O credenciamento, antes de contar com expressa previsão legal, era admitido como hipótese de inexigibilidade de licitação fundamentada na inviabilidade de competição genérica aludida no caput do art. 25 da Lei 8.666/1993.
Nesses moldes as manifestações do Tribunal de Contas da União sob a égide da Lei 8.666/1993:
“PUBLICAÇÃO
Informativo de Licitações e Contratos 386/2020
COLEGIADO
Plenário
ACÓRDÃO
Acórdão 436/2020-TCU-Plenário, Denúncia, Relator Ministro Raimundo Carreiro
ENUNCIADO
O credenciamento, entendido como espécie de inexigibilidade de licitação, é ato administrativo de chamamento público de prestadores de serviços que satisfaçam determinados requisitos, constituindo etapa prévia à contratação, devendo-se oferecer a todos igual oportunidade de se credenciar.” (grifou-se)
“PUBLICAÇÃO
Informativo de Licitações e Contratos 343/2018
COLEGIADO
Plenário
ACÓRDÃO
Acórdão 784/2018-TCU-Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer
ENUNCIADO
É possível a utilização de credenciamento – hipótese de inviabilidade de competição não relacionada expressamente no art. 25 da Lei 8.666/1993 – para contratar prestação de serviços privados de saúde no âmbito do SUS, que tem como peculiaridades preço pré-fixado, diversidade de procedimentos e demanda superior à capacidade de oferta pelo Poder Público, quando há o interesse da Administração em contratar todos os prestadores de serviços que atendam aos requisitos do edital de chamamento.” (grifou-se)
“PUBLICAÇÃO
Informativo de Licitações e Contratos 227/2015
COLEGIADO
Plenário
ACÓRDÃO
Acórdão 3567/2014-TCU-Plenário, TC Processo 018.515/2014-2, revisor Ministro Benjamin Zymler, 9.12.2014
ENUNCIADO
O credenciamento é hipótese de inviabilidade de competição não expressamente mencionada no art. 25 da Lei 8.666/93 (cujos incisos são meramente exemplificativos). Adota-se o credenciamento quando a Administração tem por objetivo dispor da maior rede possível de prestadores de serviços. Nessa situação, a inviabilidade de competição não decorre da ausência de possibilidade de competição, mas sim da ausência de interesse da Administração em restringir o número de contratados.” (grifou-se)
O fato de o credenciamento ser usualmente adotado para a contratação do maior número possível de empresas/profissionais do ramo do objeto, em face de o interesse público assim exigir para o seu atendimento, e de inexistir, nesse caso, exclusão de interessados é que justificava, então, a sua caracterização como hipótese de inexigibilidade de licitação.
Entretanto, a Lei 14.133/2021 conceitua o credenciamento como processo administrativo de chamamento público e o relaciona como procedimento auxiliar da contratação, estabelecendo:
“Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
(…)
XLIII – credenciamento: processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;
(…)
Art. 78. São procedimentos auxiliares das licitações e das contratações regidas por esta Lei:
III – procedimento de manifestação de interesse;
IV – sistema de registro de preços;
§ 1º Os procedimentos auxiliares de que trata o caput deste artigo obedecerão a critérios claros e objetivos definidos em regulamento.
§ 2º O julgamento que decorrer dos procedimentos auxiliares das licitações previstos nos incisos II e III do caput deste artigo seguirá o mesmo procedimento das licitações.” (grifou-se)
No mesmo sentido, como não poderia deixar de ser, as disposições do Decreto 11.878, de 09.01.2024, recentemente editado para disciplinar o procedimento no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional:
“Art. 1º Este Decreto regulamenta o art. 79 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre o procedimento auxiliar de credenciamento para a contratação de bens e serviços, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Parágrafo único. O disposto neste Decreto não se aplica às contratações de obras e serviços especiais de engenharia.
Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:
I – credenciamento – processo administrativo de chamamento público em que o órgão ou a entidade credenciante convoca, por meio de edital, interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;” (grifou-se)
Dessa forma, o credenciamento é, nos seus contornos atuais, um procedimento auxiliar da contratação que tem por objetivo convocar interessados que atuam em determinado ramo, os quais, se atendidos os requisitos impostos, serão efetivamente credenciados e comporão um cadastro que oportunizará eventuais e futuras contratações, essas sim pautadas na inexigibilidade de licitação contemplada no inciso IV do art. 74 da Lei 14.133/2021, que dispõe:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
(…)
IV – objetos que devam ou possam ser contratados por meio de credenciamento;”
Ou seja, o credenciamento é atualmente, à vista do normativo vigente, um procedimento prévio que permitirá, na medida das requisições feitas, a contratação direta dos particulares cadastrados, uma vez que nessas situações a inviabilidade de competição ou a impossibilidade da realização de um processo de seleção usual (licitação) restará evidenciada em virtude de não existir excludência; de a escolha de um ou outro não recair sobre a Administração; ou de o objeto estar inserido em um mercado flutuante,[1] onde há constante variação de seu preço e/ou das condições de sua execução.[2]
É como explica Ronny Charles Lopes de Torres:
“A Lei tratou o credenciamento como um procedimento auxiliar, distinguindo-o da compreensão que o equiparava a uma hipótese de inexigibilidade.
(…)
Já em edições, contudo, ao tratarmos sobre a natureza jurídica do credenciamento, preferimos anotar que credenciamento não seria a contratação direta em si, o que o afastava da caracterização como uma hipótese de inexigibilidade, mas sim um procedimento auxiliar utilizado para instrumentalizar a contratação direta, por inexigibilidade, quando interessasse à Administração a contratação de todos os fornecedores interessados aptos possíveis.
Nessa linha, ponderávamos nas edições anteriores desse livro que o credenciamento não seria uma hipótese de inexigibilidade, mas um procedimento auxiliar necessário para ulteriores contratações diretas, em relação a pretensões contratuais para as quais atenda ao interesse público a oportunidade de contratação de todos os fornecedores interessados e aptos para a contratação.”[3]
Marçal Justen Filho reforça:
“Credenciamento é ato administrativo unilateral, emitido em virtude do reconhecimento do preenchimento de requisitos predeterminados por sujeitos interessados em futura contratação, a ser pactuada em condições predeterminadas e que independem de uma escolha subjetiva por parte da Administração.
Nas hipóteses de cabimento de credenciamento a Administração estabelece, em ato regulamentar, o objeto e as condições da futura contratação, os requisitos dos particulares interessados em contratar e todos os procedimentos pertinentes à contratação.
O particular interessado em contratar com a Administração terá o ônus de formular requerimento à autoridade competente, comprovando o preenchimento dos requisitos exigidos, inclusive com a apresentação da documentação correspondente.
O credenciamento consiste no ato administrativo unilateral por meio do qual a Administração declara que o requerente preenche os requisitos predeterminados, o que a ele assegura a possibilidade de ser contratado, nas condições estabelecidas em ato normativo regulamentar.
O credenciamento não se confunde com o contrato administrativo, eis que se trata de ato administrativo unilateral prévio à dita contratação. O sujeito que obtém o credenciamento ainda não foi contratado. A contratação é um ato jurídico bilateral, que se aperfeiçoa em momento posterior ao credenciamento.
(…)
A contratação fundada em processo de credenciamento configura uma hipótese de inviabilidade de competição, tal como formalmente reconhecido no art. 74, inc. IV, da Lei 14.133/2021.
Deve-se ter em vista que não existe uma única modalidade de credenciamento. Daí se segue que a inviabilidade de competição se caracteriza sob aspectos também diversos.
Há inexigibilidade de licitação, no exemplo dos serviços médicos acima fornecido, não em virtude da ausência de excludência, mas pela circunstância de que cada paciente tem o direito de escolher o profissional com quem consultará. A existência de uma relação de confiança entre o paciente e médico torna inviável a competição entre os interessados.
