José Anacleto Abduch Santos, Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Administrativo pela UFPR, Prof. do UNICURITIBA. Coordenador do curso de especialização em licitações e contratos administrativos do UNIBRASIL
Introdução
Responsabilidade “revela o dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhe são impostas”.[1] É uma capacidade jurídica, pois, para assumir as consequências da própria conduta.
No processo da contratação pública, desde a etapa do planejamento até o recebimento definitivo do objeto contratado, há inúmeras condutas e atos administrativos que são praticados e produzidos por agentes públicos. Estes atos ou condutas, comissivos ou omissivos, podem ser reputados ilegais, ilegítimos ou antieconômicos por órgão ou agente de controle interno ou externo. A ilegalidade, a ilegitimidade ou a antieconomicidade do ato ou da conduta pode ensejar a responsabilidade daquele que lhe deu causa.
O nosso sistema jurídico consagra o princípio da independência entre as instâncias civil, penal, administrativa e por improbidade administrativa. Assim, uma mesma conduta típica ou de cometimento de infração no processo da contratação pública pode ensejar a responsabilização no âmbito das instancias civil, penal, administrativa e por improbidade administrativa.
A responsabilização pode ocorrer pelo cometimento de infração mediante conduta dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva. Neste propósito, questão controvertida sempre se postou no que diz respeito à responsabilidade por erro do agente público, que é a falsa percepção da realidade.
À prima facie, se poderia argumentar que o erro seria categoria subsumida na noção de culpa em sentido estrito, ou seja, negligente, imprudente ou imperita. Contudo tal não se revela juridicamente correto. Culpa em sentido estrito se caracteriza pela falta do dever de cuidado objetivo.
Porém, o erro é uma categoria jurídica independente. A conduta maculada pelo erro não necessariamente será originária de falta de cuidado objetivo. Não necessariamente será imprudente, imperita ou negligente, mas aquela que se dá por uma falsa ou incorreta representação da realidade que opera, ou pode operar efeitos significativos no plano da manifestação da vontade.
A Lei nº 13.655/18, que produziu modificações no Decreto-Lei nº 4.657/42[2] , trouxe novidade para o cenário jurídico preceituando no art. 28 que:
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Esta inovação legislativa representa um novo norte hermenêutico para balizar e conduzir o controle dos atos administrativos e das condutas dos agentes públicos em geral e no processo da contratação pública em especial.
Há evidente propósito normativo de limitar o alcance da responsabilização pessoal do agente público, que passa a responder pessoalmente apenas por dolo ou erro grosseiro.
Atente-se para o fato de que a norma não faz qualquer referência à culpa, mas tão somente a dolo e erro grosseiro.
Partindo-se da premissa de que erro e culpa não se confundem como categorias jurídicas, como adiante se defenderá, o texto expresso da lei induz a relevantes e complexas reflexões.
O propósito do texto é o de tecer considerações acerca dos efeitos da disposição normativa que preceitua que o agente público responde pessoalmente por dolo ou erro grosseiro por decisões ou opiniões, em especial, no que diz respeito a determinadas condutas inerentes ao processo da contratação pública: identificação da necessidade, descrição do objeto e elaboração do orçamento estimativo.
Razão de existir da norma legal
Sem dúvida a norma foi editada para reprimir e prevenir abusos no exercício da atividade de controle da Administração Pública e do exercício da função pública. Os órgãos de controle interno e externo, incluído o Ministério Público, sabidamente vinham exercendo a atividade de controle por vezes fora dos limites da legalidade, imputando responsabilidade indevida a agentes públicos.
Não é incomum que um determinado agente público seja responsabilizado, não pelo cometimento de ilegalidade, mas porque um certo órgão ou agente de controle tem interpretação diversa acerca de um dispositivo legal ou constitucional, ou mesmo tem opinião pessoal diversa sobre o mérito da decisão administrativa reputada irregular.
Havia situação de grave insegurança jurídica por parte dos agentes públicos, na medida em que aquele que atua em erro tem por vezes sido responsabilizado como se tivesse praticado conduta dolosa, intencional e desonesta.
A norma contida no art. 28 da Lei nº 13.655/18 estabelece um novo paradigma para a atuação do controle interno e externo: somente o erro grosseiro pode ensejar a responsabilização pessoal do agente público.
Limitação objetiva do dispositivo normativo
A Lei preceitua que o agente público responderá pessoalmente por “decisões” ou “opiniões técnicas”. Estes conceitos jurídicos devem ser interpretados de modo extensivo ou amplo para compreender fenômenos da franja marginal de que trata Karl Engish.[3] Usa-se dizer que as normas que contém disposições excepcionais devem ser interpretadas restritivamente. A norma preceituada no art. 28 da referida lei não se vale das expressões “decisões” e “opiniões técnicas” em caráter de excepcionalidade, mas em sentido exemplificativo, que admite interpretação ampla ou extensiva em relação ao seu significado meramente semântico ou estritamente técnico.
Desta feita, quer parecer que o objeto da norma são as decisões, as opiniões técnicas e todas as demais condutas que possam produzir efeitos jurídicos adotadas por agentes públicos no regular exercício da função administrativa. Por exemplo, no que diz com o processo da contratação pública a elaboração de um projeto, ou de um orçamento estimativo não se enquadram no conceito estrito de “decisão”, nem de “opinião técnica”, mas seguramente podem ser inseridas nestas noções se adotada uma interpretação extensiva destes termos.
