AQUISIÇÃO DE BENS E INSUMOS E CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PARA O ENFRENTAMENTO DA EMERGÊNCIA GERADA PELA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONTRATAÇÃO DIRETA: EXCEÇÃO AO DEVER DE LICITAR. 3. ENFRENTAMENTO À EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS: INSTRUMENTOS POSSÍVEIS. 3.1.   CONTRATAÇÃO DIRETA POR EMERGÊNCIA – HIPÓTESE DO ART. 24, INCISO IV, DA LEI Nº 8.666/93. 3.2. CONTRATAÇÃO DIRETA, POR DISPENSA DE LICITAÇÃO, INTRODUZIDA PELA LEI Nº 13.979/2020. 3.3. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO NA MODALIDADE PREGÃO: INOVAÇÕES TEMPORAIS TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.979/2020. 3.4. FORMALIDADES ADICIONAIS ÀS CONTRATAÇÕES FEITAS COM BASE NA LEI Nº 13.979/2020. 3.5. REGRAS CONTRATUAIS ESTATUÍDAS PELA LEI Nº 13.979/2020. 4. CONCLUSÃO. Referência

1. INTRODUÇÃO

Estamos acompanhando um exponencial aumento de contaminações advindas do novo Coronavírus, não só no Brasil, mas no MUNDO inteiro.

Não por menos, no dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde – OMS decretou a pandemia do Covid-19, doença causada pelo novo Coronavírus (Sars-Cov-2), em razão do aumento do número de casos e a disseminação global dele resultante.

Naturalmente, uma situação de pandemia dá ensejo a um colapso não só no sistema de saúde pública, mas também no privado, assim como acarreta reflexos negativos no cenário econômico, tal como temos acompanhado nos últimos tempos. Neste contexto, ao Poder Público incumbe a difícil tarefa de planejar, com urgência, ações excepcionais e temporárias para a resolução de problemas extraordinários, com a finalidade de controlar a disseminação do vírus e a contaminação das pessoas.
Antes, porém, da citada declaração, pela OMS, de pandemia do Covid-19, o Governo brasileiro já havia introduzido ações importantes para o enfrentamento e prevenção do Coronavírus em território nacional.

Nesse sentido, o Poder Executivo Federal prontamente enviou à Câmara dos Deputados um projeto contendo as citadas ações, o qual foi recepcionado em 04/02/2020 (PL 23/2020), votado em regime de urgência e devidamente aprovado na mesma data. O mesmo procedimento foi adotado no âmbito do Senado Federal, de forma que, já no dia 05/02/2020, o projeto foi aprovado e, em 06/02/2020, encaminhado à sanção presidencial.

Com a sanção ao citado projeto, ocorrida em 06/02/2020, foi publicada a Lei nº 13.979, que, dentre diversas ações de enfrentamento ao Coronavírus, introduziu, no cenário das contratações públicas, a hipótese de dispensa de licitação para as aquisições de bens e insumos e contratação de serviços na área da saúde destinados ao enfrentamento de saúde pública, a qual será tratada no presente arrazoado.

Regra geral, consoante preconiza o art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB), uma lei vigora até que outra a modifique ou revogue, salvo se destinada à vigência temporária, o que é o caso da norma a ser tratada neste artigo, consoante se previu em seu art. 8º.

A fim de conferir maior segurança às contratação realizadas com fulcro na Lei nº 13.979, foi editada a Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, que ampliou os objetos da dispensa de licitação, assim como simplificou a formalização de contratações que visem ao enfrentamento da emergência em saúde pública, trazendo inovações à licitação na modalidade pregão e à vigência e alterações dos contratos.

Desse modo, no presente artigo pretende-se, sem, é óbvio, ambicionar esgotar o tema, tecer comentários em torno dos instrumentos de que dispõe o gestor público para adoção das medidas necessárias ao enfrentamento da emergência em saúde pública causada pelo novo coronavírus (Covid-19).

2. CONTRATAÇÃO DIRETA: EXCEÇÃO AO DEVER DE LICITAR

É cediço que, diante da necessidade de aquisição de bens ou da contratação de quaisquer serviços, deve a Administração Pública observar a regra geral insculpida no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que se traduz no dever de licitar, senão vejamos:

Art. 37 Omissis
(…)
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Destaquei).

O referido dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei nº 8.666/93, a qual trouxe as diretrizes aplicáveis às contratações públicas da Administração Pública direta e indireta, com exceção das estatais, atualmente regidas pela Lei nº 13.303/16.

Em regra, a Administração Pública deve, portanto, se valer de regular procedimento licitatório para o atendimento de suas necessidades.

Há, todavia, exceções disciplinadas pela própria Lei nº 8.666/93, a qual veicula as hipóteses de licitação dispensada (art. 17), dispensável (art. 24 – rol taxativo) e inexigível (art. 25 – rol exemplificativo).  

É cediço que, nos casos em que a licitação é dispensada, não há opção outra ao administrador público que não atender ao reclamo legal, isto é, sequer se cogita a deflagração de procedimento licitatório.

