GARANTIA TÉCNICA CARACTERIZA OBRIGAÇÃO FUTURA?

Segundo disciplina o art. 25 do Regulamento de Licitações e Contratos dos Serviços Sociais Autônomos, o termo de contrato se faz obrigatório na modalidade concorrência, ressalvadas as hipóteses em que esta visar a aquisição de bens de entrega imediata, por não restar obrigação futura. Nas contratações diretas ou nas decorrentes das demais modalidades de licitação o termo de contrato é facultativo, podendo ser substituído por outros instrumentos hábeis– tais como carta-contrato, nota de empenho, autorização de compra/fornecimento ou ordem de execução de serviço– os quais, embora sejam instrumentos mais simples do que o termo de contrato propriamente dito, devem contemplar, no que couber, as cláusulas necessárias para formalizar o ajuste, de acordo com o caso concreto e nos termos do art. 26 do RLC.

Sobre o tema, oportunos os comentários de Marçal Justen Filho ao art. 62 da Lei 8.666, cuja redação é similar ao Regulamento:

A única diferença reside em que o termo de contrato é um escrito completo, contemplando todas as cláusulas cabíveis, emitido para o fim específico de documentar a avença. Já as outras formas de documentação envolvem a utilização de instrumentos destinados a outros fins para, de modo concomitante, promover a formalização da contratação.
Vale ressalvar o equívoco a que a redação do dispositivo poderia conduzir. Não é raro imaginar-se que o art. 62 restringe as hipóteses em que existirá contrato administrativo. Alguns pensam que as regras sobre contrato administrativo apenas se aplicam quando for assinado um termo de contrato, concepção incompatível com a ordem jurídica. Essa colocação é totalmente incorreta e pode ter efeitos muito graves. Deve ter-se em vista que a existência de um contrato administrativo não depende da forma adotada para sua formalização. Existe contrato administrativo mesmo quando documentado por via da assinatura uma nota de empenho. Aperfeiçoa-se o contrato administrativo quando completados os atos jurídicos necessários à formalização que exterioriza o acordo de vontades.
Por isso, todas as regras previstas na Lei aplicam-se, independentemente da uma das formas previstas no artigo ora examinado”.[1] (grifou-se)

Infere-se, portanto, que o Regulamento de Licitações e Contratos permite a substituição do instrumento de contrato por equivalente, nas modalidades convite, pregão, por exemplo, independentemente do objeto ou da existência de obrigações futuras. Em outras palavras, a interpretação literal da norma induz à seguinte conclusão: se realizada licitação em modalidade diversa da concorrência ou, ainda, tratar-se de contratação direta, o instrumento de contrato pode ser substituído por documento mais simples; se adotada modalidade concorrência, a regra é o contrato, salvo se o objeto for entrega imediata de bens.

Em que pese a norma não impor, o TCU reiteradamente tem exigido a formalização de contrato, independente da modalidade, sempre que o objeto envolver obrigações futuras, a exemplo de entrega futura ou parcelada do objeto e assistência técnica:

“Exige a Lei de Licitações que os contratos e seus aditamentos sejam elaborados pelos órgãos ou entidades da Administração que realizam a contratação.
Qualquer contrato administrativo deve ser formalizado por escrito, de acordo com as exigências da Lei nº 8.666/1993.
Nas hipóteses a seguir, deve a contratação ser formalizada obrigatoriamente por meio de termo de contrato:
• licitações realizadas nas modalidades concorrência, tomada de preços e pregão;
• dispensa ou inexigibilidade de licitação, cujo valor esteja compreendido nos limites das modalidades concorrência e tomada de preços;
• contratações de qualquer valor das quais resultem obrigações futuras. Exemplo: entrega futura ou parcelada do objeto e assistência técnica.
Nos demais casos, o termo de contrato é facultativo, podendo ser substituído pelos instrumentos hábeis a seguir:
• carta-contrato;
• nota de empenho de despesa;
• autorização de compra;
• ordem de execução de serviço.
Pode a Administração dispensar o termo de contrato nas compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, das quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica, independentemente do valor e da modalidade realizada.
Devem os contratos ser numerados e arquivados em ordem cronológica, na sequência das datas de assinaturas e registro sistemático dos respectivos extratos em meio eletrônico ou em livro próprio.
(…)
Carta-contrato, nota de empenho, autorização de compra ou ordem de execução de serviço são documentos mais simples utilizados para substituição de contratos. A esses instrumentos aplicam-se, no que couber, exigências do termo de contrato. Exemplo: descrição do objeto, preço, prazos, condições de execução, condições de pagamento, regime de execução, obrigações e direitos das partes, dentre outras”.[2](grifou-se)