Defende-se a interpretação ampla das acepções decisão e opinião técnica, para incluir nestas noções condutas assemelhadas destinadas à produção de um resultado legítimo e juridicamente correto. Assim, por decisões, opiniões técnicas e condutas assemelhadas o agente público somente responderá pessoalmente por dolo ou erro grosseiro.
O preceito legal não alcança toda e qualquer conduta de agente público, o que parece evidente. Tome-se por exemplo a conduta de direção negligente ou imperita de motorista. Não é necessário que tenha havido erro grosseiro para que responda pessoalmente por prejuízos causados ou para que possa sofrer sanção administrativa com fundamento na culpa em sentido estrito.
Há casos, portanto, nos quais o agente público responderá pessoalmente por culpa simples. Recorde-se que a Constituição Federal preceitua, no art. 37, § 6º que o agente público responderá em sede de regresso por prejuízos que causarem a terceiros por dolo ou culpa, quando do exercício da função. Perceba-se que inexiste na Constituição referência a erro grosseiro, mas à culpa em sentido estrito e ao dolo, a ensejar o direito de regresso da Administração Pública em face de agente seu que produza prejuízos a terceiro.
Extensão dos efeitos da norma legal
A previsão de que o agente público somente responderá pessoalmente por dolo ou erro grosseiro foi instituída tão somente para fins de apuração e imputação de responsabilidade do agente.
Desta feita, uma conduta que não esteja maculada por erro grosseiro pode isentar o agente de responsabilização pessoal, mas pode não operar efeitos no plano da validade e da legitimidade do ato praticado.
É possível coexistirem juridicamente então, duas situações. Por uma conduta produzida por negligência, imprudência ou imperícia, culposa, portanto, mas que não caracterize erro grosseiro, o agente não pode ser responsabilizado pessoalmente. Contudo, esta conduta culposa, não qualificada pela gravidade da negligência, da imprudência ou da imperícia, pode ensejar invalidação do ato praticado.
Deve ser procedida aferição da natureza da conduta de modo independente e autônomo (i) para fins de responsabilização pessoal, e (ii) para fins de juízo de validade e de legitimidade do ato.
Neste sentido, defende-se que será inválido o ato, se ilegal, ilegítimo ou antieconômico, ainda que produzido por agente público, que nesta qualidade, não agiu com erro grosseiro e portanto, não pode ser responsabilizado pessoalmente.
Responsabilidade do agente por conduta dolosa
Dolo[4] , no dizer de Cezar Roberto Bitencourt é “a consciência e a vontade de realização da conduta descrita em um tipo penal, ou, na expressão de Welzel, ‘dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito’”.[5]
O dolo implica a intenção de realizar uma determinada conduta. O agente age com dolo quando manifesta uma vontade dirigida a um fim que lhe é pretendido, com consciência de que a está realizando.
A conduta dolosa de agente público, se produz um resultado ilegal, ilegítimo ou antieconômico quando do processo da contratação pública deve ser responsabilizada. Salvo nas hipóteses em que a conduta dolosa, embora típica, não seja ilícita ou não seja culpável.
Responsabilidade do agente por conduta culposa
A norma contida no art. 28 da referida Lei nº 13.655/18 faz referência, para fins de responsabilização pessoal do agente público, à conduta dolosa ou maculada por erro grosseiro.
Tomando em conta a premissa antes apontada de que culpa e erro em sentido estrito são categorias jurídicas autônomas e independentes, é preciso indagar se remanesce a possibilidade de responsabilização pessoal do agente público a título de culpa não adjetivada pela gravidade.
Culpa “é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, mas objetivamente previsível”. A culpa se manifesta nas seguintes modalidades: negligência, imprudência ou imperícia:
Imprudencia é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação do agente.
Negligência é a displiscência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprevisão passiva, o desleixo, a inação. É o não fazer o que deveria ser feito antes da ação descuidada.
Imperícia é a falta de capacidade, de aptidão, despreparo ou insuficiência de conhecimento técnico par ao exercício de arte, profissão ou ofício.[6]
É certo que uma conduta pode ser imprudente, negligente ou imperita em razão de erro por parte do agente. Mas não necessariamente assim o será. É perfeitamente possível que uma conduta seja adotada sem o devido cumprimento do dever objetivo de cuidado, sem, contudo, tenha havido falsa ou equivocada representação da realidade, ou, portanto, erro. Aquele que age com negligência, imprudência ou imperícia pode faze-lo sem cometer qualquer erro na acepção jurídica restrita do termo.
O agente público, em razão da disposição expressada no art. 28 da Lei nº 13.655/18, não pode mais responder a título de culpa em qualquer intensidade pelo cometimento de infração no curso do processo da contratação pública.
Uma conduta marcada pela negligência, pela imprudência ou pela imperícia que não caracterize erro grosseiro não pode ensejar a responsabilização. Assim, em outros termos, para que a culpa possa ser fundamento da responsabilidade pessoal, deve ser em intensidade tal que passe a caracterizar um erro grosseiro.
Dimensões jurídicas do erro
Atua em erro aquele que manifesta sua vontade a partir de uma percepção equivocada ou falsa de uma determinada realidade fática ou jurídica. Nos termos de Fabio Ulhoa “o conceito jurídico de erro é o da decisão tomada em função de falsa representação da realidade”.[7]
Para Caio Mario da Silva Pereira “quando o agente, por desconhecimento ou falso conhecimento das circunstâncias, age de um modo que não seria sua vontade, se conhecesse, se conhecesse a verdadeira situação, diz-se que procede com erro”.[8] Já no entender de Marcos Bernardes de Mello:
O erro na manifestação de vontade se caracteriza por uma falsa representação psicológica da realidade. Aquilo que a pessoa acredita ser a realidade, na verdade, não é. No erro, a falsidade da representação constitui o fator determinante do conteúdo da vontade manifestada. Portanto, a vontade que se exteriorizou é produto do erro, de modo que, se a pessoa conhecesse a realidade, não a teria expressado, ou a teria manifestado com outro sentido.[9]
A partir dos seus conceitos jurídicos, desde logo se percebe que erro e culpa não se confundem. Não são intercambiáveis ou subsumíveis. Ou pelo menos não o eram, antes da edição da Lei nº 13.655/18.
