A planilha de custos, preconizada nos arts. 7º, § 2º, e 40, § 2º, inc. II, da Lei nº 8.666/93, de uma maneira geral, tem a finalidade de identificar e pormenorizar o custo estimado da contratação, viabilizar a obtenção da proposta mais vantajosa aos interesses da Administração e atender aos princípios insculpidos no art. 3º da Lei nº 8.666/93, a saber, do julgamento objetivo, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, etc., dado que somente tendo ciência dos elementos e valores compreendidos pelo objeto pretendido é que se poderá realizar um julgamento adequado. Dessa forma, somente com a elaboração da planilha de custos é que se poderá aferir, por ocasião do julgamento do certame, a aceitabilidade das propostas apresentadas pelos licitantes no curso da licitação.
Para assegurar essa finalidade, a Administração deve considerar os custos dos insumos que efetivamente compõem o valor do ajuste, conforme o instrumento legal que os institui (leis, acordos, convenções coletivas e decisões normativas de trabalho) e/ou, ainda, de acordo com a realidade imposta pelo mercado, pela natureza de cada insumo.
Os Acordos/Convenções/Dissídios Coletivos de Trabalho, em geral, determinam elementos formadores do preço, tais como o salário base da categoria e certos benefícios a serem concedidos aos trabalhadores, sendo importante mencionar que esses instrumentos coletivos possuem caráter normativo[1]. Dessa forma, uma vez assinada a Convenção Coletiva seus efeitos repercutem nos contratos de prestação de serviços que envolvem a categoria profissional beneficiada, devendo, portanto, tanto as empresas do ramo, para fins de definição de custos de seus serviços, como a Administração, no planejamento da licitação, observar os valores definidos no instrumento coletivo vigente.
Sendo assim, despesas obrigatórias por força do estipulado em acordos ou convenções coletivas de trabalho e que versem sobre matéria trabalhista[2], devem ser inseridas na planilha de custo, a exemplo do plano de saúde, que é uma utilidade concedida pelo empregador, em caráter complementar ao salário (mas não integrante deste), com fundamento no que prevê o Decreto-Lei n.º 5.452/1943[3], que aprova a consolidação das leis do trabalho (CLT).
Destarte, as propostas apresentadas pelos licitantes no âmbito dos certames licitatórios deverão ter como base as Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho vigentes à época de sua elaboração (proposta), especialmente no que diz respeito ao salário base da categoria e demais benefícios e disposições que oneram a prestação dos serviços. Isso significa que existindo previsão normativa impondo ao empregador o pagamento de plano de saúde aos seus empregados, caberá ao particular inserir em sua proposta esse custo, ainda que na planilha-modelo anexa ao edital o item esteja ausente. Apenas quando a convenção ou acordo coletivo impuser a obrigação de forma exclusiva em contratos em que a Administração Pública figurar como tomadora dos serviços é que o item deve ser suprimido, já que, conforme explicitou a AGU no Parecer nº 15/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, é “ilegal, por afrontar o art. 611 da CLT, a estipulação em Convenção Coletiva de Trabalho de custeio de plano de saúde com oneração exclusiva da Administração Pública tomadora do serviço e beneficiando apenas a categoria de empregados terceirizados desta”.
Em regra, quando o licitante deixa de cotar em sua proposta custos de caráter obrigatório, ele deve ser alijado do certame, visto que o ônus da elaboração da proposta é do próprio licitante que deve, então, arcar com as consequências decorrentes, razão pela qual a Lei 8.666 impõe, nesses casos, a desclassificação da mesma, a teor do que estabelece o § 3º do art. 44:
“Art. 44. No julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.
(…)
§ 3º Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.” (grifou-se)
Entretanto, considerando que “a licitação não é um fim em si mesmo, mas um instrumento apropriado para o atingimento de certas finalidades”[4] (interesse público), vem sendo disseminada, em sede doutrinária e jurisprudencial, a ideia do formalismo moderado, que significa evitar o rigor excessivo para vícios sanáveis que não gerem lesão a direito ou prejuízo à Administração e que atendam sua finalidade inicial, ainda que de forma transversa.