Nesse contexto, é importante analisar o que caracteriza obrigação futura, na esteira da doutrina de Jessé Torres Pereira Júnior e Marinês Dotti: “Na obrigação futura, o contratado compromete-se a satisfazer as necessidades da administração contratante durante período de tempo determinado e nas condições previamente estipuladas. Configuram obrigações futuras do contratado, segundo o Tribunal de Contas da União, a entrega futura ou parcelada do objeto e a assistência técnica, a atrair, portanto, a formalização do ajuste por meio de termo, não por instrumento equivalente”[3].

Deve-se aferir se o objeto caracteriza entrega imediata ou, ao contrário, futura e/ou parcelada (sendo neste caso, obrigatória a formalização de instrumento contratual, na visão do TCU) ou, ainda, se haverá assistência técnica.

O Regulamento de Licitações e Contratos não define o que se entende por pronta entrega ou entrega imediata. O Tribunal de Contas da União, por seu turno, considera:


“Publicação

Informativo de Licitações e Contratos 347/2018


Colegiado

Plenário


Enunciado

É possível a formalização de contratação de fornecimento de bens para entrega imediata e integral, da qual não resulte obrigações futuras, por meio de nota de empenho, independentemente do valor ou da modalidade licitatória adotada, nos termos do art. 62, § 4º, da Lei 8.666/1993 e à luz dos princípios da eficiência e da racionalidade administrativa. Entende-se por “entrega imediata” aquela que ocorrer em até trinta dias a partir do pedido formal de fornecimento feito pela Administração, que deve ocorrer por meio da emissão da nota de empenho, desde que a proposta esteja válida na ocasião da solicitação.


