A TRANSPARÊNCIA NO ÂMBITO DO SISTEMA “S”

Sabe-se que os Serviços Sociais Autônomos desempenham atividades de grande relevância à sociedade, atuando em áreas como educação, cultura, aprendizagem industrial, comercial e rural, cooperativismo, no fomento às microempresas e empresas de pequeno porte, entre outras, contribuindo de forma salutar para o desenvolvimento de vários setores e para a concretização, inclusive, de direitos fundamentais sociais.

Acerca da importante atuação dos Serviços Sociais Autônomos, cumpre colacionar doutrina de Thiago Bueno de Oliveira:

“Em apertada síntese, podemos afirmar que os Serviços Sociais Autônomos (concepção antiga) já tiveram sua justificação fundada no dever assistencial genérico do Estado. Hoje, em sua faceta moderna (como entidades de colaboração governamental), mais do que uma atividade meramente educacional e assistencial, elas se justificam como atividades de fomento público, em que o Estado tenta promover e desenvolver uma plena aptidão técnica, física ou mental do homem para progredir no trabalho.
A lógica está na efetivação dos direitos econômicos e sociais, que ganham evidência e reforço pela instauração de um processo hermenêutico legitimado pelos princípios fundamentais e pelos direitos fundamentais, voltado à sua própria concretização. Com isto resguardam-se os valores juridicizados no texto constitucional, que consubstanciam o aspecto teleológico do Estado Democrático de Direito, e que se confundem com a realização da própria Constituição.
(…)
Nestes termos, os entes de colaboração governamental impactam de sobremaneira na busca do pleno emprego, na medida em que maximizam, por meio de ações concretas estabelecidas em seus objetivos institucionais, as oportunidades de emprego produtivo, seja por meio do comércio, indústria, cooperativismo, micro e pequenas empresas, transporte, agricultura e exportação, visando à justiça social e ao desenvolvimento nacional.
Com efeito, verifica-se que as ações das entidades de colaboração governamental revestem-se, indubitavelmente, de elevados objetivos de ordem pública, podendo ser qualificadas como sendo benemerentes e de assistência social, na medida em que materializam a consecução do ideário consagrado no art. 203, inciso III, da Constituição Federal, ou seja, a promoção da integração ao mercado de trabalho”.[1]

Assim, não restam dúvidas de que tais Entidades auxiliam o Estado no cumprimento dos objetivos delineados no art. 3º da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação.

E para a consecução desse desiderato, os Serviços Sociais Autônomos recebem as denominadas contribuições parafiscais, as quais representam montante considerável. Com efeito, em 2016, as principais entidades receberam juntas receita superior a R$ 15 bilhões [2], sendo indispensável, por evidente, acurado controle na aplicação desses recursos. A fim de que o controle – inclusive pela sociedade – seja viável, faz-se necessária a transparência das ações realizadas por estes Serviços Sociais, consoante restou consignado no Acórdão 699/16, do Plenário:

“Mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência resulta em um clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor.
Para o caso do Sistema ‘S’, que é financiado basicamente com recursos públicos, a transparência ultrapassa o simples ‘desejo de informar’, tornando-se um dever para com a população que financia indiretamente o funcionamento dessas entidades.”

Com efeito, em levantamento realizado pelo TCU em 2016, nos termos do Acórdão anteriormente citado, foram identificadas fragilidades na transparência no âmbito do Sistema S, razão pela qual a Corte de Contas recomendou:

“ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator, em:
9.1. recomendar às entidades do “Sistema S” regionais e nacionais (Senac, Senar, Senai, Sesc, Sesi, Sebrae, Sest/Senat, Sescoop) que divulguem amplamente nos seus respectivos sítios eletrônicos, de maneira centralizada, em cada um dos departamentos nacionais:
9.1.1. os orçamentos originais e executados nos mesmos moldes e nível de desagregação dos que são encaminhados aos ministérios supervisores para aprovação;
9.1.2. os documentos de aprovação dos orçamentos (portarias) e os orçamentos retificadores, quando houver;
9.1.3. as demonstrações contábeis, elaboradas, no que couber, de acordo com a NBC-T 16.6, assinadas pelos contadores responsáveis e com indicação dos nomes dos dirigentes;
9.1.4. as seguintes informações sobre os processos licitatórios em andamento e os recém finalizados, bem como os editais correspondentes: modalidade, natureza e descrição do objeto, data da abertura das propostas, critério de julgamento, data da homologação, resultado do certame, identificação dos licitantes, valores das propostas, registro dos recursos apresentados e respostas aos recursos, e situação da licitação (em execução, suspensa, concluída);
9.1.5. informações sobre os contratos celebrados, nos mesmos moldes que forem definidos para os relatórios de gestão;
9.1.6. informações sobre as atividades e vagas gratuitas nos cursos, indicando com clareza as gratuidades instituídas por decreto;
9.1.7. informações referentes às transferências de recursos, seja por convênio seja por qualquer outra forma de ajuste, com destaque para aquelas efetuadas para as federações e confederações empresariais, nos mesmos moldes que forem definidos para os relatórios de gestão;
9.1.8. informações sobre receitas e despesas das entidades, com a especificação de cada receita e despesa constante dos respectivos orçamentos, discriminadas por natureza, finalidade e região, destacando a parcela destinada a serviços sociais e a formação profissional, especialmente com relação à despesa detalhada por modalidade de licitação, nos moldes que serão definidos para os relatórios de gestão;
9.1.9. os valores mínimos e máximos de cada faixa salarial, o quantitativo de empregados em cada uma dessas faixas, e os critérios para a evolução na carreira, bem como os valores de gratificações que possam impactar na remuneração final dos empregados de acordo com o plano de cargos e salários;
9.2. recomendar a todas as entidades do “Sistema S”:
9.2.1. que estudem a possibilidade de disponibilizar, observando a autonomia regional de cada departamento, o acesso centralizado às informações e dados padronizados objeto destas recomendações, cuidando para que a periodicidade de atualização seja suficiente para mantê-los atuais;
9.2.2. que suas demonstrações contábeis sejam auditadas por auditores independentes;
9.2.3. que envidem esforços para a melhoria dos seus processos de controle, estudando a viabilidade da implantação de unidades de auditorias internas, sem perder de vista a autonomia regional de cada departamento, a fim de aprimorar a eficácia dos seus processos de gerenciamento de riscos, controle e governança;
9.2.4. que, a partir do estímulo e da orientação dos órgãos nacionais, aprimorem seus serviços de atendimento aos clientes/cidadãos, de forma a facilitar o acesso destes às informações e aos dados das entidades, prestando serviços por departamento, de forma presencial e remota;
9.2.5. que avaliem a viabilidade de instituição ou de aprimoramento, caso já existentes, de ouvidorias e de códigos de ética e de conduta, observando a autonomia regional de cada departamento, de forma a aprimorar os serviços de atendimento ao cidadão;
9.2.6. que fixem prazos para cada uma das etapas do atendimento e implementação de sistemas de monitoramento e controle de prazos, de forma a aperfeiçoar a gestão dos serviços de atendimento prestados aos cidadãos;
9.3. determinar, por força do estabelecido na NBC T 16.1, às entidades do Senar e quaisquer outras entidades do “Sistema S” que ainda não o tenham feito, que, no prazo de um ano, contado da notificação dessa deliberação, adequem seus sistemas contábeis, de forma que suas demonstrações contábeis sejam elaboradas, no que couber, com base na contabilidade aplicada ao setor público, seguindo os moldes exigidos pela NBC T 16.6, admitindo-se a utilização concomitante da contabilidade empresarial, se assim entender necessário e conveniente a entidade jurisdicionada.
9.4. determinar às entidades do “Sistema S” (Senac, Senar, Senai, Sesc, Sesi, Sebrae, Sest/Senat, Sescoop), com fulcro no art. 43, I, da Lei 8.443/1992 c/c o art. 250, II, do RI/TCU, que, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar do recebimento da comunicação, encaminhe plano de ação a este Tribunal, previamente discutido com os atores envolvidos, que contemple o cronograma de adoção, ainda que parcial, das medidas necessárias à implementação das recomendações constantes nos itens 9.1 e 9.2 deste acórdão, com a indicação de prazos e responsáveis, bem como justificativas a respeito de eventual impossibilidade ou inviabilidade de implementação da recomendação alvitrada;
9.5. determinar à SecexPrevidência que:
9.5.1. apresente proposta à Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex), por meio da Diretoria de Normas e Gestão de Contas (Contas) da Secretaria de Métodos e Suporte ao Controle Externo (Semec), para discussão, avaliação e inclusão das seguintes informações nos relatórios de gestão e no Sistema e-Contas:
9.5.1.1. informações individualizadas das receitas e despesas, dos contratos, dos dados de remuneração de empregados e dirigentes e transferências das entidades do “Sistema S”, conforme leiaute estabelecido nos anexos XII a XVI (peça 124) dos autos;
9.5.2. monitore o cumprimento das determinações e recomendações constante dos itens 9.1, 9.2, 9.3 e 9.4 deste acórdão;
9.6. dar ciência desta deliberação à Presidência do Congresso Nacional, à Comissão Mista de Orçamento e ao Senador Ataídes Oliveira ;
9.7. encerrar o processo e arquivar os autos”.