A licitação será dispensável na hipótese de, conquanto seja viável a competição, não existir utilidade em deflagrar o procedimento licitatório, visto que, caso este se realizasse, o interesse público poderia, no caso concreto, restar comprometido, já que, muitas vezes, se reclama uma atuação mais célere, urgente e eficiente por parte do gestor público.

Não se discute aqui, por óbvio, algumas das hipóteses de dispensa que, a bem da verdade, se exprimem em uma verdadeira inviabilidade de competição, como é o caso, por exemplo, do fornecimento ou suprimento de energia elétrica ou gás natural com concessionário, permissionário ou autorizado, tratado no inciso XXII do artigo 24 da Lei nº 8.666/93.

A inexigibilidade de licitação ocorrerá sempre em que se estiver diante de uma comprovada situação de inviabilidade de competição (caput do art. 25), que é o fundamento nuclear da licitação, ou na ocorrência de uma das circunstâncias exemplificadas nas hipóteses estabelecidas nos incisos do art. 25.  

É mister registrar que, nas hipóteses tratadas pelo §§ 2º e 4º do art. 17, assim como pelo inciso III e seguintes do art. 24, bem como nas situações de inexigibilidade de licitação (art. 25), devem ser os autos, no que couber, instruídos na forma do parágrafo único do art. 26, isto é, com (i) os elementos que caracterizem a situação emergencial ou calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso; (ii) a razão da escolha do fornecedor ou executante; (iii) a justificativa do preço; e (iv) o documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados (quando for o caso).  

Ademais, o fato de ser dispensado, dispensável ou inexigível o procedimento licitatório, não significa dizer que não há que ser observado o dever de planejamento, que é o princípio norteador da atividade do administrador público.

Nesse sentido, toda contratação direta deve ser precedida de regular processo administrativo, no âmbito do qual seja devidamente justificada a necessidade e demonstrada a melhor solução (objeto) capaz de atende-la, a ele sendo juntado todos os artefatos que demonstram o regular planejamento.

3. ENFRENTAMENTO À EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS: INSTRUMENTOS POSSÍVEIS

3.1. Contratação Direta Por Emergência – Hipótese do art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93

Inicialmente, importa dizer que o bem jurídico tutelado pela contratação direta por emergência ou calamidade pública é traduzido nas necessidades coletivas e metaindividuais, ou seja, pressupõe-se que a ausência da imediata contratação acarretaria lesão a bens públicos e, por conseguinte, às próprias finalidades perseguidas pela Administração Pública.

Assim, no caso de uma emergência ou calamidade, o tempo necessário para a deflagração e conclusão dos trâmites de um procedimento licitatório se revela um fator impeditivo à sua própria realização, posto que a sua demora é inconciliável com o interesse público caracterizado pelo objeto perseguido pela contratação.

Nesse sentido, previu o legislador a hipótese de contratação direta engendrada no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, que assim preconiza:

Art. 24. É dispensável a licitação:
(…)
IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; (Destaquei)

Em síntese, para a correta aplicação da hipótese ora estudada, necessário se faz que haja a presença de uma situação anormal que impõe a imediata atuação por parte do Poder Público; que a atuação do Poder Público vise ao impedimento, atenuação  ou eliminação da situação anormal, a fim de evitar ou minimizar um dano, que pode ser efetivo ou potencial; que a solução encontrada para a situação dependa da contratação de terceiro, que executará o objeto necessário para evitar ou minimizar o dano; e que o procedimento licitatório para a seleção do terceiro seja inadequado para viabilizar o fim almejado, notadamente ante a impossibilidade de serem observados prazos e exigências para a deflagração do certame.

No que concerne à demonstração efetiva dos danos, há que restar devidamente caracterizado, no bojo do procedimento administrativo, que a urgência ensejará, concreta e efetivamente, danos a pessoas, bens e atividades da Administração Pública, de forma que a ausência da contratação ocasionará prejuízos irreparáveis.

Não se pode olvidar, como bem adverte Lucas Rocha Furtado[1], que “será sempre o interesse público que irá justificar a contratação direta”,cabendo ao administrador, diante da situação posta à sua análise, a tarefa de:

(…) confrontar a obrigação de licitar com os possíveis prejuízos ou riscos que poderão resultar da demora na celebração do contrato diante da realização do procedimento licitatório. Se desse confronto concluir-se que a realização da licitação irá causar ou poderá vir a causar sérios prejuízos à Administração ou à sociedade em geral, será autorizada a contratação direta. (Destaquei)

Há que ser respeitada, também, a regra da proporcionalidade na aplicação da contratação por emergência ou calamidade tratada nas linhas acima, analisando-a à luz dos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu.

Isto porque, a pretendida contratação deverá se revelar no meio apto para ser atingido o resultado almejado, isto é, eliminar o risco de dano ao interesse público (adequação), a partir da demonstração de inexistência de outra forma menos gravosa para tal anseio (necessidade) e do sopesamento entre o objeto a ser contratado diretamente e a restrição à igualdade de participação que normalmente decorreria de uma eventual licitação (proporcionalidade stricto sensu).

Há, também, outros limites implícitos a serem observados, sobretudo em decorrência da restrição ao princípio de igualdade.
O primeiro deles diz respeito ao objeto da contratação, que, de acordo com o permissivo de que trata a hipótese ora estudada, deve se restringir ao estritamente necessário para afastar o risco de dano ao interesse público originado pela situação de urgência.