No exercício da função administrativa é plausível e mesmo esperado que o agente público possa atuar em erro. O universo da atividade pública é multifacetado e complexo. Admitir que o erro é impossível quando do exercício de função pública implicaria admitir a possibilidade da existência de um agente público que dominasse todas as informações e técnicas e fosse dotado de capacidades cognitivas excepcionais. Tal não equivale à realidade fática. Os agentes públicos são pessoas humanas dotadas de falibilidade e passíveis de erro.
Na noção jurídica de erro, repita-se, não está obrigatoriamente subsumida a noção de culpa ou vice- versa. A conduta pode ser culposa sem que tenha havido erro por parte do agente, e pode se dar em erro, sem que tenha havido qualquer elemento da culpa em sentido estrito – negligência, imprudência ou imperícia. O agente pode ter sido diligente e cauteloso, mas ter dirigido sua conduta a partir de uma falsa percepção da realidade – em erro, portanto.
É tradicional no Direito a distinção entre erro e culpa, com as consequências e os efeitos jurídicos naturais e decorrentes desta diferenciação. A corroborar este pensamento a posição doutrinária de Pontes de Miranda, para quem “também é preciso não se introduzir na teoria da anulabilidade por erro investigação de culpa. Se o erro foi essencial, não há que inquirir-se de ter sido culpado em errar o figurante, ou em ser escusável ou não o erro… Quem erra não tem culpa de errar; ou teve culpa em admitir o ato jurídico e, então não errou…[10]
Em relação aos negócios jurídicos[11] , para que se configure como defeito de consentimento, passível de tornar nula ou anulável a relação jurídica, o erro deve ser substancial e escusável.
Já no que tange à responsabilidade parece melhor se ajustar a distinção entre erro de tipo e erro de proibição, característica do Direito Penal.
Erro de tipo “é o que recai sobre circunstância que constitui elemento essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime. É a ignorância ou a falsa representação de qualquer dos elementos constitutivos do tipo penal”.[12] No erro de tipo, o agente realiza a conduta que acredita legítima por uma falsa interpretação da situação jurídica ou fática. Exemplo clássico em doutrina é o do agente que leva objeto que acredita ser seu, quando pertence a outra pessoa.
Já o erro de proibição “é o que incide sobre a ilicitude de um comportamento. O agente supõe, por erro, ser lícita a sua conduta, quando na realidade ela é ilícita… o agente supõe permitida uma conduta proibida”.[13]
O erro de tipo incide, então, em relação aos elementos que constituem a infração tipificada, e o erro de proibição sobre o conhecimento da ilicitude. Num exemplo básico, opera em erro de tipo o agente público que nomeia para prover cargo em comissão um parente, sem conhecer esta relação de parentesco. E em erro de proibição aquele que nomeia um parente imaginando ser legal e legítima a nomeação.
Parece claro que a figura do erro grosseiro prevista na Lei nº 13.655/18 não equivale às figuras do erro de tipo ou erro de proibição. Ao menos não necessariamente.
O erro grosseiro instituído pela Lei constitui uma categoria jurídica dotada de certa independência e autonomia em relação a outras categorias como de erro substancial, erro de tipo e erro de proibição, ou mesmo de culpa em sentido estrito.
Com efeito, embora a Lei faça referência a “erro”, o erro grosseiro de que trata, à toda vista, é uma espécie de culpa qualificada pela intensidade da gravidade da conduta, que engloba condutas negligentes, imperitas ou imprudentes de elevada gravidade.
O Decreto nº 9.830/18, ao regulamentar a Lei nº 13.655/18 esclarece que:
Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.
§ 1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
O regulamento tem natureza de norma nacional, vale dizer, tem aplicação e produz efeitos para todas as entidades da federação, eis que editado o decreto para cumprimento de função regulamentadora.
Sob o prisma do sistema jurídico o decreto produz uma inovação, introduzindo no conceito de erro os elementos da culpa em sentido estrito – negligência, imprudência ou imperícia. Discussão a que não se adentra nesta oportunidade, é se teria cabimento, e pois, validade jurídica, a criação de um conceito de erro grosseiro pela via de regulamento.
Caracterização do erro grosseiro
Erro grosseiro para os fins do disposto na Lei nº 13.655/18 é aquela conduta, comissiva ou omissiva, equivocada, incorreta, praticada sob falsa ou incorreta premissa, e qualificada pelo elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Não basta, para caracterizar o erro grosseiro, por conseguinte, que a conduta tenha sido realizada com negligência, com imprudência ou com imperícia, típicos elementos da culpa em sentido estrito. Quer parecer então, que, a partir da edição da Lei em questão, a conduta que pode ensejar responsabilização pessoal do agente público é apenas aquela de maior gravidade, que supere a simples falta de diligência, de pequena imprudência ou de imperícia que não seja grave.
A conduta descuidada, equivocada, incorreta, apressada, desidiosa, ineficiente, se não for dolosa, somente ensejará responsabilidade pessoal se for grave de modo a caracterizar o erro grosseiro.
