LICITAÇÃO. EXIGÊNCIAS RESTRITIVAS. NECESSIDADE DE JUSTIFICATIVA.

Acórdão 1973/2020 Plenário

REPRESENTAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO PARA REGISTRO DE PREÇOS PARA AQUISIÇÃO DE COLDRES TÁTICOS CONDUZIDO PELO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE. ESPECIFICAÇOES DA COR PRETA RESTRITIVA À COMPETITIVIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA QUE A LICITAÇÃO SEJA ANULADA QUANTO AO REFERIDO ITEM.

No Acórdão 1973/2020, do Plenário, o TCU analisou representação apresentada em virtude de exigência editalícia reputada restritiva, relativa à tonalidade da cor dos equipamentos que se almejava adquirir, sem a necessária justificativa acerca da imprescindibilidade de tal exigência para o atendimento satisfatório do interesse público, conforme apontado no julgado em comento:

“9.3.2. inexistência de demonstração de pertinência entre a o nível de especificação da tonalidade da cor preta, na forma como procedido, e a finalidade de garantir a harmonia da imagem visual do conjunto das peças que compõem os uniformes e equipamentos de proteção individual dos policiais da instituição;”.

Com efeito, embora a definição do objeto esteja dentro da competência discricionária do gestor público, que por critérios de conveniência e oportunidade decide qual é a solução mais adequada ao caso concreto, é certo que sua caracterização não pode se dar de forma divorciada da real necessidade pública que se pretende atender, o que enseja que todas as exigências feitas sejam motivadas, justificadas e se restrinjam tão somente àquelas de fato essenciais para o atendimento da demanda apresentada.

Como regra, portanto, a Administração tem o dever de, por ocasião da elaboração do termo de referência, fixar motivada e justificadamente as características do objeto desejado para satisfação plena de sua necessidade, não podendo contratar além do necessário nem aquém do que realmente é preciso. Portanto, todas as exigências fixadas na descrição do objeto que possam restringir a competitividade devem ser justificadas em face da real necessidade.

Para definir os requisitos mínimos, deve-se ter em mente o uso que será dado ao objeto, a fim de justificar itens como tonalidade da cor. Para não restringir a competitividade, é de suma importância realizar ampla pesquisa de mercado, a fim de verificar a existência de uma pluralidade de marcas e modelos que atendam as especificações inseridas no termo de referência, conforme consignado no julgado objeto destes comentários:

“15.5. dar ciência ao Departamento de Polícia Rodoviária Federal, com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução – TCU 315/2020, sobre as seguintes impropriedades/falhas, identificadas no Pregão 20/2019, para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes:
a) ausência de levantamento de mercado nos Estudos Preliminares, com indicação dos fabricantes e modelos que atenderiam às especificações técnicas contidas no edital do PE 20/2019 e na NTPRF 109.1, de forma a afastar requisitos potencialmente restritivos e possível direcionamento do certame para determinado produto/fabricante, contrariando o Anexo III, item 3.3, alínea “f” da Instrução Normativa Seges/MPDG 5/2017;”

A inclusão de condições irrelevantes ou injustificadas para o objeto do certame pode acabar por alijar potenciais interessados em concorrer no procedimento licitatório, o que implicaria violação aos princípios da isonomia, competitividade e da economicidade. Por tal razão, toda e qualquer exigência fora dos padrões usuais ou do mínimo indispensável para a satisfação do interesse público em licitações deve ser precedida de análise e estudo técnico que a justifique, visto que a restrição da competitividade ou mesmo o direcionamento do certame a fabricante ou bem específico sem justificativas pertinentes e adequadas caracteriza grande afronta à lei e aos princípios administrativos, o que é fortemente rechaçado pelos órgãos de controle.

Pertinente os apontamentos de Marçal Justen Filho, que aduz:

“Existe um conjunto de providências de cunho preliminar, que se dirigem à decisão de promover a licitação (…). A primeira consiste em identificar a necessidade a ser satisfeita. Isso se traduz numa constatação sobre a situação fática presente ou futura.
Constatada a necessidade, cabe considerar as alternativas de solução. Isso significa comparar as soluções possíveis e determinar as vantagens e desvantagens existentes.
(…)
A vedação do § 5º do art. 7º conjuga-se com o art. 25, I, a cujo comentário se remete. É possível a contratação de fornecedores exclusivos ou a preferência por certas marcas, desde que essa seja a solução mais adequada para satisfazer as necessidades coletivas. Não se admite a opção arbitrária, destinada a beneficiar determinado fornecedor ou fabricante. A proibição não atinge, obviamente, a mera utilização da marca como instrumento de identificação de um bem – selecionado pela Administração em virtude de suas características intrínsecas. O que se proíbe é a escolha do bem fundada exclusivamente em uma preferência arbitrária pela marca, processo psicológico usual entre os particulares e irrelevante nos lindes do direito privado.”[1]

No julgado em tela, o TCU entendeu que o órgão não logrou êxito em comprovar que as exigências pertinentes à tonalidade do produto eram indispensáveis para assegurar a harmonia visual dos policiais, reputando assim como excessivas e restritivas à competitividade:  

“Finalizo expressando meus elogios à Selog pelo zelo e empenho em buscar as imprescindíveis clareza e precisão na manifestação da unidade jurisdicionada sobre os relevantes questionamentos da representação, o que permitiu, para esse caso singular, descortinar solução juridicamente possível que elimina, ao menor custo de tempo e dinheiro para a Administração, o alto risco de dispêndio antieconômico estimado em R$ 8.000.000,00, tão somente para obter-se produto de tonalidade específica da cor preta (nível de exigência cuja necessidade para garantir a harmonia da imagem visual dos policiais não foi demonstrada) , tonalidade que, segundo a documentação técnica apresentada pela representante e não contestada, não se diferenciaria, a olho nu, da tonalidade da cor preta do coldre ofertado pela licitante, já aprovado nos aspectos de qualidade e funcionalidade (o que mais importa) , caso em que não haveria risco algum à garantia da imagem visual desejada, finalidade única da definição da exigência feita pelo DPRF, cujo atendimento deverá ser demonstrado pela representante por meio da apresentação de amostras para inspeção visual”.

Desse modo, o que se infere do julgado é que exigências restritivas somente são cabíveis se restar comprovado no processo administrativo, mediante parecer da área técnica, que tais características são imprescindíveis para o atendimento satisfatório da demanda.


[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 179; 213.

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