Texto

Em representação de unidade técnica do TCU, convertida de processo administrativo de auditoria interna, discutiu-se a legalidade da dispensa de termo de contrato – e da consequente utilização de outros documentos – nas compras com entrega imediata. O cerne da controvérsia envolveu a interpretação do art. 62, § 4º, da Lei 8.666/1993, segundo o qual estaria dispensado o termo de contrato, independentemente de seu valor, nas compras com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, das quais não resultassem obrigações futuras. Houve, pois, a necessidade de delimitar as aquisições que poderiam ser caracterizadas como de entrega imediata. Em seu voto, o relator ressaltou que “utilizar a definição do art. 40, § 4º, da Lei 8.666/1993 (Nas compras para entrega imediata, assim entendidas aquelas com prazo de entrega até trinta dias da data prevista para apresentação da proposta,…) para interpretar o art. 62, § 4º, não confere a este o alcance almejado pelo legislador”. Segundo ele, ao possibilitar que a formalização da relação contratual fosse simplificada em determinadas situações, a finalidade do art. 62, § 4º, era aumentar a eficiência administrativa, fazendo com que houvesse a elaboração de instrumento contratual apenas nos casos em que isso fosse “estritamente necessário para estabelecer e controlar um conjunto de obrigações minimamente complexo firmado entre ambos os lados”. Além disso, o aludido art. 40, § 4º, teria como propósito a “preservação do equilíbrio econômico-financeiro da proposta ao longo da licitação, tendo sido concebido no ano de 1994, em um contexto de instabilidade monetária, com a ameaça constante de acréscimos súbitos e relevantes nos custos, em decorrência da hiperinflação”. O relator enfatizou ainda que seria virtualmente impossível finalizar todo o procedimento licitatório em trinta dias contados da apresentação da proposta, implicando “a obrigatoriedade de utilização de termo de contrato na quase totalidade dos casos de compras”. Nesse contexto, “não poderia mais ser utilizada somente a nota de empenho em nenhuma aquisição decorrente de registro de preços”, além do que, em pregões eletrônicos, aplicando-se as regras do Decreto 5.450/2005, em especial as da sua fase externa, “será impraticável a entrega do bem licitado no aludido prazo de trinta dias”. Portanto, “o conceito de entrega imediata – um dos requisitos para que se possa dispensar a formalização de instrumento contratual – não deve ser, de fato, o de compras com prazo de entrega até trinta dias da data prevista para apresentação da proposta, o que impossibilitaria a aplicação do referido art. 62, § 4º, tornando-o praticamente letra morta, além de operar claramente contra os princípios da eficiência e da racionalidade administrativa”. Por fim, ao se reportar à proposição da unidade especializada instada a se manifestar nos autos, no sentido de que a interpretação para a referida entrega imediata deveria ser “a que ocorrer em até trinta dias a partir do pedido de fornecimento formal feito pela Administração, que pode se dar por meio da emissão da nota de empenho, desde que a proposta, na ocasião da solicitação, se encontre válida”, o relator ponderou que “essa solicitação ao fornecedor costuma ocorrer após a emissão da nota de empenho, que acontece quando já existe a garantia de haver condições orçamentária e financeira para a compra. Contudo, considero inadequado que haja um intervalo entre o empenho e o pedido para o fornecimento, pois isso pode implicar o prolongamento indevido do prazo por livre opção do gestor. Dessa forma, deve-se estabelecer que esse requerimento seja efetuado com o próprio documento orçamentário”. Acolhendo o voto do relator, o Plenário decidiu firmar entendimento no seguinte sentido: I) “há possibilidade jurídica de formalização de contratação de fornecimento de bens para entrega imediata e integral, da qual não resulte obrigações futuras, por meio de nota de empenho, independentemente do valor ou da modalidade licitatória adotada, nos termos do § 4º do art. 62 da Lei 8.666/1993 e à luz dos princípios da eficiência e da racionalidade administrativa que regem as contratações públicas”; e II) “a entrega imediata referida no art. 62, § 4º, da Lei 8.666/1993 deve ser entendida como aquela que ocorrer em até trinta dias a partir do pedido formal de fornecimento feito pela Administração, que deve ocorrer por meio da emissão da nota de empenho, desde que a proposta esteja válida na ocasião da solicitação”. Acórdão 1234/2018 Plenário, Administrativo, Relator Ministro José Múcio Monteiro”. (grifou-se)

Questão que usualmente surge nos treinamentos é a seguinte: a garantia técnica do fabricante caracteriza obrigação futura para fins de tornar obrigatória a formalização de instrumento de contrato?

A garantia técnica tem por finalidade assegurar “a integridade de um produto vendido e/ou a boa qualidade ou durabilidade de um serviço prestado, e que obriga o fabricante a consertar ou substituir a mercadoria com defeito e o prestador de serviço a refazê-lo se insatisfatório”.[4] Ou seja, com ela o fabricante do produto se responsabiliza por um determinado lapso temporal (um ano, dois, etc., de acordo com as regras de mercado) pela integralidade do produto e pela reparação de certos problemas ou falhas no funcionamento do bem, entre outros.

Esta forma de garantia decorre, em verdade, do próprio objeto contratado e não da relação jurídica formada entre a Administração e o fornecedor do objeto, correspondendo a uma responsabilidade extracontratual que existe e subsiste independentemente de vínculo contratual entre as partes.

Conforme ilustra o Acórdão nº. 2406/2015 – 2ª Câmara, do TCU, existem três tipos de garantia técnica:

“3. Em regra existem três tipos de garantia, a legal, a contratual e a estendida. Nesse sentido tem-se que a garantia legal não pode ser modificada nem restringida, é de 90 dias para bens duráveis, e abrange todos os componentes do bem adquirido. Quanto à garantia contratual, entende-se que é ofertada pelo fabricante após o decurso do prazo da garantia legal, é, portanto, um benefício inerente a cada fabricante e pode ser modificado. Sendo assim, exigir que o fabricante do equipamento de informática ofereça a garantia contratual à empresa licitante é, em síntese, condicionar que somente as empresas licitantes capazes de conseguir esse benefício participem do certame, haja vista que não há padronização expressa em normativo legal voltada para os fabricantes de equipamentos de informática, estabelecendo o prazo de cinco anos como garantia contratual. Nesse sentido, tem-se que somente as licitantes que venham a obter a possibilidade de contratar a garantia estendida junto aos fabricantes podem participar do certame, estando excluídas as demais que não lograrem êxito junto aos fabricantes, sendo os mesmos ou não. Assim, o prazo mínimo de garantia a ser exigido deve ser o usual dos fabricantes, que geralmente compreende o período de doze meses a partir da data da aquisição. Portanto, a presente análise posiciona-se no sentido de que essa exigência restringe de forma irregular a competição, pois não encontra amparo legal para o objeto em tela”.

Nas precisas lições de Jacinta Macedo Birkner Guimarães“a garantia legal está expressa no Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu art. 26; a garantia contratual é complementar à legal, facultativa, e será conferida mediante termo escrito (art. 50 do CDC); e por fim, a garantia estendida é aquela que prolonga a garantia contratual (também chamada de fábrica ou do fabricante, normalmente concedida de um ano)”.[5]

Assim, tem-se que, mesmo após a extinção do contrato, com a entrega total dos objetos adquiridos, o particular ainda responde por sua integridade durante o período de garantia técnica, nos termos dos arts. 24, 26 e 50, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8078/90).

A garantia legal independe de termo escrito e decorre da própria lei, ao passo que a garantia contratual é complementar à legal e deve ser reduzida a termo escrito. Assim, é indispensável que o termo de referência e o edital definam, em face das regras mercadológicas aplicáveis ao objeto, o prazo de garantia contratual e a necessidade de sua apresentação por escrito, contendo os requisitos mínimos definidos no parágrafo único do art. 50 do Código de Defesa do Consumidor.

Não obstante, essa garantia equivale a instrumento jurídico autônomo que independe do contrato administrativo (ou instrumento equivalente), razão pela qual seu prazo não precisa estar contemplado na vigência do contrato. Ou seja, a garantia técnica do serviço ou produto persiste mesmo após a extinção do ajuste, pois esta decorre, em verdade, do próprio objeto e subsiste independentemente de vínculo contratual entre as partes.

Dessa feita, findo o contrato Administrativo e verificando o órgão contratante algum vício no produto ou no serviço, não resultante de sua utilização inadequada ou outras situações previstas na legislação específica, poderá a Entidade executar a garantia.

A respeito, oportuna a seguinte decisão do Tribunal de Contas da União:

“VOTO
(…)
No que se refere à vigência do contrato, é necessário reconhecer o acerto das considerações tecidas a esse respeito pela unidade técnica na instrução transcrita no relatório. Conforme evidenciado à fl. 134, anexo 1, o objeto do contrato já foi integralmente executado e pago, não havendo nenhum serviço pendente e tampouco saldo remanescente a pagar. O contrato só permanece em vigor em razão da garantia técnica, estipulada na cláusula décima quinta (fl. 25, anexo 1) que se estenderia por período não inferior a cinco anos, contados da lavratura do termo de entrega e recebimento definitivo do objeto contratado. Como visto, esse prazo foi equivocadamente inserto na vigência do contrato.
Evidente que, em consonância com o entendimento da Serur, do ato não resultou dano ou prejuízo ao Erário. Não se trata de contrato que preveja a prestação continuada de serviços e os respectivos pagamentos, por prazo superior ao limite legal. No caso, a vigência do contrato encontra-se estendida unicamente por conta da garantia técnica, que integra o ajuste. Assim sendo, a rescisão do contrato, além de não ser necessária, tampouco é recomendável, uma vez que poderia ensejar questionamentos acerca da vigência da garantia.
Não obstante, não se pode dispensar determinação ao IPqM, no sentido de que observe os limites estabelecidos no art. 57, da Lei nº 8.666/93, deixando de incluir, no prazo de vigência contratual, o período de garantia, uma vez que a responsabilidade do fornecedor dos produtos ou serviços já está prevista nos arts. 69 e 73, § 2º, da mesma lei.
Ademais, é pertinente observar que, nas situações em que seja aplicável a Lei nº 8.078/90, poderá ser obtido termo de garantia contratual, de acordo com o disposto no art. 50 e parágrafo único da citada lei.
(…)
DECISÃO
(…)
8.2. dar à determinação constante do item II, do Ofício – 3a Secex 1.064/00, que comunicou ao IPqM a deliberação tomada por esta Primeira Câmara, em sessão de 06.06.00, contida na Relação 44/00, Ata 19/00, a seguinte redação:
II – observe, nas contratações futuras, as disposições constantes da Lei nº 8.666/93, art. 57, que dispõe sobre o prazo da duração dos contratos, sem incluir no período de vigência o prazo de garantia, uma vez que esse direito, de acordo com o que preceitua o art. 69, e o § 2º, do art. 73, todos da Lei nº 8.666/93, perdura após a execução do objeto do contrato.
8.3. esclarecer ao IPqM que, nas hipóteses em que for aplicável a Lei nº 8.078/90, poderá exigir do contratado, termo de garantia em separado, segundo o disposto no art. 50 e parágrafo único, da mencionada lei; e (…)”.[6]