Por contraditório que possa parecer, ao fazer referência a que somente o erro grosseiro – verdadeira dimensão qualificada de culpa – pode redundar responsabilização pessoal do agente, fica excluída a possibilidade jurídica de responsabilização pessoal por erro. Aquele que erra, na estrita dimensão do significado jurídico do erro, como antes dito, não pode mais ser responsabilizado pessoalmente.
Lembre-se que o Superior Tribunal de Justiça, a propósito da improbidade administrativa, de muito registra a importância da distinção entre erro e dolo ao afirmar que “a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil”.[14]
A identificação de erro grosseiro passa necessariamente pela análise das condições pessoais e materiais que tinha o agente quando da prática do ato. Aspectos subjetivos e aspectos objetivos da conduta em exame devem ser cuidadosamente examinados para a correta apuração da responsabilidade por erro grosseiro.
No plano subjetivo, demanda-se investigar o grau de capacitação que era exigível do agente, bem como suas aptidões e capacidades pessoais, de ordem técnica ou jurídica. É preciso que sejam exigíveis do agente público, por força de Lei, certas qualificações e capacitações técnicas ou jurídicas, que se não forem adquiridas e aplicadas podem resultar em condutas viciadas. Em sentido contrário, não se pode exigir certa conduta do agente público que exija capacitação superior àquela legalmente exigida para o exercício das atribuições de seu cargo ou função pública.
O agente público que não recebe, quando devida, a capacitação necessária para o exercício de suas atribuições, em princípio e a depender de exame de caso concreto, não pode responder por erro grosseiro quando produza conduta irregular. Se a falta de capacitação decorre de omissão de autoridade que lhe seja hierarquicamente superior, e a conduta praticada não está inserida nas atribuições do cargo titularizado pelo agente, tem-se por inexistente o nexo causal a justificar a imputação de responsabilidade pessoal. A causa direta do erro grosseiro, nesta hipótese, seria a falta de capacitação, que não pode ser imputada àquele que erra.
No plano objetivo, é preciso investigar acerca da suficiência dos recursos materiais e financeiros que o agente detinha para a prática da conduta reputada irregular. Caso o órgão ou entidade pública não tenha ofertado os recursos materiais, humanos ou financeiros suficientes, sob o prisma da razoabilidade e da proporcionalidade para a prática da conduta, o agente que a produz de modo irregular não atua com erro grosseiro.
Por fim, tem-se que somente haverá erro grosseiro se o erro – “rectius”, culpa – for inescusável, vale dizer, aquele que “seria suscetível de ser evitado se o agente houvesse precedido com cautela e prudência razoáveis em um indivíduo de inteligência e conhecimento normais, relativamente ao objeto do negócio jurídico”[15] ou “quando a falsa percepção da realidade é produto da falta de empenho da pessoa em se informar adequadamente antes de praticar o negócio jurídico”.[16] Em outro sentido se o erro é escusável, não pode ser grosseiro, pois “é escusável o erro que não poderia ser percebido por pessoa de diligência normal.
Medida do homem médio padrão ou do administrador médio
Tarefa das mais complexas é aquela de identificar na conduta o erro grosseiro. Certo que há zona positiva de certeza, pela qual é certo que uma conduta caracteriza erro grave ou grosseiro (ex.: o agente adota conduta sem qualquer consulta ao posicionamento dominante nos órgãos de controle ou a precedente jurisprudenciais consolidados), e há também, zona negativa de certeza (ex.: o agente adota conduta que a doutrina majoritária reputa correta ou amparada em precedentes jurisprudenciais consolidados), pela qual é certo que uma conduta não o caracteriza.
Problema maior se posta na chamada zona de incerteza. No âmbito do Poder Judiciário é por vezes utilizado o padrão do homem comum ou homem médio para analisar condutas delituosas e avaliar a imputação de responsabilidade – em juízo de comparação entre a conduta em análise e a conduta que supostamente teria sido adotada por um homem médio se busca concluir acerca da legitimidade ou da legalidade dela.
O padrão do homem médio é uma figura jurídica destinada a fornecer um referencial ou um paradigma para a solução de certas questões complexas envolvendo a conduta humana. É uma medida de comportamento que serve como referência, pela comparação, para se concluir se a uma conduta é correta, legítima, possível, esperada, etc.
Homem médio é, hipoteticamente, aquele dotado de capacidade cognitiva, inteligência, grau de conhecimento e de informação, saúde, dentre outras qualidades ou potencialidades, de natureza intermediária, central ou razoavelmente exigível de qualquer outra pessoa dotada do mesmo padrão de potencialidades e capacidades. Faz-se referência a um entendimento do homem médio ou a uma compreensão do homem médio como parâmetro para avaliar uma certa atitude humana – o parâmetro é a representação da realidade fática ou jurídica que um homem comum, dotado de capacidades e potencialidades comuns e medianas, em igual situação produziria.
Uma conduta que, em situação similar, seria praticada por qualquer pessoa, pode ser tida por uma conduta do homem médio.
Antes já se disse que o erro grosseiro de que trata a Lei é figura jurídica relativa à culpa qualificada pela gravidade da negligência, da imprudência ou da imperícia. Nesta medida, o erro grosseiro é aquele que certa ou dificilmente seria cometido por outra pessoa, dotada capacidades ou potencialidades similares às daquele que praticou a conduta.