Para o nobre jurista Renato Geraldo Mendes[2], a contratação direta fulcrada no dispositivo acima citado:

(…) pode ter por objeto qualquer solução capaz de resolver o problema, ou seja, obras, serviços e compras. A solução dependerá sempre do tipo de demanda que envolve a necessidade e caracteriza a emergência ou calamidade pública. Portanto, a ação administrativa pode visar à contratação de um terceiro para executar uma obra ou um serviço típico de engenharia; a pretensão pode envolver o fornecimento de bens, tais como vacinas, alimentos, medicamentos, água, equipamentos, máquinas, geradores de energia, etc. O fundamental aqui é demonstrar que o objeto do contrato é meio eficaz de solução para evitar ou atenuar prejuízo aos bens, pessoas ou atividades, em razão da situação anormal que exigiu a ação estatal. (Destaquei)

Outro limite objetivado pela norma é o prazo máximo de duração para a vigência do contrato decorrente da contratação direta em voga.

Isto porque, considerando as peculiaridades que caracterizam a hipótese ora tratada, foi previsto o prazo máximo de 180 dias para a execução do objeto contratado, vedando-se, em regra, a sua prorrogação, ainda que o prazo inicial do contrato tenha sido fixado a menor. Visou-se, com isso, evitar que uma situação marcada pela excepcionalidade pudesse se tornar ordinária/permanente, subterfugindo-se do dever de licitar.

Não obstante, destaca-se que o TCU já admitiu, em análises específicas, a prorrogação de contrato firmado por dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública, senão vejamos:

Relativamente a essa matéria, a jurisprudência consolidada do TCU é de que é vedada a prorrogação de contrato fundamentado na dispensa de licitação por emergência ou calamidade pública, exceto em hipóteses restritas, resultantes de fato superveniente, e desde que a duração do contrato se estenda por lapso de tempo razoável e suficiente para enfrentar a situação emergencial. Exemplos são os Acórdãos 1.667/2008-Plenário, 1.424/2007-1a Câmara, 788/2007-Plenário, 1.095/2007-Plenário bem como as Decisões 645/2002-Plenário e 820/1996-Plenário. (Destaquei)
(TCU, Acórdão nº 1.022/2013, Plenário)

Portanto, em situações excepcionalíssimas, é possível admitir a prorrogação de contrato emergencial, desde que seja devidamente comprovada a manutenção das razões que ensejaram a contratação ou, ainda, o surgimento de novas circunstâncias que exijam a mesma solução extraordinária. Em tais situações, a prorrogação deve ser feita pelo prazo estritamente necessário ao atendimento da urgência/emergência, sendo devidamente motivada e fundamentada pela autoridade competente.

Impende anotar, ainda, que a contratação emergencial, quando a situação urgente é causada pela própria Administração Pública, é indesejável e combatida pelos órgãos de controle.

Isto porque, a falta de planejamento, o atraso ou a omissão do administrador, denominados de “emergência fabricada”, não poderiam abrir margem para que fosse dispensada a competição ínsita do procedimento licitatório, ocasionando em direcionamento da contratação pública e contrariando os princípios constitucionais, sobretudo o da impessoalidade.

Nesse sentido, inclusive, se inclinava a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, conforme abaixo se denota:

(…)
O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:
1. conhecer do expediente formulado pelo ilustre Ministro de Estado dos Transportes para informar a Sua Excelência que, de acordo com as normas que disciplinam a matéria, o Tribunal não responde a consultas consubstanciadas em caso concreto;
2 responder ao ilustre Consulente, quanto à caracterização dos casos de emergência ou de calamidade pública, em tese: a) que, além da adoção das formalidades previstas no art. 26 e seu parágrafo único da Lei nº 8.666/93, são pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizado no art. 24, inciso IV, da mesma Lei: a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação; a.2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando a afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas; a.3) que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso; a.4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado; (Destaquei)
(TCU, Decisão nº347/94 – Plenário).

Ocorre, no entanto, que, embora possa ter havido desídia ou falta de planejamento do gestor público, há uma necessidade pública que, não raras as vezes, não pode ficar insatisfeita enquanto se espera a realização regular de um procedimento licitatório.

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União evoluiu para passar a admitir, em caráter excepcionalíssimo, a contratação direta pelo tempo estritamente necessário à realização de novo certame, desde que fosse apurada, concomitantemente, a responsabilidade de quem deu causa à contratação emergencial. Vejamos tal entendimento:

RECURSOS DE RECONSIDERAÇÃO EM PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. QUESTÕES RELACIONADAS A LICITAÇÕES E CONTRATOS. DISPENSAS FUNDAMENTADAS EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO APRESENTADO PELO ADMINISTRADOR. NÃO-PROVIMENTO DO RECURSO APRESENTADO PELA EMPRESA.
1. A situação prevista no art. 24, VI, da Lei nº 8.666/93 não distingue a emergência real, resultante do imprevisível, daquela resultante da incúria ou inércia administrativa, sendo cabível, em ambas as hipóteses, a contratação direta, desde que devidamente caracterizada a urgência de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
2. A incúria ou inércia administrativa caracteriza-se em relação ao comportamento individual de determinado agente público, não sendo possível falar-se da existência de tais situações de forma genérica, sem individualização de culpas. (Destaquei)
(TCU, Acórdão 1876/2007-Plenário)

