que o parecer jurídico exigido no art. 38, parágrafo único da Lei no. 8.666/1993 é de natureza vinculante e, por assim dizer, não confere margem à autoridade competente para expedição do ato subsequente de forma diversa daquela consignada na manifestação. A norma entrega expressamente à assessoria jurídica a competência de aprovar as minutas. O comando legal não será satisfeito com a simples análise técnico-jurídica da mesma (que de simples, sabemos, não há nada). A análise deve vir acompanhada de um outro ato, qual seja, o da aprovação (ou desaprovação).

Tal assertiva não se sustenta apenas na interpretação literal do dispositivo, como se poderia contra-argumentar. A despeito de o texto normativo não conter omissão, ambiguidade ou obscuridade, extrai-se tal conclusão a partir da ótica constitucional do controle dos atos da administração. Nesse particular aspecto, Julieta Mendes Lopes Vareschini[5] alerta para a necessidade de se interpretar os diversos ramos do direito à luz da Constituição, advertindo ainda a autora que:

“Especificamente na seara do direito administrativo, é a Constituição — enquanto sistema de regras e princípios— que parametriza a atuação administrativa, exigindo que ela esteja em consonância com o direito como um todo e não apenas com a lei.”

Assim, a partir de uma leitura constitucional da norma em apreço, percebe-se claramente o viés finalístico de controle do ato licitatório, o que milita a favor do controle da legalidade e juridicidade dos atos da Administração Pública. Com o advento da EC no 19, ao incluir no caput do art. 37 o princípio da eficiência como norteador da atividade administrativa, o que se viu foi a retirada do “excesso” de autonomia do administrador, mormente quanto ao mérito dos atos discricionários. Entendo que essa preocupação deve envolver o método interpretativo de normas que visam regular a atividade administrativa, notadamente aquelas quem afetam diretamente atos de realização de despesa, como é a presente hipótese. O aplicador do Direito, portanto, deve considerar, além dos elementos clássicos da interpretação jurídica — gramatical, histórica, sistemática e teleológica[6] —a realidade social em que se insere essa mesma norma. A teoria posta por Hesse,[7]dá bem esse tempero:

“A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot OptimalerVerwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplicado com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça delas tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.”

Marcos Antônio Striquer Soares[8] acrescenta que “é fundamental ter em vista os elementos da vida social, do MUNDO real, no instante da interpretação e de aplicação de uma norma”, reconhecendo, entretanto, que nem a Teoria do Direito nem a Teoria da Constituição “possuem explicações suficientes ou convincentes” para permitir uma interação equilibrada ente a realidade social e o Direito. Em outro excelente trabalho, Airton Rocha Nóbrega[9] reconhece que:

“O exame jurídico prévio de editais e de minutas de instrumentos contratuais não pode e não deve ser visto e tratado como mera formalidade, cumprida apenas para o efeito de atender-se às determinações legais retromencionadas e que será retratada pela aposição de um mero visto do advogado nos instrumentos remetidos.”

Já foi dito antes, e não será demasiado revisitar, que a obrigatoriedade de o gestor submeter as minutas de editais e de atos contratuais à análise prévia e aprovação pela assessoria jurídica não possui finalidade em si mesma, ou simplesmente formalística, como se fora um enredo necessário e auxiliar do princípio do devido processo legal. Definitivamente não. A concretização das políticas públicas pelo Estado (entenda-se, realização das necessidades da sociedade) passam, invariavelmente, por atos de contratação de coisas, serviços e obras, ainda que de forma indireta, assim considerando as contratações que visam manter a máquina estatal em pleno e perfeito funcionamento. Ademais disso, o dever constitucional de licitar (CF, art. 37, XXI) cumpre, entre outras, a finalidade de possibilitar a todos os membros da sociedade a distribuição, em igualdade de condições, as oportunidades de negócio que o poder Público tem a oferecer.