O Tribunal de Contas da União de muito vem utilizando a figura do “administrador médio” para análise de condutas supostamente infracionais. O administrador médio à similitude do homem médio é reputado um parâmetro de comparação para avaliar condutas administrativas.
Confira-se o disposto no acórdão nº 1628/2018, no qual o Tribunal de Contas da União estabeleceu que “a conduta culposa do responsável que foge ao referencial do “administrador médio” utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação caracteriza o ‘erro grosseiro’ a que alude o art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), incluído pela Lei nº 13.655/2018”.
Logo, para a Corte de Contas, pois, uma referência para identificar uma conduta praticada em erro grosseiro é o referencial do “administrador médio”. Conduta do administrador médio seria aquela esperada como razoável, proporcional e devida por parte de um agente público diligente, nos limites da capacidade técnica exigível para o exercício das atribuições de seu cargo ou função pública.
Trata-se de uma referência fortemente influenciável pela subjetividade do julgador que não pode ser, isoladamente, considerada para a identificação do erro grosseiro.[17]
A natureza instrumental e funcional do contrato administrativo
Um dos instrumentos essenciais para o cumprimento da missão estatal no plano da Administração Pública são os contratos que celebra com particulares para a realização das compras, das obras, dos serviços, e das concessões de serviços públicos ou de uso de bens públicos necessárias ao atingimento de seus objetivos. Pode-se afirmar que “sem a figura do contrato administrativo não é possível existir materialmente a Administração Pública”[18] .
Os contratos administrativos tem natureza funcional e instrumental. Vale dizer, tem uma função e servem como instrumentos para bem possibilitar o Estado de exercer sua competência legal e constitucional.
Tem natureza funcional por força de constituir um meio para possibilitar a administração consensual, aquela realizada com a participação voluntária dos particulares.
Tem natureza instrumental por constituir um instrumento fundamental para a realização dos misteres que a Lei e a Constituição lhe designam. Pode-se mesmo afirmar que inexistiria a possibilidade do exercício pleno das funções estatais caso inexistisse o instituto da relação contratual administrativa.
Sua natureza instrumental leva a crer que o objetivo jurídico-contratual transcende seu objeto específico para que se conclua que o contrato administrativo se presta a garantir a segurança pública, a prestação de serviços de educação, a prestação jurisdicional e todas as outras funções típicas exercidas pelos Poderes da República. É então verdadeiro instrumento para que o Estado possa satisfazer suas necessidades ou para a satisfação das necessidades da coletividade.
Constitui ele, então (o contrato), um meio apto, eficiente e eficaz para a implementação das políticas públicas.
A natureza funcional e instrumental do contrato administrativo – meio apto para obter do mercado o necessário para implementar e executar políticas públicas – faz dele um verdadeiro mecanismo de gestão administrativa.
Esta acepção do contrato administrativo é um norte hermenêutico ou um vetor importante de interpretação. As falhas na execução contratual, ou o impedimento –seja qual for a causa- da continuidade da execução do contrato não implicam somente repercussão jurídica no plano contratual, mas operam efeitos para inclusive abalar a estrutura fundante de uma determinada política pública.
Falhas, defeitos ou sustação da execução de um contrato administrativo podem operar efeitos diretos e imediatos no tocante a direitos e garantias fundamentais das pessoas – tome-se por exemplo a interrupção de serviços de saúde, educação, ou segurança pública decorrentes de falhas ou impedimentos na execução do contrato administrativo.
Esta referência é central, inclusive para os órgãos de controle quando de juízos jurídico-valorativos acerca de qualquer intercorrência ou contingência na vida do contrato (modificações de execução, rescisões, aplicação de sanções, etc.).
Nesta medida, se pode afirmar que, diante da importância dos contratos que a Administração Pública celebra, merecem cuidado especial e concentração de esforços para evitar erros quando de sua formação, ou de sua execução.
O erro grosseiro tem assim, significação distinta e adjetivada no plano das contratações públicas. Um erro grosseiro no processo da contratação pode implicar inviabilização do cumprimento de objetivos e valores constitucionais elementares e fundamentais.
Erro grosseiro na identificação da necessidade a ser satisfeita pelo contrato público
O texto, como antes dito, se presta a avaliar o erro grosseiro em relação a três condutas inerentes e necessárias no processo da contratação administrativa: a identificação da necessidade a ser satisfeita pelo contrato; a descrição do objeto contratual, e a elaboração do orçamento estimativo.
A razão de existir do contrato administrativo é a existência, por seu turno, de um problema ou demanda por parte da Administração Pública, que para serem supridos reivindicam a realização de atividade material ou jurídica de um particular, em relação de colaboração normalmente contratada[19] .
Esta demanda tem que ser precisa e corretamente identificada, pois será o fundamento de validade de todas, ou ao menos da mais importantes, decisões no processo da contratação.
A demanda a ser sanada pela execução do contrato tem uma dimensão qualitativa e uma dimensão quantitativa que devem ser conhecidas e determinadas tecnicamente. A conduta administrativa diligente e prudente será aquela direcionada à aferição precisa e correta da demanda pública que deve ser satisfeita pela via do contrato.
Se a necessidade pública não for correta e precisamente identificada, a solução a ser contratada será deficiente, insuficiente ou mesmo inútil. A necessidade pública deve ser apurada em todas as suas dimensões, inclusive ambiental, pena de caracterização de erro grosseiro.
A inexistência de estudos e avaliações técnicas mínimas caracteriza erro grosseiro no que tange à necessidade pública que se pretende resolver pela via do contrato.