Destaca-se, ainda, que, no mesmo sentido, a Advocacia Geral da União – AGU consolidou o seu entendimento, por meio do verbete da Orientação Normativa nº 11/2009, senão vejamo-lo:

ON nº 11/2009 da AGU
A contratação direta com fundamento no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, exige que, concomitantemente, seja apurado se a situação emergencial foi gerada por falta de planejamento, desídia ou má gestão, hipótese que quem lhe deu causa será responsabilizado na forma da lei. (Destaquei)

Destarte, mesmo que diante de falha no planejamento, por desídia ou má gestão do administrador, poderá ser dispensada a licitação com fulcro do art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93, desde que, por óbvio, sejam cumpridos os demais requisitos engendrados na norma, bem como apurada, de forma indissociável, a responsabilidade do agente causador.

No caso específico da situação de pandemia do Covid-19 que assola o Brasil, a qual requer o enfrentamento direto e urgente para a contenção e prevenção da disseminação do vírus, acredita-se que poderá o gestor, diante da necessidade de atendimento à situação que possa comprometer a segurança de pessoas, utilizar-se da hipótese de contratação direta, por dispensa de licitação, calcada no inciso IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93.

Tal possibilidade de contratação direta, por emergência, poderá ter por objeto não só os bens e serviços necessários na área de saúde pública, mas, também, v.g., educação ou outra política pública que, com urgência que torne impossível a deflagração de um procedimento licitatório, necessite ser imediatamente implementada para a contenção da disseminação do Coronavírus.

Cabe anotar, ainda, que a invocação da comentada hipótese, a nosso ver, independe da existência de decreto exarado pelo Poder Executivo, seja na esfera federal, estadual/distrital e/ou municipal, devendo, contudo, restar plenamente demonstrado, nos autos do processo administrativo, as circunstâncias que caracterizam a emergência ou calamidade – a qual, revestida de urgência, é capaz de impedir a deflagração do procedimento licitatório -, bem como a demonstração de que a contratação direta é o meio mais adequado, efetivo e eficiente para afastar os riscos de prejuízos e danos às pessoas.

Aliás, é mister asseverar que, segundo já entendeu o TCU, não basta haver um decreto do Município decretando, indistintamente, situação de emergência para que a contratação seja regular, senão vejamos[3]:

(…) a mera existência de decreto municipal caracterizando a situação do município como emergencial não é suficiente para enquadrar as contratações nos requisitos da Lei 8.666/1993 para dispensa de licitação. Era de se esperar que os pareceristas verificassem, no caso concreto, se os fatos que permeavam as dispensas de licitação se amoldavam, realmente, a alguma das hipóteses de dispensa da Lei de Licitações, o que não ocorreu (…) (Destaquei).

Obviamente, na contratação direta em apreço, outros requisitos deverão instruir os autos do processo, quais sejam, as razões de escolha do contratado/executor e a justificativa de preço a ser pago para a execução do objeto.

Para ambas as situações, a Administração Pública deverá, analisando o cenário, adotar cautelas no sentido de consultar o maior número de potenciais fornecedores ou executantes do objeto almejado, a fim de permitir a seleção da proposta mais vantajosa para o erário (ex vi Acórdão 955/2011 – Plenário, do TCU), cumprindo, por outro lado, o princípio da eficiência.

Acerca da análise a ser feita, valiosas são as sempre bem abalizadas lições de Marçal Justen Filho[4]:

(…) o risco de consumação de danos irreparáveis nunca apresentará dimensão temporal idêntica. Em certas hipóteses, a Administração disporá de alguns dias para promover a contratação. Em outros casos, a contratação deverá ocorrer no prazo de horas (se não minutos). A avaliação das formalidades cabíveis para produzir a contratação deverá tomar em vista essas circunstâncias. Quanto maior a extensão temporal que dispuser a Administração, tanto mais extensas e cuidadosas deverão ser as formalidades da Administração para evitar contratação nociva e assegurar a mais ampla participação possível de interessados. Isso significa que, dispondo de alguns dias para formalizar a avença, a Administração deve adotar um procedimento aberto a todos os interessados, divulgado pelos meios disponíveis o interesse em realizar a contratação, inclusive para o fim de obter propostas diversas. Mas se pode imaginar situação de emergência de tal ordem que todas as formalidades sejam impossíveis de serem atendidas. Nesses casos, a situação pode beirar a própria figura da requisição de bens. (Destaquei)

Como bem asseverado pelo ilustre doutrinador cujas lições acima foram transcritas, a adoção das cautelas antes indicadas dependerá do prazo de que disporá a Administração Pública para que a execução do objeto seja iniciada. Até porque, pensar diferentemente disso, esvaziaria a hipótese em si, que é adotada em situações anormais, de emergência ou de calamidade pública.

O fato de ser recomendada vasta pesquisa entre potenciais executores do objeto, não se está a impor a realização de uma competição entre eventuais proponentes, de forma a ser contratado aquele que oferte o menor preço, mas sim de permitir que o preço contratado se justifique, em termos de compatibilidade, perante ao mercado.