Nesse sentido é a Orientação Normativa nº. 51, da Advocacia Geral da União:

“”A GARANTIA LEGAL OU CONTRATUAL DO OBJETO TEM PRAZO DE VIGÊNCIA PRÓPRIO E DESVINCULADO DAQUELE FIXADO NO CONTRATO, PERMITINDO EVENTUAL APLICAÇÃO DE PENALIDADES EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE ALGUMA DE SUAS CONDIÇÕES, MESMO DEPOIS DE EXPIRADA A VIGÊNCIA CONTRATUAL”.

Do exposto, infere-se que a garantia técnica não caracteriza obrigação futura para o fim de tornar o instrumento de contrato obrigatório, na esteira da doutrina de Marçal Justen Filho: “A Lei refere-se à hipótese de ausência de obrigações futuras (inclusive envolvendo assistência técnica) para o contratado. Obviamente, a regra legal não se refere à previsão de garantia pelos vícios ocultos, evicção, etc. Essas decorrências são automáticas e dispensam expressa previsão contratual. Logo, a omissão do instrumento contratual não acarretaria a inaplicação das regras legais”[7].

Na mesma linha é a orientação de Lucas Rocha Furtado, que assevera que “o termo de contrato somente poderá ser dispensado nas compras, independentemente do valor, se houver a pronta entrega dos bens, e não resultarem obrigações futuras. É importante observar que a aplicação dessa regra não libera o vendedor do dever de responder por defeitos que o produto venha a apresentar, assim como não o libera da garantia do fabricante”[8].

E, mais uma vez, a tese de Jacinta Macedo Birkner Guimarães:

“Logo, considerando o arcabouço doutrinário e jurisprudencial aqui expendido, pode-se afirmar que o termo “obrigações futuras”, assentado no §4º do art. 62 da Lei nº 8.666/93, alberga a prestação de uma obrigação de dar ou de fazer por parte do particular contratado, que prescinde necessariamente do termo de contrato; em outras palavras, não pode ser substituído por uma de suas formas equivalentes, tendo em vista que tal compromisso futuro deve estar devidamente previsto e detalhado no instrumento contratual, sob o risco de prejuízo à Administração se assim não for procedido.
Todavia, a garantia do produto, seja ela legal ou contratual, independe de previsão no termo de contrato, em virtude de clara cominação legal, expressa no art. 69, e §2º do art. 73 da Lei nº 8.666/93. Frisa-se novamente: a responsabilidade do fornecedor não é afastada quanto a eventuais defeitos, ou vícios ocultos que venham a se revelar no bem recebido pela Administração. Significa dizer que a garantia do produto, ofertada pelo fabricante, deverá ser cumprida pelo fornecedor, mesmo na ausência do termo de contrato, e não deve ser incluída na sua vigência, pois possui prazo próprio e desvinculado, não podendo, por fim, ser classificada como uma obrigação futura”[9]. (grifou-se)

Por derradeiro, importa alertar que a garantia técnica não se confunde com a assistência técnica. Essa diferenciação é relevante porquanto, embora o Regulamento seja omisso a respeito, a Lei 8.666/93, no art. 62, § 4º, ao permitir a substituição de instrumento de contrato por documento equivalente, na hipótese de não existirem obrigações futuras, expressamente excepciona a assistência técnica.