Também caracteriza erro grosseiro a inexistência de registros formais descrevendo (ainda que de modo sucinto) em documentos técnicos com conteúdo técnico proporcional à complexidade da situação fática, como requisições, termos de referência, estudos preliminares e congêneres.
Esta etapa de definição da necessidade a ser satisfeita pela via do contrato deve incluir, pena de caracterização de erro grosseiro, o levantamento de todas as providências a cargo da Administração Pública imprescindíveis para o início da execução contratual, como: licenciamento ambiental prévio, adaptação dos prédios ou da estrutura física da organização pública (rede lógica, elétrica, hidráulica, etc.), licença ou autorização da vigilância sanitária ou do Corpo de Bombeiros, quando for o caso, dentre outras.
A falta ou insuficiência de estudos preliminares, análises, medições, avaliações técnicas ou jurídicas envolvendo a necessidade a ser suprida pela via do contrato pode ensejar erro grosseiro – a depender da gravidade da conduta – e a responsabilização pessoal do agente público a quem foram designadas tais atribuições.
A título de exemplos, confira-se precedentes do Tribunal de Contas da União acerca de erro grosseiro na identificação da necessidade administrativa:
Acórdão 177/2005 – plenário – relatório de auditoria (ra) – relator Augusto Sherman – 02/03/2005
(…) Se anunciam padecem flagrantemente do vício da ilegalidade. 40. Em primeiro lugar, não se admite que o projeto básico da obra tenha errado o volume do material de terraplenagem em cerca de 200.000 m3, como dá a entender a 1ª revisão do projeto. Tal erro grosseiro desautoriza presumir se que o orçamento base tenha se fundamentado em quantitativos de serviços propriamente avaliados, como exige o art. 6º, inciso ix, alínea ?f? Da lei 8.666/1993. 41. Nada obstante, o volume adicional foi incorpora(…)
Acórdão 2408/2009 – plenário – tomada de contas especial (tce) – relator Walton Alencar Rodrigues – 14/10/2009
(…)cação das demandas futuras, mas não se admitem erros grosseiros de estimativa. Irreal a estimativa de consumo de us, porque a quantidade indicada era menor que a efetivamente consumida até aquela data. A quantidade alocada para esse item resultou de erro grosseiro de estimativa, não pela imprevisão das quantidades a serem consumidas no futuro, mas porque desconsiderado o consumo pretérito do serviço, devidamente contabilizado nos boletins de medição. Não prospera a afirmação de que as demandas (…)
(…)Mações relativas à efetiva execução contratual, disponíveis nos boletins de medição emitidos por sua gerência, que deixavam evidente o desacerto das estimativas de serviços e dos valores propostos (fls. 846/59, volume 3). Conforme demonstrado, houve erro grosseiro na estimativa dos serviços cujos preços seriam repactuados. A proposta recomendada por Ibsen Flores Lima previu quantidade de us inferior a já consumida e ignorou a baixa execução dos itens que sofreriam redução de preços. Desta forma(…)
Acórdão 2830/2009 – plenário – relatório de levantamento (rl) – relator Augusto Sherman – 25/11/2009
(…)Ria implantada a barragem do rio arraias/to. 62.3. No projeto básico, limitou se a estabelecer apenas “premissas”. Isso ensejou alterações significativas no volume de serviço no momento da execução das obras, o que significa dizer que houve, sim, um erro grosseiro na estimativa do volume de serviço. 62.4. Portanto, como se revelou posteriormente, diante do volume de alterações necessárias por ocasião do projeto executivo, o projeto básico, em seu formato original, realmente não se prestava à co(…
A necessidade deve ser justificada[20] . A inexistência de substancial justificativa da necessidade caracteriza erro grosseiro.
Erro grosseiro na descrição do objeto da contratação
O objeto da contratação é a solução técnica ou material para atender plena e satisfatoriamente a necessidade administrativa que foi devida e corretamente apurada.
Usa-se dizer que o objeto deve ser descrito de forma sucinta, suficiente, precisa e clara. Descrever o objeto significa apontar a solução técnica adequada para suprir plenamente a demanda administrativa por bens, serviços, obras ou serviços de engenharia, ou para alienações e concessões, permissões ou autorizações de uso ou de serviços públicos. Trata-se de conduta pública de inegável relevância, que se realizada de modo negligente, imperito ou imprudente pode resultar em prejuízos graves para o interesse público.
Para a correta descrição do objeto é preciso, primeiramente, o conhecimento suficiente da necessidade pública a ser satisfeita pela contratação, nas suas dimensões quantitativa e qualitativa.
A dificuldade relativa à escolha do objeto da contratação reside no fato de que dificilmente haverá uma solução apenas para uma demanda administrativa que necessite ser suprida pela contratação de terceiros particulares. Usual e normalmente haverá mais de uma solução possível para atender à mesma necessidade pública. A escolha de uma solução, ou de um objeto, dentre vários possíveis e potencialmente corretos para satisfazer a necessidade pública se insere, em geral, no plano da discricionariedade administrativa.
Salvo na eventual hipótese de a solução técnica ser estabelecida e fixada em Lei ou ato normativo vinculante o administrador público conta com certa margem de liberdade para escolher o objeto que melhor atenderá, na sua ótica, a necessidade pública.
Com efeito, atos discricionários “são aqueles que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles”.[21] As circunstâncias e as particularidades do caso ou da situação concreta, no caso da conduta discricionária, influirão na tomada decisão orientada à obtenção do resultado que, na ótica do administrador, melhor atenderá o interesse público.