Nesse contexto, já entendeu o TCU, nos termos dos excertos abaixo transcritos, extraídos do voto do Ministro Benjamin Zymler, ser tolerável a instrução dos autos, a posteriori, uma vez que as propostas de mercado passam a assumir, no processo de dispensa, caráter secundário, uma vez que se visa, com elas, justificar a compatibilidade dos preços a serem pagos na contratação em relação ao praticado no mercado, verbis:

11. É certo que a situação motivadora da contratação direta deve ser devidamente evidenciada, a escolha da contratada deve ser justificada e os preços praticados devem ser os de mercado, sempre de acordo com o disposto nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993.
12. Nessa linha, a existência de outras propostas de preços, além daquela contratada, possui por objetivo justificar o preço a ser contratado. Não há que falar, como aponta a unidade técnica, na realização de um procedimento de disputa para se averiguar a proposta mais vantajosa. Caso assim fosse, não se estaria falando de dispensa de licitação, mas de licitação propriamente dita.
13. É bem verdade que, caso a contratação não ocorra pela proposta de menor preço, o gestor deve justificar o preço praticado e demonstrar as razões de seu procedimento (…).
(…)
16. Dito isso, considerando que a regularidade dos preços praticados restou confirmada por outros elementos constantes nos autos, a existência das propostas de preços assumiu um caráter apenas secundário no processo de dispensa. Em outras palavras, mesmo se inexistissem essas propostas, essas contratações diretas poderiam ser consideradas lícitas em relação ao preço praticado. (Destaquei)
(TCU, Acórdão nº 1.157/2013, Plenário)

No que se refere à escolha da empresa a ser contratada, destaca-se, em compasso ao entendimento esposado no mesmo Acórdão antes citado, que há, nas contratações diretas, certa margem de discricionariedade atribuída ao gestor, já que o primado da isonomia é pontualmente afastado em prol de outros interesses públicos. Vejamos o citado entendimento:

6. A unidade técnica argumenta que esses fatos caracterizariam fraude na condução do processo de dispensa, em razão do direcionamento da contratação para determinada empresa e a consequente violação do princípio da isonomia.
7. A respeito, observo que o raciocínio estaria correto caso se estivesse a tratar da realização de licitação. Nesse caso, sim, poder-se-ia falar em direcionamento ilícito da contratação e violação aos princípios da isonomia e da moralidade.
8. Entretanto, trata-se aqui de contratação direta. Ora, a essência desse instituto é exatamente a escolha do futuro contratado pela administração. Trata-se de opção do legislador, com expresso amparo no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, em que se entende que o interesse público será melhor atendido caso a administração efetue contratações sem a realização de prévia licitação.
9. Nessas situações, o princípio da isonomia tem a sua aplicação pontualmente afastada em prol de outros interesses públicos. No caso concreto, de acordo com o disposto no art. 24, inciso IV, da Lei 8.666/1993, a urgência em atendimento de situações de calamidade pública provocou a necessidade de realização de contratações por dispensa de licitação.
10. Em sendo assim, não vislumbro sentido em se falar em direcionamento ilícito para a realização de contratações diretas.
11. É certo que a situação motivadora da contratação direta deve ser devidamente evidenciada, a escolha da contratada deve ser justificada e os preços praticados devem ser os de mercado, sempre de acordo com o disposto nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993.
12. Nessa linha, a existência de outras propostas de preços, além daquela contratada, possui por objetivo justificar o preço a ser contratado. Não há que falar, como aponta a unidade técnica, na realização de um procedimento de disputa para se averiguar a proposta mais vantajosa. Caso assim fosse, não se estaria falando de dispensa de licitação, mas de licitação propriamente dita. (Destaquei)

Portanto, com base nas lições acima invocadas, é mister concluir ser possível – embora viável a competição – a realização de dispensa de licitação, fulcrada no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93 para a contratação de serviços e aquisição de bens com vistas ao enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente da pandemia causada pelo Coronavírus.

3.2. Contratação direta, por dispensa de licitação, introduzida pela Lei nº 13.979/2020

Preambularmente, é necessário destacar que há havia, no arcabouço normativo vigente, normas autorizadoras de adoção de medidas excepcionais para garantia da saúde pública, a exemplo das ações de vigilância epidemiológica inseridas no âmbito do Sistema único de Saúde (SUS), reguladas pela Lei nº 8.080/90 e Lei 6.259/75.

Não obstante, conforme sobredito nas linhas introdutórias deste artigo, em regime de extrema urgência, foi aprovada e sancionada, em 06/02/2020, uma lei específica para dispor sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus responsável pelo surto de 2019, qual seja, a Lei nº 13.979.

Em regra, uma lei é concebida para que sua duração seja por tempo indeterminado até que outra a modifique ou revogue, a teor do que dispõe o art. 2º, caput, do Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB)

As normas temporárias, destinadas à aplicação por determinado período ou circunstância (limitadas no tempo), constituem-se uma exceção à regra acima estipulada.

