INTRODUÇÃO
Nas contratações públicas de bens, serviços e obras, a Administração Pública deve conceder tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas, empresas de pequeno porte, agricultor familiar, produtor rural pessoa física, microempreendedor individual – MEI e sociedades cooperativas de consumo.
O favorecimento emana da própria Constituição Federal, ao traçar a política pública que deve ser adotada em relação às micro e pequenas empresas (MPEs), em razão da finalidade da Ordem Econômica de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
A Lei Complementar (LC) n° 123/2006 (2021), alterada pela Lei Complementar n° 147/2014, instituiu no País, o Estatuto Nacional das Micro e Pequenas Empresas, agregando em seu texto muito mais do que incentivos tributários, previdenciários e creditícios, mas o dever de tratamento diferenciado e favorecido para as micro e pequenas empresas nas licitações públicas.
COMO SE DÁ O ENQUADRAMENTO DE MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE?
A primeira condição para definir o enquadramento de MEP é essencialmente econômica. Sendo assim, a receita bruta auferida no ano-calendário por aquelas empresas deve estar nos limites estabelecidos no art. 3º da LC 123/2006:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e
II – no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016). (BRASIL, 2021).
O desenquadramento, por sua vez, nos termos da LC, ocorre quando a empresa de pequeno porte excede o limite de receita bruta anual de R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) no ano-calendário.
Tabela 1: Enquadramento e Desenquadramento de ME/EPP
Porte da empresa | Enquadramento | Desenquadramento | Quando ocorre o desenquadramento? |
Microempresa | Receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); em cada ano-calendário. | Acima de R$360.000,00, passa a ser EPP | Ano-calendário seguinte |
Empresa de pequeno porte | Receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) em cada ano-calendário. | Até R$5.760.000,00 (aumento não superior a 20% do limite da receita bruta) | Ano-calendário seguinte |
Acima de R$5.760.000,00 (aumento acima de 20% do limite da receita bruta) | Mês Subsequente. |
Fonte: Elaborada pela autora com dados extraídos da LC 123/2006 (2021).
Portanto, as empresas que almejam participar das licitações com os benefícios da LC n° 123/2006 deverão comprovar que se enquadram nos limites de faturamento auferidos no ano-calendário do exercício anterior, sempre em atenção à modulação de efeitos nos casos de desenquadramento das empresas de pequeno porte.
QUAL É O TRATAMENTO DIFERENCIADO PARA A ME/EPP PREVISTO NO ESTATUTO NACIONAL DA ME/EPP?
A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) n° 14.133/2021 (2021), como novo marco legal das contratações públicas, não revogou as disposições constantes na LC n°123/2006 relativas aos benefícios concedidos à MPEs nas licitações, tais como:
a) prazo para regularização de documentação de regularidade fiscal e trabalhista, em caso de restrição;
b) “empate ficto” relativo às propostas de grande empresa e MPE, no intervalo percentual de preço entre elas, de 5% no pregão, e de 10% nas demais modalidades de licitação, assegurada a oportunidade da beneficiária da Lei Complementar ser convocada a “desempatar” o preço e sagrar-se vencedora;
c) licitações exclusivas às micro e pequenas empresas nas contratações de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);
d) reserva de cota de até 25% do objeto para a contratação de MPEs, em certames de bens e serviços de natureza divisível.
O tratamento diferenciado da LC 123/2006 muda parcialmente com a NLLC (2021), quando determina que os arts. 42 a 49 da LC nº 123/2006 relativos ao tratamento favorecido não são aplicados:
- no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior a R$ 4.800.000,00;
- no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, às licitações cujo valor estimado for superior R$ 4.800.000,00.
De acordo com os novos parâmetros, em licitações cujo valor for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, as MPEs não poderão se beneficiar do prazo de até cinco dias úteis, no mínimo, para regularizarem a documentação fiscal ou trabalhista e/ou não terão preferência de contratação nos casos de empate ficto.
Na mesma toada, a Administração Pública não terá obrigatoriedade de realizar licitações exclusivas nos itens de contratação de até R$ 80.000,00 ou exigir em obras e serviços a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte.
Em certames para aquisição de bens de natureza divisível, a Administração Pública não terá obrigatoriedade de estabelecer cota de até 25% do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.
O parágrafo 2º do art. 4º da NLLC limitou ainda mais a obtenção de benefícios da LC n° 123/2006, ao exigir que as microempresas e as empresas de pequeno porte apresentem declaração quanto à observância do limite de R$ 4.800.000,00 em contratos realizados com a Administração Pública no ano calendário de realização da licitação.
Portanto, sob essa ótica, ainda que a microempresa e empresa de pequeno porte se enquadrem tributária e juridicamente como beneficiárias da LC, ocorrerá o “desenquadramento ficto”, nos casos relacionados no art. 4º da NLLC, afastando qualquer tratamento diferenciado àquelas empresas.
O desenquadramento ficto ocorre em duas situações: a primeira, quando as microempresas e empresas de pequeno porte participarem de licitações, cujo valores estimados forem superiores à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, nos parâmetros dos incisos I e II, do §1º do art. 4º da NLLC; a segunda, quando a microempresa ou empresa de pequeno porte celebrarem contratos com a Administração Pública, cujos valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento de empresa de pequeno porte.
Tabela 2: Perda dos benefícios em licitações para microempresas e empresas de pequeno porte
Legislação | Critério de desenquadramento | Marco temporal da perda dos benefícios |
---|---|---|
LC 123/2006 | Desenquadramento | Ano-calendário subsequente ao excesso |
Empresas com receita bruta até R$5.760.000,00 (aumento não superior a 20% do limite da receita bruta para EPP). | ||
Empresas com Receita bruta acima de R$5.760.000,00 (aumento acima de 20% do limite da receita bruta para EPP). | Mês subsequente ao excesso | |
Lei 14.133/2021 | Desenquadramento Ficto | Abertura da licitação |
Licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior a R$ 4.800.000,00. | ||
|
||
Licitações para contratação de obras e serviços de engenharia, cujo valor estimado for superior a R$4.800.000,00. | ||
Microempresas e empresas de pequeno porte que, no ano-calendário de realização da licitação, tenham celebrado contratos com a Administração Pública cujos valores somados extrapolem o valor de R$4.800.000,00. |
Fonte: Elaborada pela autora
Como vimos, sem o condão de esgotar todos os desdobramentos práticos oriundos das limitações ao tratamento jurídico diferenciado concedido às microempresas e empresas de pequeno porte, ainda serão muitos os desafios a serem vencidos pelos agentes da contratação no processo licitatório, exigindo deles maior diligência e vigilância, para efetivamente valer as regras da Nova Lei de Licitações e Contratos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm. Acesso em:13 maio 2022.
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MACHADO, Ana Carolina; SILVA, Caroline Rodrigues da; ARAÚJO, Danielle Regina Wobeto de; RIBAS, Eduardo Meira; VARESCHINI, Julieta Mendes Lopes; SILVA, Nyura Disconzi da. A promoção do desenvolvimento nacional sustentável. JML Eventos. Pinhais: [ca. 2015]. Coluna Jurídica da Administração Pública. Disponível em: http://www.jmleventos.com.br/arquivos/news_adm_publica/ANEXO_1_14_01.pdf. Acesso em: 13 maio 2022.
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