Embora se possa cogitar de algum espaço para a subjetividade no exercício da prerrogativa discricionária, a conveniência e a oportunidade – elementos característicos desta espécie de decisão – serão sempre avaliadas à luz de aspectos objetivos relacionados à necessidade a ser satisfeita quando da execução do contrato público.
Desta feita, o objeto da contratação adequado será aquele que tem potencialidade de satisfação plena da necessidade identificada e que demanda a contratação de particulares para ser satisfeita. A contratação de um objeto que não tem, no mínimo, a potencialidade de satisfazer tal necessidade caracteriza um erro grosseiro.
Terá potencialidade para tal desiderato o objeto descrito na conformidade do mercado em que está inserido. Conhecer o mercado em que se insere o objeto da contratação é um dos deveres elementares e fundamentais dos agentes públicos quando da definição da solução técnica que será licitada. Caracteriza erro grosseiro licitar um objeto sem conhecimento mínimo do mercado concorrencial (de suas particularidades essenciais) em que se insere ele. A licitação de um objeto fora dos padrões de mercado pode levar a licitações desertas ou fracassadas, ou a execuções contratuais insatisfatórias e mesmo desastrosas.
O Tribunal de Contas da União tem precedentes que exemplificam condutas de erro grosseiro no que tange à descrição do objeto
Acórdão 1542/2016 – plenário – representação (repr) – relator Augusto Sherman – 15/06/2016
(…)10 e 5/2011. 147. Porém, os gestores aduziram que, em se tratando de descrições e especificações em tecnologia, ‘a ocorrência de imprecisão técnica é indesejável, mas plenamente possível, sem que isso necessariamente decorra de dolo, premeditação ou erro grosseiro do agente público’. A título de exemplo, mencionaram trecho da própria instrução da unidade técnica do tribunal (peça 53), na qual apontaram corretamente a ocorrência de duas imprecisões no uso de termos afetos à área do audiovisual(…)
Acórdão 2982/2014 – plenário – relatório de auditoria (ra) – relator Walton Alencar Rodrigues – 05/11/2014
(…)cabe ressaltar que o parecer pela aprovação deu se em flagrante desrespeito à lei 8.666/1993, que é enfática sobre a necessidade de prévia aprovação do projeto básico antes da deflagração do processo licitatório. Plenamente enquadrável, portanto, como erro grosseiro, tendo em vista que o parecer infringiu disposição literal de lei (art. 7º, §2º, inciso i, da lei 8.666/1993), fato que torna a responsabilização do parecerista jurídico plausível, de acordo com a jurisprudência do tribunal de contas (…)
Acórdão 1298/2017 – plenário – tomada de contas especial (tce) – relator André de Carvalho – 21/06/2017
(…)Eles. 111. Cotejando os autos, verifica se que o processo foi submetido à procuradoria do dnit, à assessoria de cadastro e licitações e posteriormente à diretoria colegiada. Assim, tendo cumprido o rito de aprovação do edital, e por não se tratar de erro grosseiro, de fácil percepção, não seria razoável exigir que o diretor de infraestrutura aquaviária se ocupasse, pessoalmente, de minuciosa revisão do projeto. 112. Outrossim, caso este tribunal decida incluir o diretor aquaviário no rol de res(…
Acórdão 2914/2013 – plenário – representação (repr) – relator Raimundo Carreiro – 30/10/2013
(…) Dentro do período válido para essa etapa. Se depois houve sua retirada significativa do orçamento (95%), seria de se supor que tal ação estivesse pautada na posterior verificação de que era prescindível para a conservação da rodovia, confirmando se erro grosseiro de previsão, mas sem que isso assumisse qualquer vínculo com estimativas futuras realizadas em etapas posteriores. Desse modo, o tipo de análise efetuado pelos auditores somente é adequado se restrito a uma determinada etapa do pato, (…)
Acórdão 1919/2013 – plenário – relatório de auditoria (ra) – relator Ana Arraes – 24/07/2013
(…)contratadas pela administração pública 2. Elevada disparidade entre os quantitativos do dfp e os quantitativos dos histogramas de mão de obra aplicados na obra (ver item 7.5 e quadro 3, item 7.8 anexos) 3. Projeto executivo desenvolvido com base em erro grosseiro nos cálculos de volumes de terraplanagem, provocando alteração de escopo de forma injustificada, conforme item 3.2.2.1 adiante 4. Prazo inicial de execução exíguo para passagem dos dutos, que não se mostrou necessário (prazo foi dilatado(…)
(…)aria que conduziria a uma redução nos custos da obra. Todavia, simultaneamente à constatação da não confirmação das premissas, foi também constatado que o projeto executivo licitado possuía inconsistências nos volumes de terraplanagem, decorrentes de erro grosseiro nos cálculos desenvolvidos pela empresa responsável por sua elaboração ( Dynatest Engenharia Ltda). E, em função desse erro de projeto, a Encalso propôs à Petrobras uma alteração contratual que resultou na celebração do indigitado adi(…)
Acórdão 3015/2012 – plenário – relatório de auditoria (ra) – relator Walton Alencar Rodrigues – 08/11/2012
(…)orense, 1995, p. 184).’ 194. Ademais, entende se que o caso em apreço não se amolda ao precedente jurisprudencial trazido à baila pelo recorrente, eis que a existência de objetos contratuais amplos e imprecisos, e, ainda, sem justificativa de preços, é erro grosseiro facilmente aferível pelo gestor público médio, não se exigindo conhecimentos técnicos profundos para a sua aferição. 195. Além disso, é de mister ressaltar que a cadeia decisória na administração pública visa a assegurar a regularidade (…)
A descrição do objeto deve ser justificada, pena de erro grosseiro.[22]
Erro grosseiro na elaboração do orçamento estimativo
Elaborar o orçamento estimativo significa apurar no mercado o valor aproximado do objeto da contratação, seja ele um bem, um serviço ou uma obra ou outro, de natureza diversa.