Mais, ainda, note-se que o ponto fundamental reside não na impossibilidade de limitação do número de credenciados. Quando se alude à ausência de excludência, toma-se em vista as contratações propriamente ditas. Não existe ausência excludência quando se promove o credenciamento de milhões e se contratam apenas alguns.”[4]
De toda forma, para evitar ofensa a isonomia entre os cadastrados a Lei 14.133/2021 estabelece que o edital de chamamento deve prever, como regra, as condições padronizadas de contratação; o critério objetivo de distribuição das demandas quando inexistir excludência e não houver a contratação simultânea de todos os credenciados; e o valor a ser praticado nos casos de contratações paralelas e não excludentes e de seleção a critério de terceiros, dentre outros aspectos que se façam necessários.[5]
Outrossim, no intuito de propiciar ampla participação a norma estatui que o edital de credenciamento deve permanecer disponível ao público em sítio eletrônico oficial e que a Administração deve permitir o cadastramento a qualquer tempo daqueles que atenderem as exigências feitas.
[1] Nos termos do art. 79 da atual Lei de Licitações e Contratos o credenciamento poderá ser adotados nos seguintes casos: “Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação: I – paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas; II – com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação; III – em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação”.
[2] Hipótese em que não se pode arguir ausência de competição, pois a escolha do particular a ser contratado deve decorrer de prévia cotação. Nessa linha a previsão constante, respectivamente, no inciso IV do parágrafo único do art. 79 da Lei 14.133/2021 e no § 2° do art. 7° do Decreto 11.878/ 2024, que disciplina o procedimento no âmbito da Administração Pública Federal: “IV – na hipótese do inciso III do caput deste artigo, a Administração deverá registrar as cotações de mercado vigentes no momento da contratação “§ 2º Na hipótese de contratação em mercados fluidos, o edital poderá, quando couber, fixar percentual mínimo de desconto sobre as cotações de mercado registradas no momento da contratação. § 3º Para a busca do objeto com melhores condições de preço nas contratações em mercados fluidos, será fornecida, quando for possível, solução tecnológica que permita a integração dos sistemas gerenciadores e interface aos sistemas dos fornecedores”. (grifou-se)
[3] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas comentadas. 12. Ed. JusPodivm, 2021, p. 452.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas: lei 14.133/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1129/1130.
[5] O Decreto 11.878/2024 que disciplina o procedimento no âmbito da Administração Pública Federal, por exemplo, determina: “Art. 7º O edital de credenciamento observará as regras gerais da Lei nº 14.133, de 2021, e conterá: I – descrição do objeto; II – quantitativo estimado de cada item, com respectiva unidade de medida; III – requisitos de habilitação e qualificação técnica; IV – prazo para análise da documentação para habilitação; V – critério para distribuição da demanda, quando for o caso; VI – critério para ordem de contratação dos credenciados, quando for o caso; VII – forma e prazos de interposição dos recursos, impugnação e pedidos de esclarecimentos; VIII – prazo para assinatura do instrumento contratual após a convocação pela administração; IX – condições para alteração ou atualização de preços nas hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 3º deste Decreto; X – hipóteses de descredenciamento; XI – minuta de termo de credenciamento, de contrato ou de instrumento equivalente; XII – modelos de declarações; XIII – possibilidade de cometimento a terceiros, quando for o caso; e XIV – sanções aplicáveis. § 1º O edital definirá os valores fixados e poderá prever índice de reajustamento dos preços, quando couber, para as hipóteses de contratação paralela e não excludente e de contratação com seleção a critério de terceiros. § 2º Na hipótese de contratação em mercados fluidos, o edital poderá, quando couber, fixar percentual mínimo de desconto sobre as cotações de mercado registradas no momento da contratação. § 3º Para a busca do objeto com melhores condições de preço nas contratações em mercados fluidos, será fornecida, quando for possível, solução tecnológica que permita a integração dos sistemas gerenciadores e interface aos sistemas dos fornecedores. § 4º Na hipótese de credenciamento para fornecimento de bens, a administração poderá, excepcionalmente, exigir amostra ou prova de conceito do bem na fase de análise da documentação ou no período de vigência do contrato, desde que justificada a necessidade de sua apresentação”.