Rodrigo Pironti
Pós Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid.
Doutor e Mestre em Direito Econômico pela PUC-PR.
Advogado e parecerista.
www.pirontiadvogados.com
Em sua qualidade de “custos legis”, o Ministério Público desempenha um papel fundamental na garantia do efetivo respeito aos direitos assegurados pela Constituição. Nesse contexto, a competência prevista no artigo 129, inciso II, da Constituição Federal, reforça sua atribuição de zelar pela atuação dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, promovendo medidas que assegurem o respeito aos princípios constitucionais, dentre os quais se destacam a moralidade e a probidade administrativa.
A recente resolução 305/35 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que estabelece diretrizes para a atuação dos membros do Ministério Público na adoção de medidas preventivas em prol da defesa da probidade administrativa, em especial, o incentivo à implantação de Programas de Integridade, representa um avanço significativo no fortalecimento da moralidade administrativa perante os órgãos da Administração Pública.
A moralidade e a probidade administrativa são princípios que norteiam a atuação da administração pública e devem ser resguardados por mecanismos efetivos de controle e prevenção. Nesse sentido, os Programas de Integridade surgem como ferramentas estratégicas para o fortalecimento da ética e da transparência na gestão pública, permitindo a adoção de medidas concretas para prevenir e detectar irregularidades. Esses programas envolvem, dentre outros, o estabelecimento do contexto da organização, avaliação e priorização dos riscos de integridade, a implementação de códigos de conduta, canais de denúncia independentes e que garantam a proteção ao denunciante, mecanismos de controle interno adequados e seu efetivo monitoramento, a capacitação contínua de servidores, dentro outros aptos a criar um ambiente institucional mais íntegro e eficiente.
A iniciativa do CNMP, ao estabelecer diretrizes para o estímulo a adoção desses Programas, reforça a necessidade de uma atuação preventiva e educativa do Ministério Público, buscando, com isso, não apenas responsabilizar agentes públicos e privados envolvidos em práticas ilícitas, mas também criar um ambiente de cultura organizacional baseada na ética e na conformidade, capazes de prevenir uma atuação repressiva do Estado.
Diante desse cenário, o Ministério Público assume um papel relevante na disseminação da cultura de integridade, orientando e fiscalizando a adoção de práticas que fortaleçam a governança pública, já que, ao incentivar a implantação dos Programas de Integridade, contribui diretamente para a consolidação de uma Administração Pública mais eficiente, ética e alinhada aos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.
É neste sentido que a resolução recém editada parece se amoldar ao papel do Ministério Público de incentivador de boas práticas de governança.
O motivo para este incentivo resta claro na própria Resolução, qual seja, a inércia dos municípios brasileiros na implementação de Sistemas de Integridade, que reflete um grave descaso com o dever constitucional de garantir uma Administração Pública eficiente, proba e transparente.
Para isso, fundamenta sua norma, dentre outros, no importante Diagnóstico Nacional de Controle Interno, divulgado pelo Conselho Nacional de Controle Interno (CONACI), no ano de 2022, que ressaltava que quase 60% dos municípios brasileiros ainda não havia regulamentado a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13). O dado é alarmante, pois revela não apenas a negligência dos gestores públicos, mas também a fragilidade dos mecanismos de controle interno vinculados aos temas de integridade. O mesmo diagnóstico também apontou que mais de 90% dos municípios não possuíam Programas de Integridade próprios, demonstrando a ausência de uma cultura institucional voltada à ética e à prevenção da corrupção. Esse cenário evidenciado pelo CONACI em 2022 demonstra que a grande maioria dos Municípios ignora princípios fundamentais da administração pública, como os da moralidade, eficiência e transparência, e evidencia uma necessidade cogente de mecanismos capazes de alterar essa realidade.
A negligência na implementação desses Sistemas compromete a credibilidade das instituições públicas, afasta investimentos e mantém um ambiente propício à corrupção e à impunidade.
É, portanto, imperativo que os municípios encarem a integridade como um compromisso sério e inadiável. Não basta a mera formalização de normativas; é necessária uma metodologia estruturada, com metas claras, capacitação contínua e monitoramento efetivo.
É com este objetivo que parece ter sido editada a Resolução 305/25 do CNMP, para alertar que a responsabilidade dos gestores públicos não se limita à gestão administrativa e de recursos, mas se estende à construção de uma governança íntegra e confiável.
Com isso, o incentivo proposto pela Resolução, à implantação de Programas de Integridade nos órgãos da Administração Pública, se dará na atuação diária dos membros do Ministério Público, o que fortalece a Instituição como um pilar essencial na defesa da probidade administrativa. Estes membros deverão – dentre outros – adotar medidas preventivas que estimulem a construção e o fortalecimento de uma cultura de integridade nos órgãos e entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, bem como estabelecer parcerias com a sociedade civil, setor privado e cidadãos, assegurando que a reputação institucional esteja sempre vinculada à ética, responsabilidade e integridade (artigos 1 e 2 da Resolução 305/25).