Considerando que o estado de emergência decorrente da pandemia causada pelo coronavírus é medida excepcional, a precitada norma introduzida recentemente, consoante preconizado em seu art. 8º, se presta a ter vigência temporária, cuja aplicabilidade será feita “enquanto perdurar o estado de emergência internacional pelo coronavírus responsável pelo surto de 2019”.

Na forma determinada pelo § 2º do art. 1º da novel norma em estudo, a duração da situação de emergência de saúde pública nela tratada será veiculada em ato do Ministro de Estado da Saúde.

Pois bem. Dentre outras medidas importantes trazidas pela novel normatização da situação excepcional ora vivenciada, interessa ao presente estudo tão somente aquelas aplicáveis às contratações públicas.

Nesse sentido, previu o art. 4º, da Lei nº 13.979/2020, com as alterações determinadas pela MP 926, que que:

Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.

Na redação original do precitado dispositivo, havia o legislador restringido a contratação à área da saúde, o que poderia inviabilizar o atendimento a emergência, para a mesma finalidade, atinente a outra área, como, por exemplo, educação. Ademais, não se tinha feito previsão da possibilidade de serem contratados serviços de engenharia, o que foi incluído a partir da MP 926, de 20 de março de 2020.

Desse modo, apenas se exclui da hipótese ora tratada a realização de obras, assim entendida como “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta” (art. 6º, inciso I, da Lei nº 8.666/93).

Outrossim, na forma insculpida no § 1º do art. 4º, o legislador foi preciosista ao consignar que a dispensa de licitação acima tratada é “temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.”.

A disposição acima é inerente a uma norma cuja vigência seja temporária, posto que, cessada a situação excepcional que ensejou a sua edição, as situações por ela possibilitadas deixam de existir, por perderem o seu fundamento de validade.

Em regra, as contratações diretas, decorrentes de dispensa ou inexigibilidade de licitação, além da demonstração dos requisitos das hipóteses que as autorizem, devem atender às regras de instrução dispostas nos incisos do parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/93.

No entanto, foi prevista, no art. 4º-B, da MP 926/2020, a presunção de atendimento das condições relativas à: (i) ocorrência da situação de emergência; (ii) necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; (iii) existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos e particulares; e (iv) limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.

Nesse sentido, presumem-se demonstradas as circunstâncias autorizadoras da hipótese de dispensa de licitação em si, o que não dispensa o gestor de justificar a escolha da empresa a ser contratada e do preço a ser pago para a execução do objeto (incisos II e III do parágrafo único do art. 26 da Lei nº 8.666/93).

Destaca-se que, ainda que se pudesse cogitar a não aplicação, ao instituto versado pela norma em apreço, do dispositivo acima transcrito, deve a Administração Pública subserviência aos primados básicos insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A justificativa quanto à escolha da empresa a ser contratada, seja para o fornecimento ou execução do serviço, é medida que visa ao atendimento dos princípios da impessoalidade e moralidade, posto que não é dado ao gestor realizar escolhas que não se compatibilizem com o interesse público.

Justificar o preço da contratação, o qual, como já se sinalizou no presente estudo, não significa o menor preço possível, mas sim aquele que se revele compatível com o mercado, é ínsito ao princípio da eficiência, do qual decorre, naturalmente, o princípio da economicidade e da vantajosidade à Administração.

Quanto a esta questão, vale a pena consignar que os preços de produtos, insumos e serviços, sobretudo os necessários à prevenção e combate ao coronavírus, encontram-se, a priori, influenciados pela situação extremada da pandemia declarada, o que impõe cautelas por parte do gestor, quando da aferição e justificativa de preço, assim como por parte dos órgãos de controle, quando da fiscalização dos atos praticados no âmbito de tais contratações diretas.

Nesse contexto, foi prevista a necessidade de utilização de, no mínimo, um dos parâmetros estabelecidos pelas alíneas do inciso VI do § 1º do art. 4º-E, quais sejam: a) Portal de Compras do Governo Federal; b) pesquisa publicada em mídia especializada; c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) contratações similares de outros entes públicos; ou e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores.

Como medida excepcionalíssima, e mediante justificativa da autoridade competente, poderá ser dispensada a estimativa de preços acima tratada. Outrossim, foi previsto que os preços obtidos por meio das fontes antes indicadas não impedem que a contratação seja efetivada com valores superiores decorrentes de oscilações ocasionadas pela variação de mercado, hipótese na qual tal situação deverá ser justificada nos autos.

Entende-se, também, que, por medida de regular publicidade, deverá ser publicizado o ato de ratificação da hipótese ora versada, por meio de sua veiculação na imprensa oficial, tal como preconiza o caput do art. 26 da lei geral de licitações.

3.3. Procedimento licitatório na modalidade pregão: inovações temporais trazidas pela Lei nº 13.979/2020

Considerando que a contratação direta, por dispensa de licitação, nem sempre poderá representar a melhor solução disponível ao gestor público para o atendimento à necessidade da Administração Pública, foram previstos importantes mecanismos no bojo da Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020 para deflagração de procedimento licitatório.

Nesse sentido, foi prevista a redução, pela metade, de prazos dentro do procedimento licitatório instaurado na modalidade pregão, seja ele conduzido em sua forma presencial ou eletrônica[5], com vistas à aquisição de bens e insumos ou contratação de serviços comuns necessários ao enfrentamento da emergência em saúde pública ora comentada.