Assim é que os tribunais pátrios vêm orientando os administradores a evitar, no julgamento das propostas, a desclassificação daquelas que contenham defeitos sanáveis, como forma de prestigiar os princípios da supremacia do interesse público, economicidade e eficiência, em detrimento ao apego exacerbado às formas e aplicação irrestrita do princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Nessa linha, entre outros acórdãos, sinaliza o TCU que erros ou omissões no preenchimento de planilhas de custos não devem ensejar, por si só, a desclassificação do licitante, sendo possível a correção das inconsistências, desde que mantido o valor global proposto e que este (valor) seja suficiente para arcar com todos os custos da contratação (exequibilidade):
“Erros no preenchimento da planilha de preços unitários não são motivos para a desclassificação de licitante, quando a planilha puder ser ajustada sem majoração do preço global ofertado.”[5]
“A mera existência de erro material ou de omissão na planilha de custos e de preços de licitante não enseja, necessariamente, a desclassificação antecipada da sua proposta, devendo a Administração promover diligência junto ao interessado para a correção das falhas, sem permitir, contudo, a alteração do valor global originalmente proposto.”[6]
“Item .5.1.3Determinação à Empresa Brasil de Comunicação para que se abstenha, na fase de julgamento das propostas de procedimentos licitatórios, de considerar erros ou omissões no preenchimento da planilha de custos e formação de preços prevista na IN/SLTI-MP nº 02/2008 como critério único de desclassificação de licitantes, em razão do caráter instrumental da planilha de preços, do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666/1993 e a da jurisprudência do TCU (Acórdãos nºs 2.104/2004-P, 1.791/2006-P e 1.179/2008-P e Acórdão nº 4.621/2009-2ª C)”.[7](grifou-se)
“Item 1.6.3. alerta à Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), relativamente a um pregão eletrônico de 2010, quanto à impropriedade caracterizada por inabilitar empresa balizada em elaboração inadequada de planilha de custos e formação de preços, quando esta tenha condições de ser ajustada sem a majoração do preço ofertado, decorrente do descumprimento do art. 24 e 29-A, § 2º, da IN/SLTI-MP nº 2, de 30.04.2008”.[8](grifou-se)
Válido, citar também, ainda que a título ilustrativo, a previsão da Instrução Normativa nº 05/2017, do Ministério do Planejamento:
“ANEXO VII-A
DIRETRIZES GERAIS PARA ELABORAÇÃO DO ATO CONVOCATÓRIO
7.9. Erros no preenchimento da planilha não são motivos suficientes para a desclassificação da proposta, quando a planilha puder ser ajustada sem a necessidade de majoração do preço ofertado, e desde que se comprove que este é o bastante para arcar com todos os custos da contratação.”
Em face do exposto, embora a regra legal seja a desclassificação de propostas que contenham falhas na cotação encargos incidentes no objeto do certame, deve-se reconhecer que a doutrina e jurisprudência defendem a possibilidade de correção de equívocos na planilha de custo, visto seu caráter instrumental, desde que tal retificação não acarrete a majoração do valor global proposto e que este (valor) seja suficiente para arcar com todos os custos da contratação (exequibilidade). Assim, em razão da tese do formalismo moderado, cabe à Administração, quando do julgamento da licitação e diante de falhas como as apresentadas, realizar as devidas diligências, com escopo no que prevê o art. 43, §3º[9], da Lei 8.666, a fim de oportunizar ao licitante a correção de sua planilha, se possível, para evitar a sua desclassificação, privilegiando a obtenção da proposta mais vantajosa à Administração, em prestígio ao princípio da economicidade.
“Art. 9º (…) Parágrafo único. A administração pública não se vincula às disposições estabelecidas em acordos, dissídios ou convenções coletivas de trabalho que tratem de:
I – pagamento de participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados da empresa contratada;
II – matéria não trabalhista, ou que estabeleçam direitos não previstos em lei, tais como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários; e
III – preços para os insumos relacionados ao exercício da atividade.”
(…)
§ 2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:
(…)
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde”.