Sendo assim, soa correto admitir que o sentido intrínseco da norma ora em análise é o de propiciar maior controle efetivo da regularidade do ato licitatório, que deve cumprir adequadamente sua função constitucional. Há, portanto, uma clara intenção da norma em amputar parte da autonomia do administrador, que, livre, poderia realizar licitação à margem dos princípios constitucionais que deveriam ser preservados, com aparência de legalidade, permitindo a inclusão de cláusulas que promovessem favorecimentos ou cerceamento do caráter competitivo do torneio. Mas isso não significa que o gestor verá ceifado de sua competência formular o juízo de conveniência e oportunidade de contratar o objeto. Este, permanece nas mãos do administrador a despeito do caráter vinculante do ato de aprovação.

É de se reconhecer, todavia, que a manifestação a que se refere a norma em apreço não reflete um parecer típico. Não se trata de uma resposta à uma consulta oficialmente formulada. Representa bem mais que isso. Trata-se de um ato mais complexo em que se vislumbram duas partes bem distintas: a manifestação e a aprovação do documento submetido à analise. Na primeira, o órgão consultivo tece as suas ponderações sobre as cláusulas analisadas, concluindo pela sua legalidade ou não; na segunda, o subscritor não simplesmente “sugere” a aprovação ou a não aprovação; mas de modo enfático e incisivo, “aprova” ou “não aprova” o documento.

Portanto, o ato é indubitavelmente vinculativo. Tanto é assim que não é dado à autoridade superior homologar (ratificar) o ato de aprovação do jurídico, como ocorre acerca das decisões dos Pregoeiros e das Comissões de Licitação. O despacho (ato) subsequente a ser exarado pela dita autoridade será de “prosseguimento”, no caso de aprovação; ou “devolução” aos setores técnicos competentes, para o caso de não aprovação, a fim de serem adotadas as medidas eelencadas no parecer; ou ainda, “arquivamento” do feito, caso entenda inoportuno ou inconveniente realizar o ato.

O Tribunal de Contas da União mantém-se firme no posicionamento de que o ato de aprovação das minutas constitui parecer de natureza vinculante, como se vê nos seguintes arestos:

“(…)6. No mérito, manifesto total concordância com os argumentos oferecidos na instrução da unidade técnica, transcritos no relatório precedente, cujos fundamentos incorporo a estas razões de decidir.7.De fato, conforme registrado pela Serur, o art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993 dispõe claramente que as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes, devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.8.No presente caso, constatou-se que a análise e a aprovação da minuta do edital da Concorrência nº AA 02/2008 foi feita pelo próprio Departamento de Licitações do BNDES, e não pelo seu Departamento Jurídico, em desacordo, portanto, com o estabelecido na referida lei.9.Além de infração a norma legal, tal procedimento configura a quebra de um dos princípios basilares do sistema de controle interno, derivado do princípio da moralidade administrativa, qual seja, o princípio da segregação de funções, segundo o qual as funções potencialmente conflituantes – autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações – devem ser executadas por pessoas e setores independentes entre si, possibilitando a realização de verificação cruzada.10.Em vista disso, julgo acertada a proposta de se negar provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a deliberação recorrida.[10]

“Da leitura do parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993 (examinar e aprovar), combinada com a leitura do art. 11 da Lei Complementar 73/1993 (examinar prévia e conclusivamente), depreende-se que, para a prática dos atos neles especificados, o gestor depende de pronunciamento favorável da consultoria jurídica, revelando-se a aprovação verdadeiro ato administrativo. Sem ela, o ato ao qual adere é imperfeito.”[11]

Para distinguira espécie do parecer do art. 38, par. único da L. 8.666/93, de outras normas correlatas vejamos dois ótimos exemplos. No primeiro, tomemos o contido no art. 17, da Instrução Normativa n. 1, de 4/10/07, do Ministro de Estado dos Transportes, cujo teor é o seguinte:

“Art. 17. À Consultoria Jurídica e ao Assessor Especial de Controle Interno do Ministério dos Transportes compete assistir ao Ministro de Estado no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ele praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica.