A melhoria da Governança nas Entidades do Sistema S e, como corolário, da própria transparência, é a grande blindagem para assegurar que os recursos gerenciados pelo Sistema “S” sejam aplicados na consecução das atividades finalísticas para as quais cada Entidade foi criada.

Nesse sentido, consoante amplamente divulgado pela mídia, no recente Acórdão nº. 1904/2017–Plenário, do Tribunal de Contas da União (TCU), de 30 de agosto de 2017, foi autorizada a fiscalização nos departamentos nacionais e regionais dos Serviços Sociais Autônomos com o escopo de averiguar:

“9.3. autorizar desde logo, com fundamento nos arts. 1º, II, e 38, I, da Lei 8.443/1992, a realização de fiscalizações nas unidades nacionais e regionais do Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sest, Senat, Senar, Sescoop, ABDI, Apex‑Brasil e Sebrae, com o escopo de averiguar as questões abaixo listadas, oriundas do requerimento formulado pela comissão solicitante do Senado Federal:
9.3.1. balanços patrimoniais, em âmbito nacional e regional;
9.3.2. disponibilidades financeiras em 31/12/2015 e 31/12/2016;
9.3.3. receitas efetivamente arrecadadas nos anos auditados:
9.3.3.1. via Instituto Nacional do Seguro Social e Secretaria da Receita Federal do Brasil, comparando as informações com o informado pelas entidades em seus balanços patrimoniais;
9.3.3.2. arrecadação direta e respectivos repasses dos Sesi e Senai regionais feitos às entidades nacionais congêneres;
9.3.3.3. outras receitas, tais como:
9.3.3.3.1. aplicações financeiras; e
9.3.3.3.2. aluguéis, exploração de restaurantes e cursos cobrados.
9.3.4. despesas, principalmente as classificadas nas rubricas publicidade, patrocínios, eventos, comunicação social e similares, como: jornalismo, relações públicas, marketing, dentre outras;
9.3.5 transferências de recursos às federações e confederações a título de participação na aquisição de imóveis de uso comum;
9.3.6. folhas de pagamento de pessoal;
9.3.7. percentual de gratuidade na oferta de cursos e treinamentos;
9.3.8. transparência do Sistema; e
9.3.9. investimentos em áreas que não dizem respeito à natureza das atribuições originais dessas instituições;
9.4. autorizar à Segecex e/ou à Secex/Previdência a execução do seguinte plano de trabalho para propiciar o atendimento à solicitação:
9.4.1 que as fiscalizações referidas no subitem 9.3. retro sejam realizadas em blocos, podendo ser realizadas inclusive simultaneamente, observando em todo o caso a seguinte ordem de prioridade:
9.4.1.1. primeiro bloco: despesas contratuais;
9.4.1.2. segundo bloco: transparência das informações, inclusive nas demonstrações financeiras das entidades, gratuidade dos cursos e investimentos em áreas que não dizem respeito à natureza das atribuições originais das instituições;
9.4.1.3. terceiro bloco: folha de pagamento e;
9.4.1.4. quarto bloco: balanços patrimoniais, receitas, transferências e disponibilidades financeiras”.

Para discutir os reflexos desse recente Acórdão, convidamos os clientes da JML para o treinamento que será realizado nos dias 28 e 29 de novembro de 2017, em Curitiba, Paraná, com a seguinte temática: “Auditoria nas Entidades do Sistema S e o papel do Tribunal de Contas da União”.


[1]  OLIVEIRA, T. B. de. Os Serviços Sociais Autônomos e a vedação ao retrocesso social. In: Revista JML de Licitações e Contratos, Curitiba, n. 25, p. 45, dez. 2012.
[2] Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/sistema-s-arrecada-quatro-vezes-mais-que-o-imposto-sindical-mas-nele-ninguem-mexe-7ngag7ymakaek25unqehza0cx

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