Foi, ainda, previsto que, na hipótese de se tratar de um número ímpar, o arredondamento sempre ocorrerá para o número inteiro antecedente (ex vi art. 4º-G).

Nesse sentido, o prazo fixado para a apresentação de propostas, contado a partir da publicação do aviso da licitação, que, normalmente, é de 8 (oito) dias úteis, passa a ser de 4 (quatro) dias úteis, assim como os prazos para apresentação de razões recursais e de contrarrazões, atualmente de 3 (três) dias úteis cada, passarão a ser de apenas 1 (um) dia útil.

Ademais, nas situações ora evidenciadas, o recurso passa a ter o efeito meramente devolutivo, sem haver a necessidade de suspensão do curso do procedimento licitatório, como ocorre ordinariamente.

Outrossim, será de 1 (um) dias útil o prazo para impugnação aos termos do instrumento convocatório[6] ou para a solicitação de esclarecimentos, o que demandará mais atenção por parte do público licitante.

No tópico abaixo, serão apresentados os procedimentos simplificados previstos na Lei nº 13.979/2020, com as inclusões feitas a partir da Medida Provisória nº 926, os quais são aplicáveis às licitações conduzidas na modalidade pregão, cujo objeto seja a contratação para o enfrentamento da emergência em saúde pública decorrente da pandemia do coronavírus.

3.4. Formalidades Adicionais às contratações feitas com base na Lei nº 13.979/2020

Como se sabe, qualquer contratação levada a efeito pela Administração Pública, seja ela decorrente de procedimento licitatório ou de situações de dispensa e inexigibilidade de licitação, depende de regular planejamento, com o cumprimento das fases que lhe é peculiar (estudos em busca da melhor solução para enfrentamento do problema identificado).

Ocorre que, há situações de emergência que impõe ao gestor uma ação imediata, não raras as vezes impossível de ser planejada com o rigor esperado para uma contratação pública.

Seguindo a lógica de que se está diante de uma situação de emergência real, o legislador, consoante preconizado no art. 4º-C, possibilizou a dispensa, quando o enquadramento do objeto estiver alcançado pelo conceito de bens e serviços comuns[7], de elaboração de estudos preliminares.

Também por força da situação de emergência, a etapa de gerenciamento de risco apenas será exigida na fase de gestão de contrato, não havendo a obrigatoriedade, portanto, de sua composição ocorrer na fase de planejamento – até porque, tal fase, pode não existir diante de uma situação de urgência (vide art. 4º-D).

Ademais, na forma prevista pelo art. 4º-E, foi admitida a apresentação de termo de referência e/ou projeto básico simplificados, desde que contenham, minimamente: (i) declaração do objeto; (ii) fundamentação simplificada da contratação; (iii) descrição resumida da solução apresentada; (iv) requisitos da contratação; (v) critérios de medição e pagamento; (vi) estimativas de preços; e (vii) adequação orçamentária.

Outra novidade introduzida pela MP 926 à Lei nº 13.979/2020, e aplicável enquanto perdurarem os efeitos da emergência em questão, é que poderá o Poder Público contratar empresas que estejam com idoneidade declarada ou suspensas do direito de licitar e contratar, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

Também na hipótese de haver restrições mercadológicas (de fornecedores e/ou prestadores), poderá a Administração Pública, excepcionalmente e mediante justificativa da autoridade competente, dispensar a apresentação de regularidade fiscal e trabalhista, bem como o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação, ressalvadas as exigências de regularidade perante à Seguridade Social e a prova de atendimento ao inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Por oportuno, destaca-se que foi dispensada, neste contexto, a realização da audiência pública da qual se refere o art. 39 da Lei nº 8.666/93, isto é, quando o valor estimado ou o conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas forem superiores a R$ 330.000.000,00[8].

Por fim, trouxe o legislador uma medida adicional de publicidade dos atos da Administração Pública praticados com fundamento na referida lei, determinando que:

§ 2º  Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.

Vale destacar que todos os procedimentos mencionados anteriormente se aplicam a quaisquer contratações, seja por dispensa ou licitação, para aquisição de bens e insumos ou prestação de serviços que tenham por objetivo o enfrentamento da emergência de que trata a Lei nº 13.979/2020.

3.5. Regras Contratuais estatuídas pela Lei nº 13.979/2020

No âmbito da formalização de contrato, foi prevista a possibilidade de ser estabelecida vigência de até 6 (seis) meses, sendo possível serem realizadas prorrogações por períodos sucessivos, enquanto se estiver diante da situação de emergência de que versa a Lei nº 13.979/2020 (art. 4º-H).

Foi, ainda, estabelecida a possibilidade de a Administração Pública alterar, de forma unilateral, o contrato para o fim de formalizar acréscimos ou supressões ao seu objeto, no percentual de até 50 % (cinquenta por cento) do valor inicial atualizado.

É mister destacar que, tal possibilidade (acréscimo e supressão de até 50%), no cenário ordinário, apenas se aplica, exclusivamente em relação aos acréscimos necessários, ao objeto consistente na obra para reforma de edifício ou reforma de equipamento, sendo vedadas as supressões e acréscimos acima dos limites permitidos, salvo, em relação às supressões, as decorrentes de acordo celebrado entre os contratantes (ex vi alínea b do inciso I combinada com os §§ 1º e 2º, todos do art. 65 da Lei nº 8.666/93).