Para esta tarefa o membro do Ministério Público deverá pautar sua fiscalização preventiva (ou análise diagnóstica), em alguns parâmetros que, em realidade, traduzem os já conhecidos pilares de um Sistema de Integridade:
Art. 3. Para o desenvolvimento de medidas preventivas em prol da defesa da probidade administrativa deve o membro do Ministério Público observar os seguintes parâmetros e princípios para o fomento de Programas de Integridade na Administração Pública:
I – comprometimento de todos os agentes públicos, especialmente da alta administração, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade aplicáveis a todos os agentes públicos, assim como a terceiros que venham a ter qualquer tipo de relação com a Administração Pública;
III – informação, capacitação, treinamento, orientação e comunicação periódicas para os públicos interno e externo sobre ética e integridade, com o incentivo e a participação da alta administração para a disseminação da cultura de integridade;
IV – análise, avaliação e gestão periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao Programa de Integridade;
V – controles internos que assegurem a eficácia do Programa de Integridade;
VI – criação de uma instância interna responsável pela implementação do Programa de Integridade, garantindo-lhe independência e estrutura necessárias ao desempenho de suas funções;
VII – viabilização de canais permanentes de comunicação, abertos, seguros e amplamente divulgados aos agentes públicos e terceiros, disponibilizado com o objetivo de receber denúncias internas e externas relativas ao descumprimento do Programa de Integridade, assegurada a proteção de denunciantes e o tratamento das denúncias conforme o referido programa;
VIII – diligências apropriadas, baseadas em risco, para a realização de concursos públicos, processos seletivos, contratação de pessoas e de bens e serviços e para realização e supervisão de patrocínios e doações;
IX – adoção de procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva mitigação e neutralização dos danos gerados;
X – adoção de medidas disciplinares em caso de violação do Programa de Integridade;
XI – monitoramento contínuo do Programa de Integridade visando ao seu aperfeiçoamento, contemplando a supervisão de indicadores de desempenho e de risco.
A estrutura de fiscalização proposta pela Resolução se dará por meio de um diagnóstico, assim como previsto em seu Capítulo II, que será encaminhado aos órgãos públicos e suas respostas e documentos comprobatórios, posteriormente avaliados pelo MP.
O diagnóstico, que será realizado pelos membros do Ministério Público, terá como finalidade identificar a existência e o funcionamento de Programas de Integridade efetivos e não meramente formais, pois são a base para garantir que as políticas públicas de combate à corrupção e de promoção da transparência sejam realmente eficazes. É o diagnóstico, portanto, mecanismo fundamental para assegurar que os Programas de Integridade não sejam apenas uma formalidade, mas um conjunto de medidas concretas e eficazes para combater a corrupção e promover boas práticas dentro da Administração Pública.
Em resumo, o passo a passo a ser seguido pelos órgãos do Ministério Público, conforme disposto na Resolução, é o seguinte:
- Instaurar Procedimento Administrativo (Art. 4º): O membro do Ministério Público deve iniciar um procedimento administrativo para verificar a existência e funcionamento de Programas de Integridade, caso não exista outro procedimento investigativo sobre o tema.
- Solicitação de Questionário (Art. 4º, § 1º): O Ministério Público poderá solicitar à Administração Pública o preenchimento do questionário disponível no sistema “e-Prevenção” do Tribunal de Contas da União ou plataforma similar. Caso isso não seja viável, deve adotar outras medidas para a verificação.
- Análise das Respostas e Diligências (Art. 5º): Com base nas respostas ao questionário e outras diligências, o Ministério Público poderá sugerir medidas para a implantação, adequação ou acompanhamento do Programa de Integridade.
- Verificação da Efetividade do Programa (Art. 6º): O diagnóstico deve considerar a eficácia do Programa de Integridade, identificando programas meramente formais que não estejam adequadamente estruturados ou implementados.
- Ação para Implementação ou Adequação (Art. 7º): Após o diagnóstico, o Ministério Público deve negociar com os agentes públicos e adotar providências para implementar ou ajustar o Programa de Integridade, com base nas informações obtidas.
- Medidas para Efetiva Implantação e Adequação (Art. 8º): Algumas das medidas incluem o fomento à adesão ao Programa Nacional de Prevenção à Corrupção (PNPC) ou similar; a adoção de norma específica para a implementação do Programa de Integridade; a estruturação de canais de comunicação com a população e órgãos de controle interno; a promoção da cultura de prevenção, com a realização de treinamentos periódicos, dentre outros;
- Atuação Integrada do Ministério Público (Art. 9º): O Ministério Público deve buscar ações coordenadas entre suas unidades para implementar medidas preventivas em prol da integridade na Administração Pública.
Em conclusão, a Resolução do CNMP é louvável e relevante em um contexto em que a negligência na implementação e na manutenção de Sistemas de Integridade na Administração Pública não só compromete a credibilidade das instituições públicas, mas também gera uma série de consequências negativas de longo alcance.
Quando os Programas de Integridade são ignorados ou falham em suas funções preventivas, o ambiente se torna vulnerável à corrupção, à impunidade e à falta de transparência. Esse cenário afasta potenciais investimentos, essenciais para o desenvolvimento econômico e social, e compromete a confiança da população nas Instituições. Além disso, os gestores públicos que se omitem ou negligenciam a implementação adequada desses Sistemas de Integridade se expõem a riscos jurídicos e administrativos e, sua omissão, pode dar ensejo a prática de atos fraudulentos, desvios de recursos e outros atos de improbidade, que poderão resultar em graves sanções aos responsáveis.
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