Parágrafo único. Os pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes, aprovados pelo Ministro de Estado, são de observância obrigatória por todos os órgãos autônomos e entidades vinculadas à Pasta, de acordo com o art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.” (grifo acrescentado)

Veja-se que a citada norma não estabelece obrigação do Ministro submeter qualquer ato à consultoria jurídica prévia. O caput estabelece a quem recai a competência de ofertar assistência técnico-jurídica ao Ministro — Consultoria Jurídica e o Assessor Especial de Controle Interno — no controle interno da legalidade dos atos por ele a serem praticados. Não condiciona qualquer ato à análise jurídica prévia. Logo, trata-se nitidamente de um parecer, se solicitado, de natureza facultativa. Caso um ato seja submetido à análise, a pedido do Ministro, e este vier a aprová-lo, por despacho normativo, passará a ser vinculante para todos os órgãos subordinados. O ato administrativo com caráter vinculante não é o parecer, mas o despacho normativo (ato subsequente). E o parecer que era facultativo, mesmo após a aposição do ato de aprovação, manterá seu perfil facultativo.

Agora vejamos o caso do art. 11, inciso VI, da Lei Complementar 73/1993, que trata da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União:

Art. 11 – Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
(…)
VI – examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:

Percebe-se que nesse caso, o texto condiciona a eficácia do ato à oitiva prévia da Consultoria Jurídica, mas, ao contrário do que pode parecer à luz de uma interpretação literal, a sua manifestação não é de natureza vinculante, pois não é de aprovação. A expressão usada no inciso VI é “examinar prévia e conclusivamente. Ora, conclusivo é o parecer que se posiciona em definitivo, que expressa opinião objetiva sobre a matéria examinada. Bem diferente da expressão usada na Lei de Licitações (“…devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da administração.”).

Por todo o exposto, considero como de natureza vinculante o ato de aprovação das minutas de editais de licitação, contratos, convênios e seus aditamentos, com a conseqüência, para a autoridade competente, de se ver limitado a expedir o ato na conformidade da manifestação. Conforme dissemos no trabalho imediatamente anterior a este, somente poderá exigir novo parecer, caso motive tal decisão a partir da verificação de que o parecer é inepto ou inconclusivo; mas somente dará seguimento ao processo licitatório diante da aprovação de sua Assessoria Jurídica.

Extensão da obrigatoriedade de análise prévia às minutas das cartas-convites

A despeito do pouco uso que se tem dado às modalidades licitatórias tradicionais (Concorrência, tomada de Preço e Convite), é oportuno fazer menção a um ponto que eventualmente possa parecer obscuro em razão da fragilidade do texto normativo aqui tratado. É que o dispositivo faz alusão a “minutas de editais de licitação…”, mantendo-se silente quanto à necessidade de exame prévio de legalidade das Cartas-Convites.

Com efeito, não se pode desprezar o fato de que a Lei Geral de Licitações e Contratos, em diversas passagens,[12] usou do expediente de classificar o gênero instrumento convocatório em duas espécies: edital e carta-convite. Em um primeiro momento, poder-se-ia argumentar no sentido de que, dada a atribuição de procedimento mais simplificado em relação às demais modalidades, inclusive o pregão, o espírito da norma seria exatamente esse, ou seja, dispensar a análise prévia de legalidade nos casos do instrumento convocatório relativo à modalidade Convite.

Jessé Torres e Marinês Restellato Dotti[13]assim entendem, afirmando categoricamente que “é dispensada a remessa da minuta da carta-convite para exame prévio e aprovação pela assessoria jurídica”, acrescentando que o fato de não ser obrigatório não retira a faculdade de o gestor público submetê-la a tal exame, caso entenda pontualmente necessário. Comunga da mesma opinião Carlos Pinto Coelho Motta[14], para quem, o exame das minutas de carta-convite, “perfilhando orientação do TCU em decisão específica [Decisão 300/02, DOU DE 16/4/02], pode ser dispensável.” Contudo, o mesmo autor faz destaque no sentido de que há posições doutrinárias divergentes, citando, a título de exemplo, a consultoria da Editora Zênite[15].

De fato, a Corte Federal de Contas parece se inclinar com a linha de entendimento da dispensa de exame prévio das minutas das cartas-convites, conforme se vê da orientação abaixo[16]:

“Minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. Quanto a convite, é dispensável a aprovação das respectivas minutas. A legislação não exige que os atos convocatórios de licitações realizadas nessa modalidade sejam examinados pelo setor jurídico.