Trata-se de uma das tarefas mais complexas do processo da contratação. Estimar o valor do futuro contrato é conduta que deve ser realizada por agente público dotado da capacitação necessária e suficiente.
A elaboração do orçamento estimativo no processo das contratações públicas pode ser dividida em três categorias: (i) orçamento estimativo de obras e serviços de engenharia; (ii) orçamento estimativo de compras e serviços (que não sejam de engenharia); e (iii) orçamento estimativo para fins de contratação direta por inexigibilidade de licitação.
O orçamento estimativo de obras ou de serviços de engenharia, para que seja elaborado sem o risco de erro grosseiro, pode ser realizado a partir de sistemas oficiais de referencias de preços (tabelas oficiais) de insumos e de serviços.
Para a Administração Pública Federal, nos termos do Decreto Federal nº 7.983/13 “o custo global de referência de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços e obras de infraestrutura de transporte, será obtido a partir das composições dos custos unitários previstas no projeto que integra o edital de licitação, menores ou iguais à mediana de seus correspondentes nos custos unitários de referência do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, excetuados os itens caracterizados como montagem industrial ou que não possam ser considerados como de construção civil” (art. 3º).
Este critério é também recomendado pelo Tribunal de Contas da União ao preceituar que “os sistemas oficiais de referência da Administração Pública reproduzem os preços de mercado, e, por gozarem de presunção de veracidade, devem ter precedência em relação à utilização de cotações efetuadas diretamente com empresas que atuam no mercado” (Acórdão nº 452/2019 Plenário).
Os orçamentos estimativos de compras e serviços em geral, que não sejam de engenharia, devem ser realizados, pena de erro grosseiro, a partir de uma ampla pesquisa de mercado, ou, no dizer do Tribunal de Contas da União, considerando uma “cesta de preços”:
As estimativas de preços prévias às licitações devem estar baseadas em cesta de preços aceitáveis, tais como os oriundos de pesquisas diretas com fornecedores ou em seus catálogos, valores adjudicados em licitações de órgãos públicos, sistemas de compras (Comprasnet) , valores registrados em atas de SRP, avaliação de contratos recentes ou vigentes, compras e contratações realizadas por corporações privadas em condições idênticas ou semelhantes.[23]
Na “cesta de preços” de que trata o TCU devem integrar preços apurados junto a fornecedores, preços de produtos ou serviços similares já contratados antes pelo órgão ou entidade; preços de produtos ou serviços similares já contratados antes por outros órgão ou entidades públicas ou empresas do setor privado; preços constantes dos sistemas eletrônicos de compras; preços de produtos ou de serviços registrados em atas de registro de preços vigentes; outros meios de aferição de preços que o órgão ou entidade entenda pertinente. Os preços pesquisados devem ser objeto de tratativa técnica ou de cálculo estatístico, de modo a possibilitar o encontro do preço de referência, que se obtido da forma correta reflitirá o preço de mercado do bem ou do serviço.[24]
No que diz, por fim, com a elaboração de orçamento estimativo de bem ou serviço que será objeto de contratação direta por licitação inexigível, se trata de algo que será contratado sem licitação em razão da inviabilidade de competição porque o fornecedor é exclusivo, ou porque não há parâmetros objetivos para comparação de propostas em processo licitatório. Desta feita, em razão da natureza singular do objeto, nos casos de contratação direta por inexigibilidade de licitação, o orçamento estimativo se elabora a partir dos preços praticados pelo próprio prestador ou fornecedor junto a outras instituições públicas ou privadas, como já deliberou o Tribunal de Contas da União:
A justificativa do preço em contratações diretas (art. 26, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.666/1993) deve ser realizada, preferencialmente, mediante: (i) no caso de dispensa, apresentação de, no mínimo, três cotações válidas de empresas do ramo, ou justificativa circunstanciada se não for possível obter essa quantidade mínima; (ii) no caso de inexigibilidade, comparação com os preços praticados pelo fornecedor junto a outras instituições públicas ou privadas.[25]
Não opera em erro grosseiro o agente público que realiza orçamento estimativo de acordo com os critérios acima apontados.
Confira-se alguns precedentes do Tribunal de Contas da União acerca de erro grosseiro na elaboração de orçamentos estimativos:
Acórdão 844/2017 – plenário – relatório de auditoria (ra) – relator Benjamin Zymler – 03/05/2017
(…)exclusão do item carpinteiro (parágrafos 85/87 da peça 185), defendendo que o argumento utilizado pela unidade técnica do tcu em sua conclusão (parágrafos 107/110 da peça 185) são muito frágeis: “a inserção no sicro de serviço contendo coeficiente com erro grosseiro de avaliação, elevando se a preço desarrazoado, caracterizaria ato nulo”. 65. defende ter ocorrido mera retificação/evolução, com melhor apuração daquele índice, nada mais. e que seria “pouco sensato” anular, por essa razão, um ato ad(…)
(…). dessa forma, não há como prosperar a alegação do consórcio sobre a fragilidade dos argumentos utilizados por esta unidade técnica sobre o serviço “cerca arame farpado com suporte madeira”, uma vez que fica comprovado, e já reconhecido pelo Dnit, o erro grosseiro da composição adotada como base para a licitação e o consequente sobrep