Conforme ponderam Jessé Torres Pereira Júnior e Marinés Dotti:

“Independentemente do valor do objeto e da modalidade licitatória utilizada (inclusive o pregão), a prestação de assistência técnica pelo fornecedor do objeto atrai a formalização do ajuste por meio de termo de contrato, por aplicação do disposto no art. 62, § 4º, da Lei nº. 8.666/93 – É dispensável o ‘termo de contrato’ e facultada a substituição prevista neste artigo, a critério da Administração e independentemente de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assistência técnica”[10].

Essa questão é objeto de muita celeuma, porquanto é usual confundir-se a garantia técnica com a assistência técnica. Em artigo específico sobre esta temática, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes alerta:

“No termo das obrigações futuras, surge o questionamento: a garantia dos produtos pressupõem obrigações futuras? Esta é uma questão de fundamental importância. Há uma diferença conceitual entre a assistência técnica e a garantia. No âmbito da assistência técnica, deverá existir um serviço de manutenção de um produto, não havendo a necessidade de produto apresentar qualquer defeito para que o serviço seja prestado. É um serviço, inclusive, preventivo.
No caso da garantia, este é um serviço acionado toda vez que o produto apresenta um defeito, inclusive, impondo-se a sua substituição em determinados casos. Para fins do disposto no art. 62, § 4º, não há que se considerar a garantia como obrigação futura para fins de obrigatoriedade de formalização contratual. Assim, mesmo com a existência de uma previsão de garantia, é possível substituir o contrato por uma nota de empenho, por exemplo, nos casos adstritos ao disposto no artigo acima citado”[11]. (grifou-se)

Em face do exposto, é possível concluir que, embora a redação do Regulamento dos Serviços Sociais Autônomos permita a substituição do instrumento de contrato por documento equivalente nas contratações diretas e licitações realizadas por modalidades diversas da concorrência, independentemente da existência de obrigações futuras, não se pode olvidar que o TCU tem exigido termo de contrato sempre que o objeto seja acompanhado destas obrigações futuras. Com efeito, a tese visa conferir maior segurança jurídica às partes. Nessa linha, entende-se por obrigação futura aquilo que se prolonga no tempo, a exemplo de entrega parcela e assistência técnica. Não obstante, esta última não se confunde com a garantia técnica do produto, que independe do contrato de fornecimento e, portanto, não caracteriza obrigação futura para o fim de tornar o contrato obrigatório. Agora, se o objeto contemplar assistência técnica periódica, independente de eventuais defeitos no equipamento, o termo de contrato será necessário.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 990.
[2] BRASIL. Tribunal de Contas da União-TCU. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010, p. 652-653.
[3] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 1323.
[4] Dicionário eletrônico Houaiss.
[5] GUIMARÃES, Jacinta Macedo Birkner. Garantia legal ou contratual do fabricante: A vigência do contrato deve abranger o tempo de garantia do produto?Disponível em: http://licitacaoempauta.com.br/garantia-legal-ou-contratual-do-fabricante. Acesso: 27.06.2019.
[6] Decisão 202/2002 – Primeira Câmara.
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1157.
[8] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 634.
[9] GUIMARÃES, Jacinta Macedo Birkner. Garantia legal ou contratual do fabricante: A vigência do contrato deve abranger o tempo de garantia do produto?Disponível em: http://licitacaoempauta.com.br/garantia-legal-ou-contratual-do-fabricante. Acesso: 27.06.2019.
[10] PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres e DOTTI, Marinês Restelatto. Mil perguntas e respostas necessárias sobre licitação e contrato administrativo na ordem jurídica brasileira. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 93.
[11] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Conceito de “obrigações futuras” para ser exigível o contrato. Disponível em: . Acesso em:27/06/2019.

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