A despeito das posições dos grandes mestres aqui citados e também do entendimento do TCU, entendo que a obrigatoriedade imposta no art. 38, par. único da L. 8.666/1993 alcança qualquer instrumento convocatório, inclusive as cartas-convites.

Não se nega que há uma distinção entre edital e carta-convite. Edital, na definição do Dicionário Houaiss[17], “é ordem oficial, aviso, postura, citação etc., que se prende em local próprio e visível ao público ou se anuncia na imprensa, para conhecimento geral ou dos interessados.” Logo, edital é um meio de aviso que se faz para conhecimento geral ou a determinado grupo, porém, sem destinatário direto.

Mais precisamente discorrendo sobre o edital de licitação, Celso Antônio Bandeira de Mello[18] identifica que se trata do “ato por cujo meio a Administração faz público seu propósito de licitar um objeto determinado”. Acrescenta que uma das funções do edital de licitações é dar “publicidade à licitação”. Este é o instrumento utilizado para as modalidades de Concorrência, Tomada de Preços e Pregão, cuja publicidade se dá por meio de publicação do resumo na imprensa oficial e em órgão de imprensa privada de grande circulação[19]. Na modalidade Convite, como é destinada às contratações de menor vulto, fora pensado em uma forma mais simplificada de divulgação. Assim, o §3º, do art. 22, da L. 8.666/1993 dispõe que:

“Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três)pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.” (grifo acrescentado)

Nota-se que o instrumento de convocação não será, sob o ponto de vista formal, um edital; e sim, um convite, que se materializará por meio de um instrumento de comunicação que a própria lei convencionou chamar de carta-convite. Os interessados, nessa modalidade, não tomam conhecimento por meio de uma convocação de alcance geral, mas, ao contrário disso, são diretamente convidados pela Administração a apresentar proposta nas condições estipuladas. Mas também é de se notar que a parte final do dispositivo supra transcrito revela uma faceta desta publicidade. É que ela determina a extensão do convite aos demais interessados por meio de afixação do instrumento “em local apropriado”. Por local apropriado, conforme referido na norma, entenda-se um mural de avisos. Ora, o instrumento da extensão do convite feito diretamente aos convidados é, na acepção conceitual, um edital.

Poder-se-ia sustentar, ad argumentandum tantum, que o instrumento convocatório (gênero) da modalidade convite, afixado “em local apropriado” ainda mantém a característica de carta-convite (espécie) por se tratar de um convite diretamente feito a pessoas determináveis, tendo em vista a lei fazer a seguinte menção: “…e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade…”. Mas a considerar válido tal argumento, o mesmo se diria do instrumento convocatório para a modalidade tomada de preços, posto que destinado também às empresas cadastradas no ramo pertinente, logo, a um público alvo igualmente determinável. Ademais disso, há inúmeras normas licitatórias locais em vigor (Leis e Decretos estaduais e municipais) que exigem a publicação do aviso em todas as modalidades, o que, in casu, faz sepultar a distinção formalística ora em debate.

Diante disso, não considero que a distinção formal entre edital e carta-convite seja fundamento suficiente para asfixiar um ato de controle de tamanha importância. E mais. Ao ser mantido o raciocínio de que as cartas-convites não necessitam de análise prévia de legalidade e aprovação, o mesmo raciocínio teria que ser aplicado às licitações realizadas na modalidade pregão cujo valor não ultrapassasse o limite estabelecido para a modalidade convite.

2.1.3 – A questão das minutas-padrão de editais e contratos.

Providência que já faz parte da rotina de inúmeros órgãos e entidades do Poder Público, inclusive, incentivada pelos órgãos de controle externo, é a elaboração de minutas-padrão de editais e contratos. Esse procedimento em muito agiliza os processos de contratação na medida em que se gasta muito menor tempo para realizar os atos necessários à formalização do ajuste. Ademais disso, também tem o condão de estabilizar as cláusulas que poderiam sugerir dúvidas das unidades técnicas, evitando o retrabalho com idas e vindas das minutas ao órgão consultivo para os reparos necessários.