4. CONCLUSÃO

À guisa de finalização, o presente ensaio pôde verificar que, como já é de conhecimento notório, todas as contratações e aquisições realizadas pela Administração Pública devem ser feitas por meio de regular procedimento licitatório, com as garantias e os preceitos regulados pela Lei nº 8.666/93, a qual admite, como medida excepcional, a possibilidade de ser dispensado, dispensável ou inexigível tal procedimento.

Nas situações de emergência e de calamidade pública (art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93), pôde-se concluir que, independentemente de decreto reconhecedor de tais situações, a licitação poderá ser dispensada, desde que a urgência justifique o sacrifício à competição, ínsita ao procedimento licitatório, bem como sejam apresentadas as devidas justificativas e adotadas as cautelas necessárias à regularidade do ato.

Outrossim, considerando a amplitude dos bens jurídicos tutelados pela hipótese autorizadora da dispensa por emergência ou calamidade pública, a sua invocação não se restringe à seara da saúde pública, mas sim ao enfrentamento da situação de emergência que a justifica, a fim de prevenir prejuízo ou danos às pessoas.

Concluiu-se, ainda em relação à citada hipótese, que a desídia do gestor, o mau planejamento ou sua atuação falha não possuem o condão de impedir que a contratação direta seja concretizada, desde que, de forma concomitante, seja apurada a devida responsabilidade do agente causador.

Quanto às hipóteses de contratações versadas pela Lei nº 13.979/20, concluiu-se ser ela uma lei de vigência temporária, cuja aplicabilidade é restrita à contratação de serviços ou aquisição de bens e insumos destinados ao enfrentamento da emergência nela tratada.

Ademais, as alterações introduzidas na referida lei pela Medida Provisória 926/2020, a qual, como é cediço, depende de sua aprovação para ser convertida em lei dentro dos prazos e procedimentos previstos em nossa Constituição Federal, trouxe maior segurança ao gestor público para atuar na situação de calamidade pública já decretada e reconhecida em nosso País.

Muitas vezes, combater a urgência com a presteza necessária a minimizar os impactos e prejuízos que dela decorrem, exige a análise de ponderação entre princípios ínsitos à atuação do gestor, como, por exemplo, o de legalidade em face do de eficiência etc.

O cenário de emergência em saúde pública que o Brasil está vivenciando, por si só, leva a conclusão de excepcionalidade de eventuais medidas a serem adotadas no âmbito, sobretudo, de políticas públicas locais.

Não raras as vezes, o gestor público se depara com a total ausência de instrumentos jurídicos legalmente estabelecidos para o enfrentamento de situações excepcionais, como a ora vivenciada, o que me leva a concluir haver total pertinência dos procedimentos trazidos pela MP 926/2020.

Obviamente, não é dado ao gestor público se distanciar do objetivo previsto na novel legislação que trouxe mecanismos para tratar da emergência, de forma a realizar contratações sem pertinência ou com extensões a objetos por ela não amparados, sob pena de responder pela ilegalidade e os prejuízos dela decorrentes.

Por fim, é certo que os órgãos de controle deverão, na análise dos atos praticados durante o período de emergência e calamidade pública, levar em consideração todos os obstáculos e dificuldades enfrentadas pelos gestores públicos para o enfrentamento das situações locais de emergência, tal como preconiza o art. 22 do Decreto-Lei 4.657/42 – Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, com suas alterações posteriores.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm>. Acessado em 15/03/2020.

_______. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527>. Acesso em 15/03/2020.

_______. Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm>. Acessado em 15/03/2020.

_______. Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv926.htm>. Acessado em 23/03/2020.

_______. Advocacia-Geral da União. Orientações Normativas. Disponível em <http://www.agu.gov.br/orientacao>. Acesso em 16/03/2020.

_______. Tribunal de Contas da União. Jurisprudência. Disponível em <http://portal.tcu.gov.br/jurisprudencia/home/home.htm> . Acesso em 16/03/2020.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos administrativos. 6. ed. rev. atual. e ampl. – Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 137.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MENDES, Gerado Renato. Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24. Acessado em 16/03/2020.


[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos administrativos. 6. ed. rev. atual. e ampl. – Belo Horizonte: Fórum, 2015.p. 137.
[2] Zênite Fácil. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Categoria Anotações, Lei nº 8.666/93, nota ao art. 24, Acesso em: 16Mar. 2020.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 415
[5] Forma esta obrigatória para os órgãos da Administração Pública federal direta, autarquias, fundações e fundos especiais, tal como determina o art. 1º, § 1º do Decreto Federal nº 10.024/19.
[6] Atualmente, o prazo para a impugnação é de 3 (três) dias úteis, conforme previsto no art. 24, do Decreto Federal nº 10.024/2019.
[7] O conceito de bens e serviços comuns se encontra previsto no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02, qual seja: “Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.”
[8] 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c”da Lei nº 8.666/93, com atualização de valor feita pelo Decreto Federal nº 9.412/2018.

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