Há farta jurisprudência na Corte Federal de Contas[20] no sentido de que toda minuta deva ser examinada pela assessoria jurídica. Porém também é entendimento pacificado que nesses casos, havendo mera adaptação do ato convocatório à minuta-padrão, esta, necessariamente aprovada pelo órgão jurídico, tais minutas adaptadas não prescindem de parecer autônomo, o que não lhe afasta o caráter vinculante da manifestação. Veja-se o precedente abaixo:

“(…)A despeito de haver decisões do TCU que determinam a atuação da assessoria jurídica em cada procedimento licitatório, o texto legal – parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 – não é expresso quanto a essa obrigatoriedade. (…) Assim, a utilização de minutas-padrão, guardadas as necessárias cautelas, em que, como assevera o recorrente, limita-se ao preenchimento das quantidades de bens e serviços, unidades favorecidas, local de entrega dos bens ou prestação dos serviços, sem alterar quaisquer das cláusulas desses instrumentos previamente examinados pela assessoria jurídica, atende aos princípios da legalidade e também da eficiência e da proporcionalidade. ”[21]

Por assim dizer, caso o órgão adote a rotina de fixar minutas-padrão, poderá dispensar a ida de cada processo ao órgão consultivo para aprovação, pois esta estará configurada na aprovação da minuta-padrão, o que não afastará a responsabilidade do parecerista sobre seu teor, a despeito de não ter se manifestado especificamente naquele processo. Ao mesmo tempo, compete ao Gestor apontar que a minuta foi elaborada de acordo com o modelo-padrão já aprovado[22], fazendo referência ao processo no qual a manifestação se encontra.

Um cuidado importante deve ser tomado pelo Assessor Jurídico logo que toma posse na função. Pode ser que ao ingressar no cargo o órgão já disponha de minutas padrão já aprovadas pela assessoria jurídica anterior. Em existindo, muito provavelmente, as unidades técnicas podem ter adotado a rotina de encaminhar os editais diretamente para publicação, sem a ida ao órgão consultivo jurídico. O novo ocupante deve procurar saber dessa circunstância e, se for ocaso, rever as minutas-padrão, promovendo os ajustes que reputar necessários.

Conclusão

Diante do que foi exposto, concluímos no sentido de que:

a) a manifestação do assessor jurídico no exame das minutas de que cuida o art. 38, par. Único da Lei. nº. 8.666/93 é de natureza vinculante, não podendo a autoridade competente decidir de forma diversa daquela manifestada no parecer;

b) a obrigatoriedade de exame das minutas de que tratam o dispositivo acima citado se estende às cartas-convites;

c) as minutas-padrão devem ser igualmente submetidas à análise da Assessoria Jurídica da Administração, mas, os editais e contratos que deles forem gerados não exigirão novo exame, desde que estejam integralmente alinhados à minuta-padrão aprovada;

d) caso o parecer indique a necessidade de adequação de cláusulas da minuta apresentada, deverá a autoridade superior encaminhá-la aos setores competentes para adequação nos moldes propostos pela Assessoria Jurídica, ou, caso entenda inoportuna a contratação, determinar o arquivamento do processo;

e) conforme exposto no texto anterior[23], na hipótese de a autoridade superior vir a reconhecer que o parecer fora elaborado, adotando tese vanguardista, ou que se mostre inconclusivo ou inconsistente, poderá solicitar novo parecer, devendo, neste caso, motivar o ato e manter ambos os pareceres nos autos do processo, por força do disposto no art. 38, IV da Lei no. 8.666/1993;

 *Luiz Claudio Chaves é especialista em Direito Administrativo, professorda Escola Nacional de Serviços Urbanos-ENSUR e da Escola de Administração Judiciária-ESAJ/TJRJ; professor convidado da Fundação Getúlio Vargas e da PUC-Rio. Autor das obras Curso Prático de Licitações-Os Segredos da Lei no. 8.666/93, Lumen Juris e Licitação Pública – Compra e Venda governamental Para Leigos, alta Books. Apresenta regularmente, em âmbito nacional o seminário: A função do Assessor Jurídico no controle prévio de legalidade nos processos licitatórios: competências e responsabilidades.


[1] Eficácia nas Licitações e Contratos. 11a ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 426. No mesmo trecho, o autor inclui como sendo de mesma categoria o parecer descrito no art. 38, VI da L. 8.666/93, que será alvo de análise mais adiante.
[2] Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15a ed., São Paulo: Dialética, 2012, p. 595.
[3] Limitações Constitucionais da atividade contratual da Administração Pública. Sapucaia do Sul: Notadez/Datadez, 2010
[4] Direito Administrativo .27a ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 242.
[5] Discricionariedade administrativa: uma releitura a partir da constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 101-103.
[6] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p.290.
[7] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição, trad. MENDES, Gilmar Ferreira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 22-23
[8] A subjetividade o intérprete na análise de princípios e regras como problema não de interpretação, mas de aplicação da norma, in Hermenêutica: interpretação jurídica. BEÇAK, Rubens e MORAIS, José Luiz Bolzan de (coords). São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 371
[9] ILC, Zênite, n.65, pág. 512. Curitiba, 1999.
[10] Acórdão no. 5.536/2010, Primeira Câmara, Rel. Min. Augusto Nardes.
[11] Acórdão no. 1.337/2011, Plenário, Rel. Min. Walton Alencar.
[12] Veja-se a redação dos seguintes dispositivos: Art. 21, § 3ºOs prazos estabelecidos no parágrafo anterior serão contados a partir da última publicação do edital resumido ou da expedição do convite, ou ainda da efetiva disponibilidade do edital ou do convite e respectivos anexos, prevalecendo a data que ocorrer mais tarde; Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo (…), e ao qual serão juntados oportunamente: I – edital ou convitee respectivos anexos, quando for o caso; II – comprovante das publicações do edital resumido, na forma do art. 21 desta Lei, ou da entrega do convite; Art. 44, § 2ºNão se considerará qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes.; “Art. 45, § 1º Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso: I – a de menor preço – quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço; Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: (…) XI – a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convitee à proposta do licitante vencedor; Art. 75 . Salvo disposições em contrário constantes do edital, do conviteou de ato normativo, os ensaios, testes e demais provas exigidos por normas técnicas oficiais para a boa execução do objeto correm por conta do contratado.
[13] Responsabilidade da Assessoria Jurídica no Processo Administrativo de Licitações e Contratações. Disponível em: www.agu.gov.br/page/download/index/id/5798674
[14]Eficácia nas Licitações e Contratos. 11a ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 38.
[15]ILC no. 128, 2004, p.963.
[16]Licitações e Contratos – Orientações Básicas. 4ª. ed., Brasília, 2010, p. 270.
[17] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, verbete.
[18]Curso de Direito Administrativo. 30ªed., São Paulo: Malheiros, 2013,, p.594.
[19] Para a modalidade Pregão, o Decreto 3.555/2000 prevê a extensão da publicidade de acordo com o valor estimado da licitação, sendo que a publicação na Imprensa oficial sempre obrigatória qualquer que seja o seu valor.
[20] Veja-se: Decisão 955/2002 Plenário; Acórdão 670/2008 Plenário; Acórdão 1330/2008 Plenário; Acórdão 2574/2009 Plenário; Acórdão 265/2010 Plenário; Acórdão 589/2010 Primeira Câmara.
[21]Acórdão 1504/2005 Plenário, Processo nº 001.936/2003-1, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues
[22] “Pedido de  reexame. Auditoria. Sociedade de Economia Mista. Licitação. Utilização de minutas-padrão de editais e contratos. Legalidade. Provimento. Insubsistência de determinação. (…) 2 – É legal a utilização de procedimentos licitatórios padronizados, desde que atenda aos princípios da legalidade, da eficiência, da proporcionalidade e que o gestor verifique a conformidade entre a licitação pretendida e a minuta-padrão do edital e do contrato previamente examinados e aprovados pelo órgão jurídico.” (Acórdão nº 392/2006, Plenário Processo nº 008.107/2005-4, Relator Min. Walton Alencar Rodrigues).
[23] Espécies e natureza das manifestações do parecerista(favor colocar a referência da publicação)

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

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